A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Claufe Rodrigues

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- Claufe Rodrigues -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Comecei a fazer recitais de poesia em 77, com 21 anos. Publiquei seis livros de poesia: Uma Onda Engole a Outra, em 79; O Livro dos Camaleões (com Pedro Bial e Luiz Petry), em 85; Borboletas não dão Lucro, em 90; Poemas para Flauta e Vértebra, em 94; O Arquivista, em 95; Amor e Seus Múltiplos, em 97. Organizei em 1995, através da minha produtora O Verso, a Ponte Poética Rio-São Paulo, com 20 poetas de lá e de cá; e em 96 a Expoética, com mais de 50 poetas, incluindo Manoel de Barros, Millôr Fernandes e outros. De resto, trabalho como diretor de programas de televisão, faço documentários, escrevo roteiros de ficção ou jornalismo, fui professor de telejornalismo na PUC Rio de 88 a 90, etc. etc. etc.

Você fez parte, nos anos 80, de um grupo de poetas chamado "Os Camaleões". Qual a importância de se expressar em grupo?
Antes dos Camaleões eu tinha feito parte dos Bandidos do Céu, do Bazar dos Baratos, da Revista Gandaia e do Madame Suzi. Engraçado, todos estes eram grupos. Os Camaleões não eram um grupo. A gente se intitulava um trio. Qual a diferença entre um grupo e um trio? Na época, eu, particularmente, estava desiludido com grupos de poesia, que geralmente acabavam tendendo a fazer performances. Os Camaleões eram radicalmente individualistas em sua expressão, tendo em comum apenas a linguagem pop, e a firme intenção de valorizar essencialmente a palavra, ao invés de misturá-la com teatro, música, etc. Mais tarde, por necessidade de ampliar nossas vozes, passamos a nos apresentar com banda de música, etc. Mas aí já tínhamos cumprido um ciclo na literatura. Agora, respondendo a sua pergunta: a importância de se expressar em grupo reside no fato de que cada um se sente desafiado a criar mais e melhor - se bem que, na maioria dos casos, os grupos, tal e qual a "turma de amigos", acabam por nivelar por baixo, mediocrizar geral.
Quais os ideais atingidos e o que deixou de acontecer, em matéria de poesia, com "Os Camaleões"?
Apesar de sermos profundamente individualistas na expressão de nossa poética, nunca perdemos a noção de estar a serviço de uma causa maior, ou seja, a própria poesia. Por isso, em nossos recitais, sempre incluíamos os nossos "antepassados poéticos", como Jorge de Lima, Eugênio de Andrade, Bandeira, Drummond, Bukowski, Maiakóvski, Whitman, etc. Nossos ideais sempre foram tornar a poesia vulgar - no sentido de divulgar, e não de vulgarizar. Quando começamos, a poesia era maldita. Depois da gente, passou a ser bendita. Então, a história dirá se atingimos ou não nossos objetivos. O que deixou de acontecer, em matéria de poesia, com Os Camaleões, é uma pergunta imponderável demais para ser respondida. Continuamos escrevendo, lançando livros, fazendo recitais... A rigor, as coisas continuam acontecendo.
Como foram os primeiros contatos com a criação literária? Quando tornou-se escritor?
Por incrível que pareça, o primeiro contato foi com a Jovem Guarda. Eu tinha uns 10 anos e ficava ouvindo aquelas canções de amor. Escrevia para minha irmã mais velha cantar. Daí à Tropicália foi um passo. Até Torquato Neto (provavelmente o primeiro poeta pop brasileiro) foi outro. Passei a achar a expressão poética mais rica que a expressão musical. E quando conheci Maiakóvski, houve o ponto de mutação, a revelação, através daquele poema em que ele fala "Farei uma blusa amarela com três metros de entardecer". Tinha já uns 15 anos. Escrevia bastante, mas nada que resistisse mais que um ou dois dias. Quando, aos 20 anos, conheci Jorge de Lima, foi como se ele me desafiasse, do alto de sua imensa obra: "E aí, seu bunda suja, vai ficar nessa? O que você realmente pretende com a poesia?" Acho que só me tornei poeta quando passei a tentar responder a esta pergunta.
Você concorda com o Alexei Bueno; ele diz que a poesia brasileira atual é "coco de cabrito: sequinha e idêntica"?
Não, não concordo mesmo! Quando comecei a fazer recitais, em 1979, a poesia era anêmica, sem fôlego. Escreviam versos curtinhos, vazios, imberbes. os poetas sofriam do que Oswald de Andrade chamou uma vez de "sarampão antropofágico". Hoje, os novos poetas já surgem com poemas bem consistentes, têm mais leituras, são mais orgânicos e pessoais. Conheço vários, todos com uma dicção bem pessoal, como o Mano Melo e a Alexandra Maia, só para citar dois poetas próximos.
Qual a importância de antologias? Principalmente a de poetas conhecidos ou ninguém é conhecido pelo grande público?
A gente precisa fazer uma diferenciação entre "antologias" e "coletâneas". Para mim, antologias deviam ser feitas para situar estética e historicamente um determinado período ou movimento, sem menosprezar suas causas e efeitos. Coletâneas têm mais a função de revelar, dar visibilidade, vitrine. As duas modalidades são integralmente válidas. Pena que nenhuma delas vêm sendo exercida...
Se gênio da lâmpada concedesse um pedido "literário", qual seria o seu pedido?
Que pelo menos as pessoas que dizem gostar de poesia leiam poesia. Nossa! Já ia ser um avanço e tanto!
Acredita em inspiração? Como elabora o seu processo criativo?
Claro que acredito em inspiração. Em todas as atividades humanas, a inspiração é necessária, especialmente na criação artística. Sem inspiração não se escreve nem bula de remédio. Meu processo criativo é um mistério. Às vezes o poema vem a mim, às vezes vou a ele. E quando nos encontramos, é sublime. Alguns poemas são instantâneos: saem prontos, em cinco minutos. Outros levam meses até serem concluídos. De qualquer maneira, trabalho bastante, até me dar por satisfeito. Mas não separo o processo criativo em inspiração e transpiração; é tudo parte do mesmo negócio.
Em que trabalha no momento? Quando sai o próximo livro?
Acabo de escrever meu primeiro romance, que se chama, apropriadamente, Roman-se. Foi como atravessar um sertão, a pé e descalço! Estou dando os últimos retoques, antes de mandá-lo para a Record. Quando vai ser publicado, depende da editora, mas não tenho pressa. Estou trabalhando também num novo livro de poemas (o sétimo!), chamado provisoriamente "Rascunhos do Século XXI". Por outro lado, terminei o roteiro de um longa-metragem de ficção, que pretendo rodar no ano que vem em parceria com a produtora do Bial.
Há quanto tempo navega na Internet? Como vê a utilização deste espaço pela poesia?
Navego pouco na Internet, porque não tenho tempo. A poesia é como o ar que respiramos, está em todos os espaços, e precisa ampliá-los ainda mais, não só na Internet como na TV. Tenho a intuição de que a linguagem poética traduz muito melhor esta época do que qualquer outra arte, aí incluindo até o cinema!
Você tem algum mote que o acompanhe pela vida?
Tenho vários, mas não me lembro de nenhum que valha a pena citar agora.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Escrever.

(2002)

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