A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

CAlex Fagundes

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- CAlex Fagundes -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


CAlex Fagundes, gaucho, 48 anos, professor universitario... engenheiro, duas vezes mestre em ciências, musico, poeta... Escreveu Somático (poesia, 75); Terroso-Alcalino (poesia, 95); Noturno Azul (poesia, 95); Matinata (contos, 95); Purgatório Lilás (poesia, 96); Farol Escarlate (poesia, 96); InterConexão (poesia, 97); Este Mar (poesia, em elaboração). Edita o cyberjornal Poesia Diária, o respectivo sítio e outras atividades culturais e educacionais.

Antes de falar das novidades vamos "começar" do início. Como começou fazer poemas?
Quando eu cursava a 3a. série do antigo curso secundário, que hoje corresponde à 7a. do 1o. grau, no tradicional Colégio Pedro II, eu tive um professor de Português que adorava poesia e, especialmente, Fernando Pessoa, ele se chamava Fernando, não lembro o sobrenome. Esse professor estimulava a nós, alunos, a escrevermos poesia. Foi a primeira vez que isso aconteceu comigo, primeira e última, pois nunca mais tive um professor de Português igual àquele. Nós adorávamos suas aulas. Nosas redações eram poesias e recitávamos em sala. Era uma aula muito agradável. Minhas primeiras poesias datam daquele remoto e sinistro ano de 1964, ano do Golpe que levou ao longo período da Ditadura.

Dali prá frente eu não parei mais. Escrevi vários cadernos, enchi vários deles de poesias. Até mesmo minha caligrafia melhorou muito nessa época. Passei a usar a caneta tinteiro e a desenhar as letras com prazer, conforme ia escrevendo. Era um enorme prazer escrever. Tinha eu, então, 14 anos e a partir dali eu já era poeta. Escrevia muito, todos os dias. Tanto quanto tocava violão e cantava, era meu prazer. Depois passei misturar tudo... passei a escrever poesias, musicá-las, ou criar uma melodia e poetá-la... lembro que 66/67 foi o ano da Tropicália... aí eu deslanchei... escrevi mais de 300 canções entre 66 e 78. Essa que estão na minha homepage pessoal em datam todas dessa época. Tem mais de 20 anos que não faço uma composição. Depois de 78, tem poemas meus musicados pelo Manuel Martins, meu parceiro e companheiro de bandas, mas músicas de minha autoria não tem mais nenhuma. E por incrível que possa parecer a minha última composição é uma peça instrumental, diria até erudita, a Rapsódia Campestre, que nunca foi interpretada em público. Primeiro livro, Somático, data de 75 e é uma reunião dos poemas que eu escrevi até aquela data. E são os únicos que tenho, pois os demais se perderam. Tenho muitos dessa safra antiga com a minha primeira namorada, a Lélia, ela guarda os manuscritos até hoje. O Terroso-Alcalino é o segundo livro e representa uma seleção dos poemas escritos até 1990, mais ou menos. O Terroso-Alcalino está disponível para quem quiser ler, na íntegra, na homepage acima citada.
Quais os escritores que mais o influenciaram?
Fernando Pessoa, sem dúvida, e principalmente enquanto Álvaro de Campos, é a minha principal influência e paixão poética. Acho que tenho um pouco do modo meio sweet-dark de ver a vida como o Álvaro. Gosto especialmente de quatro poemas dele: Lá-bas Je ne Sais Où, Dobrada à Moda do Porto, Vilegiatura, e Adiamento... são os poemas de Álvaro maduro, estão entre os últimos que ele escreveu com esse heterônimo. Gosto muito de Caeiro também. Não tolero muito as odes do Ricardo Reis, nunca tive muita paciência para lê-las.

Gosto de Poe, não só de O Corvo e Annabel Lee, suas mais famosas poesias, como toda a sua obra. Gosto muito de A Morte Rubra, William Wilson, O Barril de Amontillado, Coração Denunciador, O Demônio da Perversidade, A Queda da Casa dos Usher, O Poço e o Pêndulo. Como também de seus contos policiais, especialmente os Crimes da Rua Morgue e O Mistério de Maria Roget, onde desponta o personagem Mr. Dupin. Acho Poe um dos maiores gênios da literatura mundial. Seus contos fantáticos também são incriveis: A Descida do Maelstom, o Escaravelho de Ouro...

Considero Julio Cortazar no mesmo nível que Poe. Li tudo de Cortazar, como li de Poe... O livro de contos Orientação dos Gatos é, para mim a sua obra prima, mas tudo que ele escreveu me toca profundamente. Cronopios e Famas, Todos os Fogos O Fogo, Os Prêmios, O Jogo de Amarelinha, 62 - Um Modelo para Armar... todos os livros de Cortazar, o Grande Brujo, são maravilhosos.

Gabo - Garcia Marques - vem também junto com eles: Cem Anos de Solidão é leitura obrigatória. Eu também li tudo dele.

Kurt Vonnegut Jr. também é minha leitura de cabeceira. Matadouro 5, Revolução no Futuro, Almoço dos Campeões, Pastelão.... todos são livros deliciosos e mexeram comigo de certa forma.

Hermann Hesse, sim claro, com sua prosa poética. Admiro profundamente Hesse: Demian, o nascimento de um ser que se desprende; Sidharta, a busca da perfeição; O Lobo da Estepe, Narciso e Goldmund, O Jogo das Contas de Vidro, todos fantáticos e que eu li antes dos 18 anos e depois tornei a ler. Ah, sim: o livro Contos, com o fabuloso "Augusto" e "Metamorfose", contos belíssimos.

Por falar em Metamorfose, claro, tenho que lembrar de Kafka o artesão do absurdo: A Colonia Penal, O Artista da Fome, América, O Processo, O Castelo... todos livros importantíssimos e que foram milimetricamente devorados. Foram todos livros lidos antes dos 20 anos e que criaram em mim o gosto pela leitura. E tenho uma opinião, só escreve realmente bem, aquele que tem paixão pela leitura. Não quero dizer que todo mundo que tem paixão pela leitura escreve bem. Mas sim que isso é um dos componentes essenciais para um bom escritor. Jamais será bom escritor aquele que não gosta de ler.

Mas dos brasileiros: sou fã incondicional de Rubem Fonseca, Ligia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Antonio Callado, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa (não podia faltar)... Alguma coisa neles certamente me influenciou... Entre os poetas brasileiros dos antigos fico com Olavo Bilac, que descobri recentemente por incrível que pareça. Manuel Bandeira é o meu de 22 preferido. Gosto muito de Vinícius... o seu modo de ver o amor tem muito a ver comigo. Gosto de Quintana, sua suavidade de passarinho, as recordações de uma Porto Alegre dos tempos de minha infância. Cora Coralina, que me traz um cheiro contemporâneo de coisas antigas... e que eu tive oportunidade de conhecer, por acaso, numa livraria de Brasilia... e conversar com ela. Gosto de Ana Cristina Cesar, uma mulher apaixonante... me apaixonei, postumamente, por ela, que pena! Gosto de Leminski, acho ele um poeta que trouxe algo de novo para a poesia brasileira. Gosto de Manuel de Barros, que também conheço pessoalmente, pois sou amigo de seus filhos, acho que sua poesia traz um novo patamar para a poesia brasileira.

Bem... posso afirmar que sou bastante seletivo com poesia, não gosto de qualquer poesia. Se um dia eu elogiar um poema seu pode ter certeza que ele me tocou muito... raramente faço isso. Mas também nunca critico um poema ou um poeta. Acho que a poesia é um encontro de sensibilidades e tem muito a ver com aquilo que a gente sente do poema. Assim, para ser injusto, eu prefiro calar. Só falo quando acho um poema extraordinário. Algo que realmente me pegou de jeito... no mais prefiro calar... não emito opinião gratuita, não digo nada.
Como é seu processo de criação?
Lápis, papel e mais nada. Sento e escrevo. Não tenho a menor frescura para escrever... se sentar para escrever, vou escrever, não tenha dúvida disso, A ditas "inspirações" geralmente eu as guardo na memória e um dia as solto todas no papel. Eu faço poesia sem escrever. O ato de escrever é apenas uma formalização do poema... ele já está na minha cabeça remoendo faz tempo, quando vai ao papel.
Você se enquadra em alguma escola literária?
Existe isso?
Qual o panorama da poesia na internet. Existe boa qualidade nos textos?
Se existe boa qualidade? Claro que existe. A internet propicia que se leia mais, que se exponha mais o nosso trabalho. Tenho certeza que os grandes poetas do início do século sairão da internet, assim como toda a safra de novos escritores. A internet propicia a divulgação ampla de tudo que é tipo de trabalho literário. Acredito numa democratização da exposição da cultura... o processo de edição de livros é muito elitista... temos uma infinidade de porcarias, quase tudo, porque papai bancou o livrinho, do seu filhinho... Quase tudo que é editado, hoje, é assim... não é uma escolha pelo talento e sim pelo bolso de quem pode pagar. O mercado das editoras, hoje, está com os faróis postados muito mais no bolso do escritor, que na qualidade do seu texto, e muito menos no mercado consumidor de leitura... uma distorção muito estranha, coisa de Pais culturalmente deformado. A net virá corrigir isso... não sei como irá remunerar o produtor de cultura, mas ao menos não deixará inúmeros talentos esquecidos e calados no anonimato. A net permite que eles fluam. Não existe poesia ruim... existe poesia iniciante. Acho que estamos aqui numa escola, numa dinâmica de aprendizado. Considero o Poesia Diária, o Mar de Poesias, uma escola viva de poesia. Por ser algo de ida e volta: as pessoas escrevem, outros lêem, o poeta lê dos outros, todos intercambiam idéias entre si, participam, se comunicam, intercambiam impressões; no próximo poema escrito algo que foi aprendido será incorporado. O nosso trabalho é extremamente importante. Não pode acabar, mas ao mesmo tempo me dá uma enorme indignação de não encontrar uma empresa sequer que esteja disposta a patrocinar isso. Que além do imenso trabalho que temos, todos, ainda temos que tirar do nosso bolso a manutenção de tudo. Já estouramos todos os nossos limites de crédito... o sacrifício é imenso, mas como a gente pode acabar com uma coisa do porte do Poesia Diaria e do Mar de Poesias? Será que não tem uma empresa que não veja o potencial dessa coisa e queira adotar a poesia e a literatura do futuro?
Da geração de vinte anos, tem alguém que desponta?
Falo nada. Não me venha com uma provocação dessas. Como citar gente, selecionar nomes e esquecer outros tantos. Não posso, tenho responsabilidade igual com todos. Teria que citar uns 300 nomes. Temos espaço para isso? Se citar 10 serão 290 que virarão a cara para mim. Mas isso não é o pior... o pior é que se eu citasse 10 ou 20 nomes estaria sendo realmente injusto ao não citar outros. Melhor não citar.
Fale um pouco sobre o início do Poesia Diária.
O PD nasceu de forma espontânea não planejada. Eu estava querendo divulgar muna poesia e resolvi adotar a internet como meio de divulgação. Quando comecei com o PD não sabia o que iria acontecer. Sei que comecei, usando o Eudora Light, a criar son um nickname uma lista de emails e comecei a soltar poesia. Dai foi lá da Dinamarca que uma amiga me sugeriu: por que voce não cria um digest? Foi assim que no dia 12 de agosto de 96, dia do aniversário do meu pai, saiu o primeiro PD e já era muito parecido em forma com o que é hoje. Só mudou o conteúdo. Passei a distribuí-lo para uns emails que estavam inscritos na lista de poesia da Esquina das Listas, uma lista pioneira que já havia se finado, e assim foi. O número de assinantes foi crescendo, crescendo, hoje são quase 1000. E agora é muito mais que um simples digest. Surgiram os suplementos e existe toda uma equipe trabalhando. Passamos a ter uma home, onde as pessoas podem ir quando desejam e encontrar lá todo um mundo de poesias. E tem os boletins que vão até as pessoas. Ou seja, existe um caminho de ida e volta, existe uma comunidade inteira que participa, convive, briga, ama... etc... tudo no melhor sentido de vivência em comunidade. Existem pontos de encontros, locais virtuais onde as pessoas interagem, conversam e se encontram. Quantos casais se formaram a partir daqui? Não me pergunte pois não sei. Hoje o PD é muito mais que poesia: é um local onde as pessoas se encontram e convivem.
Você tem diversas novidades pintando aí. Diga-nos algumas delas?
Muitas, muitas, muitas. Tem o Leitura Diária, que é a versão "livros" do PD. A idéia é divulgar trechos de livros para estimular que, surgindo o interesse, as pessoas leiam o livro na íntegra. Tem as discussões sobre futebol, a torcida na Copa, a releitura de Saldanha, Nelson Rodrigues, Mario Filho, Pedro Zamora... Tem espaços reservados para outros assuntos. Mas acho que a principal novidade será o surgimento da Escola Virtual.... isso ainda é segredo mas está cada dia mais próximo.
Muitas pessoas ajudam a fazer o Poesia Diária. Quem está a frente no momento?
A frente eu Asta Vonzodas e Isabel Machado. Junto com a gente tem a equipe de editores que trabalham com Suplementos específicos. OS assinantes participam mandando suas poesias, seus textos, suas histórias, sugestões, etc... A reunião de trabalho dos colaboradores acontece num lugar chamado Fórum de Poesia e Literatura, uma oficina virtual. Em suma: de certa forma podemos dizer que todos trabalham e colaboram. Ah sim: Victor Almeida e João José Ferreira estão trabalhando este mês um especial; sobre Portugal, poesia portuguesa que virará um Suplemento a partir de julho.
E a lista de discussão, é uma maneira de se conhecer melhor outras pessoass ou pode-se lucrar intelectualmente?
As duas coisas. As lista de discussão é algo extremamente dinâmico e agora, com a evolução dos maillers, permitindo a remessa de cores, fotos, fundos, textos formatados, vai enriquecer tudo muito mais... As listas do PD são livres e estimulamos a criatividade nas mensagens... tem aparecido poemas visuais lindíssimos. As listas evoluirão muito daqui para frente. Imagine: ao invés de esperar que as pessoas visitem a sua homepage você pode mandar elas para as pessoas... percebe? As listas dão uma dimensão extremamente dinâmica à internet.
Qual a grande dificuldade para manter um site como o Poesia Diária na rede?
Tempo e custos. O Poesia Diária é um site atualizado quase que diariamente. Estamos formando uma equipe... todos trabalhamos como voluntários e sem remuneração. Mas estamos precisando de um patrocinador para bancar os custos que giram em torno de 1.500 reais/mes. Isso atualmente sai do meu bolso. Dai, se temos que arranjar esta grana, há necessidade de correr atrás, daí vai faltar tempo. Se tivermos um patrocinador tudo se resolve.
Qual a dificuldade para manter o PD?
Se o PD fosse o que era há um ano não haveria nenhuma dificuldade. Mas o PD, hoje é um complexo de muitos suplementos. E o principal deles, o Suplemento dos poetas está saindo 3 vezes por semana. Só com o conteudo dos poemas enviados pelos poetas daria para publicar um livro de 400 páginas por mês. E com letra pequeninha.
Você acredita na profissionalização dos serviços culturais, na internet, ou vai ser sempre tudo de graça?
Não sei. Acho que a internet aos poucos se profissionaliza. Por enquanto, não temos perspectiva. Acho que a única saída é um patrocinador. Pelo menos para o tipo de trabalho que nós fazemos. E o nosso trabalho já tem um padrão profissional há muito tempo... falta alguém que acredite em nós.
Qual é a meta do PD hoje?
Só uma: garantir a sobrevivência.
Sobre o que se trata o seu novo livro Interconexões. Como vai a editora MPD?
O livro InterConexões é o meu último livro e está no prelo. O livro leva o nome de um dos poemas. Mas na verdade ele tem como tema central uma série de tangências de universos diferentes, inclusive o da vida aqui e a vida após a morte. A editora vai sobrevivencdo como pode. Seria tão bom se as pessoas comprassem os livros e ajudassem a manter esse projeto, não é? Prá não dizer que não vendemos nada, este mês vendemos 2 livros... acho que foram os únicos nos últimos 3 meses. Assim não dá para manter o projeto. Cumpriremos nossas obrigações contratadas e chega.
Fale sobre a revista PD?
A Revista Poesia Diaria, tinha como finalidade arranjar fundos para manter o PD por uns tempos: não vendemos nem um terço das assinaturas que precisávamos. Decepcionante? Sim... muito. A revista vai ficar linda. Está demorando para sair o primeiro número, mas depois acreditamos que todos vão querer. Vai ter basicamente poesia... muita poesia.
Que pergunta não fiz e você gostaria de responder?
Acho que eu já disse tudo. Só quero deixar mais uma vez o nosso email para aqueles que não nos conhecem entrar em contato e poder participar também: calex@centroin.com.br

(2002)

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