A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Fernando Monteiro

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

- Fernando Monteiro -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Fernando Monteiro, cineasta, poeta e ficcionista, nasceu em Pernambuco, em 1949, formou-se em Sociologia e estudou Comunicação em Roma. Ano passado, estreou na literatura com a publicação, em Portugal, de Aspades, ET`s, Etc., recebido com entusiasmo pela crítica lusitana e, recentemente, pela imprensa brasileira. Obteve diversos prêmios nacionais: da Academia Pernambucana de Letras, em 1975, com a peça teatral O rei póstumo, e da União Brasileira de Escritores, em 1983, com o livro de poesias Ecométrica. Seu ensaio sobre a obra de Brennand foi premiado pelo Instituto Nacional do Livro. Filmes seus, de curta metragem, foram indicados para representar o Brasil oficialmente em mostras internacionais no México e na Polônia e receberam prêmios nos festivais de Brasília, Bahia e Rio de Janeiro.

Há uma idade definida para ser escritor de Romance? Concorda com a ordem cronológica poesia, conto e romance?
Não acho que haja qualquer idade "definida" para se ser romancista - embora a experiência de vida possa ampliar a bagagem, a acuidade psicológica e a maturidade de visão implícita no gênero. Mas, pode acontecer de alguém muito jovem escrever um bom romance, por algum mecanismo misterioso da inspiração (há exemplos: Alain Fournier escrevendo "Le Grand Meaulnes", Raul Pompéia ao estrear com "O Ateneu" etc).

Quanto à ordem "cronológica" - ou seqüência - da poesia para o conto e daí para o romance, não acredito seja "ordem" de espécie alguma. Os três gêneros satisfazem intenções diferentes e são autônomos e intercambiáveis, digamos, entre si.
No livro ECOMÉTRICA você conseguiu mensurar o tamanho de um eco? Ou eco é eterno?
"Ecométrica" é um livro feito do som do som das palavras, com o qual - segundo Mallarmé - se faz melhor poesia do que com idéias. A palavras já portariam as idéias "embutidas" no campo sonoro - mais do que semântico. Tentei que o conjunto dos poemas funcionasse como um motor de palavras acionando o sentido profundo, por assim dizer.
A poesia atual é feita para poetas. Você é poeta. Tem alguma relevância o fato de o poema existir para tão poucos? ou a poesia é pra poucos mesmo?
A poesia sempre será para poucos - mas, hoje, esses "poucos" são poucos como nunca foram tão poucos, para ela. Assim, o "código" de leitura do poema parece que ameaça se perder do público, e seguir sendo cultivado só por poetas que lêem poetas. É uma pena.
Com quantas metáforas se faz um poema?
Com quantos paus se faz uma jangada? Depende do tipo de viagem que você quiser fazer...
Você lançou seu livro recente em Portugal primeiro do que no Brasil. Por que Portugal saiu na frente?
Porque enviei para várias editoras brasileiras e obtive o silêncio como resposta. Minto: duas editoras me responderam, com mil elogios e uma negativa, no final da carta. Então, enviei o original para uma grande editora portuguesa - a Campo das Letras (editora dos livros de Rubem Fonseca, em Portugal) - e obtive, após um certo tempo, a resposta de aceitação de "Aspades, Ets, Etc" para publicação na Coleção Campo da Literatura, daquela editora.
Você optou pelo romance devido a ausência de dinheiro para fazer cinema no Brasil?
Não. Os recursos narrativos da literatura me satisfazem mais - pela possibilidade de expressão direta, não-intermediada pela técnica, pelos atores etc - do que a parafernália necessária, no cinema, para chegar a resultados às vezes bem frustrantes...
Há algo para comemorar nesses 500 anos de Brasil? Quem é o artista brasileiro?
Comemoremos nossa resistência a 500 anos de quase indiferença pela cultura. (Herdamos isso do "pragmatismo de aldeia" dos portugueses, parece). E o "artista brasileiro" é esse tremendo resistente, digno de todo louvor num meio hostil ou, no mínimo, indiferente.
Borges dizia que se há uma vassoura no texto e, ela não tem nenhuma função, não há o porquê da existência da vassoura. Concorda? Tem alguma fórmula ou receita para escrever romance? O romance se aprende (hoje) na escola?
Vamos por partes - conforme diria o Estripador. No caso das vassouras borgianas, tenho um certo receio da utilização, no texto, só da coisas que tenham "função". Isso talvez traga uma certa "mecânica", tipo: "vou usar isso para mais tarde etc". Ora, a vida não é assim. A vida deixa vassouras por toda parte - atrás das portas e na frente da gente. Tropeçamos nelas, quebramos a perna - e aí conhecemos uma bela enfermeira etc. Ou seja, vassouras podem parecer que não fazem nada num texto, e no entanto...
É sempre bom existir gênios como Proust, Glauber que acabam com esquemas? Concorda?
Eu não teria tanta certeza de que o artista, hoje, ainda consiga "quebrar" esquemas.

O próprio Gláuber - com a sua total lucidez - apontava para o modo como o trabalho do artista é "atenuado", hoje em dizer, ao denunciar: "A indústria - hoje - recupera tudo..." inclusive o "rompimento de esquemas". Lembre-se que até o "Che" já virou um ícone da cultura pop - e por aí vai.
Você é um autor laureado. Qual a importância de um prêmio literário?
Os prêmios chamam a atenção pública para o trabalho de alguém, em qualquer setor. Mas, se esse trabalho fluísse com mais apoio e melhor distribuição etc, talvez os prêmios não fossem tão vitais, como no momento, para acender luzes sobre trabalhos dignos de atenção. ISSO partindo do princípio de premiações justas, feitas com total lisura e independência. (Não é sempre assim, conforme se sabe - infelizmente.)
Qual o papel do escritor para a sociedade?
Ser a sua má-consciência. Acender a luz onde está escuro - e abrir as cabeças com o mais afiado machado de palavras que possa se comprar com a "moeda" da sensibilidade para a beleza que é justiça e verdade, para citar o velho Keats - que ainda continua valendo. Artistas - verdadeiros artistas - não morrem.

(2002)

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente