O tema de "Lição da noite" é o drama espiritual de um jovem e bem sucedido professor universitário alucinado pelo teatro grego, sobretudo por Eurípides. Ele é casado, pai de duas filhas, gosta de dar aulas, vive cercado de mulheres atraentes, não tem grandes problemas financeiros, mas de repente, inexplicavelmente, se sente caindo dentro de um vazio insuportável. Abandona emprego e família, larga tudo, parte em busca de sua essencialidade, que não sabe exatamente em que consiste, e vai parar em Genipabu, uma praia exótica do Rio Grande do Norte, onde não conhece ninguém e pretende descobrir um sentido para a sua existência.Quanto tempo dedicou a feitura do romance?
Passei quatro anos trabalhando em "Lição da noite". Cerca de quatro horas por dia, de agosto de 1993 a setembro de 1997, na parte da tarde, ouvindo música, de preferência Bach. Ele é a única pessoa de quem confesso ter inveja. Ano após ano, como se fosse a primeira vez, ouço as suas composições, que me surpreendem sempre, e me estimulam como criador, pela perfeição formal e, sobretudo, pela emoção que transmitem. Diante da grandiosidade de Bach, eu me sinto o mais pobre e o mais humilde dos escritores que o Piauí já viu nascer.O que há de novo neste novo romance?
"Lição da noite" gira em torno da magia do número 7. Tem 7 personagens, 4 mulheres e 3 homens, e os capítulos se organizam em grupos de 7, sendo também 7 os núcleos narrativos. A ação se passa basicamente na Zona Sul do Rio de Janeiro. Homens e mulheres angustiados, em busca de sucesso profissional, amor, sexo e prestígio no vazio da grande cidade. Amorim, por exemplo, o professor universitário, não sabe o que fazer com suas conquistas estranhamente fáceis, e com seu cotidiano acadêmico e sem maiores vôos. Dos Anjos, embora continue atraente, sofre porque não sabe conviver com a bela mulher que já não é mais. Adélia se angustia com seus projetos de enriquecimento no mercado imobiliário. E Zulminha borboleteia de festa em festa em busca desesperada de carinho e compreensão. Há também um famoso cantor de boleros, sem nenhuma consciência de sua própria mediocridade, que deixa alucinadas as mulheres "que não têm vergonha de chorar por causa das suas paixões irrealizadas".Qual o objetivo do livro?
"Lição da noite" pretende ser um painel da nossa sociedade, uma espécie de psicanálise às avessas da trágica banalidade em que se transformou a nossa vida, tudo isso sem amargura e sem obviedade. É o meu décimo segundo romance publicado. Liga-se aos anteriores, faz parte de um conjunto ainda não concluído, um mural feito de mosaicos, que se ajustam uns aos outros, numa tentativa de totalidade ficcional, a exemplo do que fez Balzac, em "A comédia humana", no século passado, e William Faulkner, na sua série de romances passados no Sul dos Estados Unidos, no século XX.Como está construindo o seu caminho, espaço na literatura?
Um crítico americano definiu certa vez os escritores em dois grupos: "caras pálidas" (os que passaram pelas universidades) e "peles vermelhas" (os que aprenderam no dia a dia tudo o que sabem). Sou meio cara pálida e meio pele vermelha. Aprendi a céu aberto, caindo, me levantando, lendo feito um desesperado, tomando porres homéricos por causa das frustrações, enfrentando momentos de desânimo, batalhando em diversas profissões pela sobrevivência, mas nunca me afastando do projeto de fazer literatura, atividade que sempre deu sentido e orientou a minha vida. E também passei pela universidade. Fiz curso de Filosofia, mestrado em Comunicação e doutorado em Letras. Como tese de doutorado, apresentei "Variante Gotemburgo" , um romance. Foi um escândalo. Para mim, parecia natural um compositor apresentar um sinfonia como tese de doutoramento em música, um artista plástico apresentar uma tela, um diretor de cinema, um filme. Cada um na sua área. Eu achava que isso seria o óbvio. Mas a academia pensava, e continua pensando, de maneira diferente. Machado de Assis, por exemplo, teria dificuldade em ser doutor em Letras, com base nos seus contos e romances. A universidade daria preferência a um texto sobre os contos e romances de Machado de Assis. Parece piada, mas é verdade.Como é o seu processo criativo?
Quando começo a escrever um romance, eu não tenho nenhum plano estabelecido. Vou botando no papel tudo aquilo que me vem à cabeça. Depois de trezentas, quatrocentas páginas, paro, dou uma olhada e vejo se ali dentro há ou não um romance. Se houver, eu reescrevo desde a página inicial até a última. Se der certo, eu recomeço tudo. Aí, sim, procurando descobrir a forma mais adequada à narrativa, num processo que eu chamaria de construção. É nessa etapa que surgem os grandes problemas de harmonia, composição e ritmo. Resolvê-los é tarefa que me fascina. Tenho pavor de textos mal estruturados, mal escritos, com palavras sobrando. Odeio adjetivos, gerúndios e advérbios de modo. As palavras existem para dizer, e não para enfeitar. Nisso, estou com Graciliano Ramos e não abro.Eu sei que você gosta de jogar tênis e Xadrez. O que este esportes acrescentam à sua vida?
Ah, sim, eu gosto de jogar tênis e xadrez. Se o tênis é a minha terapia, o xadrez é a minha religião, o meu exercício espiritual. O tênis e o xadrez me ajudam a compreender o mundo, me dão consciência dos meus limites e possibilidades - e, sobretudo, me ensinam que superar a mediocridade alheia é fácil, até demais; o difícil é enfrentar a própria mediocridade, que se evidencia quando a gente está diante da tela em branco do computador, pensando na criação de grandes romances e constatando que, infelizmente, os recursos disponíveis não são tão vastos assim.
(2002)