A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Artur Gomes

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- Artur Gomes -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Eu escrevo poesia, contos e textos para teatro. Faço uma espécie de teatro-poesia, mambembe. Durante 20 anos dirigi a Oficina de Artes Cênicas do Cefet Campos. Montei com alunos uma dezena de espetáculos, com textos meus e de autores como Pirandello, Brecht, Oswald de Andrade, Drummond, Chico Buarque, Vianinha, etc. Por temperamento, nunca tive muita paciência para o teatro convencional. Minha concepção de teatro é a possibilidade de dar voz ao poema, dar corpo, gesto, ação.

Com poesia, já viajei praticamente este Brasil inteiro, com recitais solo, ou em companhia de outros atores ou poetas. Este ano lancei o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia. Nele, 100% dos poemas são de minha autoria e as músicas, a maioria, são de letras minhas. É um material que reuni ao longo de uns 30 anos. Nasci em Campos dos Goytacazes, mas já circulei, e continuo circulando intensamente.

Atualmente, em Campos, produzo o Projeto Sesc Na Quarta Poesia em Cena, criado por mim e que acontece em todas as últimas quartas do mês. Na Fundação Jornalista Oswaldo Lima, além do Concurso de Contos, coordeno o FestCampos de Poesia Falada.

Este ano voltei a circular pelo Rio, depois de um bom tempo por São Paulo, já fiz recitais este ano, no Poesia na Quarta Capa, Sarau João do Rio, Panorama da Palavra, Converso no Café, Poesia nos Arcos. Dia 2 de outubro estive na homenagem ao Samaral, um grande parceiro de muitas jornadas poéticas, conheci o Jiddu Saldanha na casa dele, em 1992.

Estou ensaiando um espetáculo, de teatro-mímica-poesia com o Jiddu e a Viviane Mosé, que foi a vencedora do FestCampos deste ano. De 7 a 12 outubro, estive em Bento Gonçalves com a exposição gráfico-visual 22 Mário x Oswald 80 Anos Depois e com recitais no Teatro do Sesc de lá.

Em 1983, criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira, com exposições reunindo várias correntes poéticas. Em 1993, em parceria com o Grupo Livrespaço de Poesia, realizamos a Mostra Visual de Poesia Brasileira - Mário de Andrade 100 Anos, durante 15 dias de 15 a 30 setembro, no Sesc São Caetano, Colégio Singular de Santo André, Alpharrabio Espaço Cultura e bar Porto das Garrafas.

Além das exposições de poesia espalhadas nestes espaços, foram realizadas outras atividades como palestras, recitais, workshoops, com as presenças de José Miguel Wisnik, Uilcon Pereira, Milton Andrade, Dalila Teles Veras, Roberto Barbosa, Carlos Careqa, Monica Cardella, Ricardo Lima, entre outros.

Meu último livro Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas, foi lançado pela Alpharrabio Edições, em 2000. Para 2003 pretendo reunir num volume denominado RadioGrafia da Pele, uma seleção de poemas dos livros Suor & Cio, Couro Cru & Carne Viva, CArNAvalha Gumes, Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas e alguns inéditos. A seleção está sendo feita por Jiddu Saldanha.


O que a sua poesia tem de surrealista ou toda boa poesia é surrealista quando foge do padrão neo-parnasiano?
Acredito que seja a constelação de metáforas que acrescento às coisas do cotidiano, onde bebo lá no fundo de qualquer poço, para matar a sede. É uma vertente possível, para não cair outra vez no neo-realismo. Veja bem, circulo por várias das possíveis linguagens poéticas. A Dalila Teles Veras, na apresentação do meu último livro publicado, Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas (Santo André-SP: Alpharrabio Edições, 2000), diz ser muito difícil para algum crítico ou quem quer que seja, tentar definir a minha lírica poética, exatamente por uma multiplicidade de referências ou influências, que me deram a possibilidade de criar um caldeirão onde não me importo em cozinhar qualquer caldo que seja. No poema Goytacá Boy, que no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia aparece cantado pelo Naiman, tem talvez uma marca registrada para uma tentativa de definição quando digo: "ando por são paulo/meio araraquara/a pele índia do meu corpo/em sua carne clara/juntei meu goitacá/teu guarani/tupi or not tupi/não foi a língua que ouvi/na sua boca caiçara". Lógico que aqui não bebi no cotidiano comum, e sim, em Oswald de Andrade, mas de uma certa forma foi também a vivência com o cotidiano paulistano que me deu a possibilidade da junção poética: goitacá/guarani. Acredito também, que o neo-parnasianismo hoje, não cabe, mesmo que não seja surrealista, mas boa poesia hoje, está a léguas de distância desta linguagem. Meu mestre Uilcon Pereira, em seu texto Poemas.Gráficos.Visuais, coloca outro olhar sobre essas mesmas questões encontradas na minha poesia, e analisa a fundo também, o aspecto gráfico, que uma outra particularidade, mas o conjunto da obra que ele analisa são realmente poemas gráficos, que compõem um conjunto de poemas ao qual dei o nome de CardioGrafia da Pele. Estes poemas foram expostos na Galeria do Sesc Consolação-SP, em 1996, dentro do Projeto Retalhos Imortais do SerAfim - Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim. Hoje, estão espalhados por aí, a maioria deles foram vendidos na época, e outros, presenteados a velhos e novos amigos.
A poesia é o salto de uma vara? (Poema Baby é Cadelinha)
Pois é, neste poema são três as possibilidades, salto de uma vara, auto de uma fera, fausto de uma farra. Pulo de gato, urro de felino, labaredas de vulcão. A poesia é uma selva imensa a ser desbravada, e há que ser fera para desbravá-la, é também combustão que não deve ser transformada nuns versinhos delicados e bem comportadinhos. Lembro-me quase sempre do Torquato Neto, no seu recado pessoal e intransferível, mais que indispensável para os nossos dias: "sou o que sou/pronome pessoal/intransferível/do homem que iniciei/na medida do impossível". Este poema, Baby é Cadelinha, de uma certa forma é a minha oração cotidiária: "Devemos não ter pressa/a lâmina acesa/sob o esterco de vênus/onde me perco mais me encontro menos/de tudo o que não sei/só fere mais que menos sabe/sabre de mim baioneta estética/cortando os versos do teu descalabro/visto uma vaca triste/como a tua cara/estrela cão gatilho morro:/A poesia é o salto de uma vara".
Em Beatriz a Faustino você escreve como se fosse uma mulher. Essa é a graça de ser poeta: viver outro papel?
Sempre tive a impressão de que o poeta é também um ator do seu tempo, mesmo antes de ter o teatro e a música como convergências de linguagens. E neste poema, principalmente, é uma mulher mesmo que fala, pois a Beatriz aqui, é a personagem mítica, a Beatriz de Dante, Oswald, Faustino, Chico, enfim, a Musa/Deusa de todos os poetas. Em 1983, criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira, que consiste no desenvolvimento de várias atividades onde a poesia é o centro, o foco. É um evento multimídia, com exposições, onde podem estar presentes as linguagens poéticas mais modernas. Dentro desta exposição acontecem performances, com poesia.teatro.música.mímica.artes plásticas, enfim, uma overdose poética. Em 1993 desenvolvemos, com o apoio do Sesc, em São Paulo, Santo André e São Caetano, em parceria com o então Grupo Livre Espaço de Poesia, liderado pela Dalila Teles Veras, um evento em comemoração ao centenário de Mário de Andrade. Foram 15 dias de atividades com estas características, em vários pontos destas cidades. E daí surgiu um convite para levar a Mostra para Teresina/PI. Resolvi então girar o foco da Mostra para Torquato Neto e Mário Faustino. Torquato, porque já era conhecedor da sua poesia, e com ele vivi bons momentos entre os anos de 1971 e 1972, antes da sua trágica morte. E Mário Faustino, nesse período por São Paulo, tomei conhecimento da poesia dele, através de uma sua intensa admiradora, e hoje uma das mais queridas musas, Wilma Lima. No poema Romance, Faustino registra em versos, umas labaredas, que não dá para não se esquentar com elas: "o mundo que venci/deu-me um amor/um troféu perigoso/esse cavalo/galopando em céus irados". Como sempre gostei de criar também as musas alheias, coloquei na boca da Beatriz essas palavras dirigida ao Mário Faustino:
Beatriz a Faustino

pudesse eu divagar pelos teus poros
bosque do teu reino em teus pêlos
mergulhar contigo o mar da fonte
atravessar da carne a pele a ponte
penetrar no orgasmo dos teus selos.
pudesse eu cavalgar por tuas crinas
no dorso cavalar onde deflora
deixando então de ser menina
e me tornar mulher por toda sina
no inferno céu da tua hora.
Em Pontal Foto.Grafia você demonstra habilidade técnica ao trabalhar com a tensão estrutural do texto. O bom poeta é o que não perfuma a flor, como diria João Cabral de Melo Neto? Como é o seu processo de criação?
Olha só, já falamos em Mário e Oswald de Andrade, Torquato Neto e Mário Faustino. Poderia colocar outros poetas neste caldeirão também, mas a história aqui é de um fotógrafo. Oscar Wagner. Passamos boa parte do verão de 1992, fotografando as ruínas do Pontal de Atafona, na cidade de São João da Barra, onde o oceano Atlântico beija o rio Paraíba do Sul. Ali se dá um fenômemo, onde o mar avança, já há alguns anos, destruindo casas e tudo o que estiver ao seu alcance. Acompanhamos esta visão dantesca milimetricamente e, por vários dias seguidos, medindo os estragos. A linguagem do poema surgiu-me naturalmente, as metáforas, o desenrolar da história do Brasil, com as caravelas, a travessia do oceano, os escombros, o mangue, a paisagem ao mesmo tempo onírica e de uma certa forma dantesca. O próprio meio-ambiente possibilitou-me a linguagem com a sua tensão natural.

O meu processo de criação é de muita leitura, não só de poesia, mas de arte, enfim. E a incursão por outras linguagens, permitiu-me chegar a esta estrutura para o texto. De uma certa forma, gosto do impacto, seja ele captado pelo olho fotográfico, ou pela tensão emocional, tem aí também os ingredientes da dramaticidade e plástica que gosto de imprimir na poesia.
Quando o poema deve ser uma navalha?
Bem, esta definição não é minha. Foi a forma que o Aristides Arthur Soffiatti - um conhecedor profundo da obra de Mário de Andrade - encontrou para apresentar o meu livro Couro Cru & Carne Viva, que foi lançado em 1987. Talvez pelo fato de este livro conter uma seleção de poemas curtíssimos, mordazes, irônicos, sarcásticos, ferinos, ele tenha encontrado esta definição. Mas há no livro, também, uma dose intensa de lirismo, de ironia, de bom humor, que considero também armas fundamentais para a poesia. Talvez a comparação que ele faz, seja devida ao que ele quis conceituar como arma branca, lâmina que fere deixando cicatriz quase sempre perpétua. E é isso que ele quer dizer dos poemas. Acredito na palavra enquanto arte, é a nossa arma de ataque e defesa, o poeta de uma certa forma, como já disse, é um guerrilheiro, um desbravador de novos territórios onde a palavra existe, como espada, navalha, gilete, estilete, tesoura, agulha, alfinete, máquinas fotográficas, câmeras de vídeo, microfones e, muitas vezes, revólver mesmo. O tempo hoje permite que a poesia tenha outras armas, como forma até de sobrevivência.
Com quantas metáforas se faz um poema?
Quantas forem possíveis e necessárias até o exato momento, em que damos um poema por acabado. Não creio que haja uma medida certa. Cada um, cada um, para lembrar o Samaral. O imaginário humano é inesgotável. E aí eu te re-passo a pergunta, que está numa passagem do livro Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas: Com quantos silêncios se faz uma metáfora?
Quais são os poetas que lhe influenciaram?
Além dos já citados acima, não só influenciaram, como continuo a beber em suas fontes, posso dizer ainda que Drummond, Ferreira Gullar, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Paulo Leminski, Baudelaire e Mallarmé, são com toda certeza, os que me ajudam a acionar os gatilhos e os coices do coração.
Como você vê a chegada de inúmeras antologias no mercado editorial?
Em alguns casos, quando são editadas com o cuidado que uma publicação desse gênero exige, são bem-vindas. Principalmente, num país como o Brasil, onde a poesia não tem espaço nas grandes editoras. Mas de uma certa forma, o que temos visto é um atentado contra a própria poesia, pois são edições de apelo estritamente mercadológico, principalmente estas antologias os melhores disso, os melhores daquilo, que não contribuem para nada e são elaboradas com uma visão estreitíssima. Geralmente é o que existe de conhecimento do organizador, sem uma pesquisa mais séria e profunda, que não contempla a multiplicidade da poesia contemporânea brasileira, que, certamente, como a música, é a mais rica do planeta.
Vários poetas estão lançando o seu trabalho em CD. Como encara a poesia falada? A poesia deve ser gritada?
Tenho um amigo, que toda vez que quer ouvir poesia, pede: "xinga aí um poema!". No livro Couro Cru & Carne Viva, o poema Pessoa, diz o seguinte: "não tenho pretensões de ser moderno/nem escrevo poesia pensando em ser eterno/veja bem na minha língua/as labaredas do inferno/e só use o meu poema com a força de quem xinga". Falar poesia para mim, foi a forma que encontrei para não trancafiar o poema na gaveta. Junto com o ato de escrever poesia, comecei a exercitar a fala. Não por uma mera questão de resgate da tradição da oralidade, não. Por simples gosto, mesmo. Gosto de ouvir e falar poesia, mesmo antes de ter me voltado para o teatro e o teatro que pratico é um teatro com poesia. Desenvolvi um método que é muito meu, lógico, exercitando os grandes mestres da dramaturgia universal, mas aprendendo muito também com o meu grande guru Amir Haddad e o seu Tá na Rua. Mas não gosto da poesia que é só oralidade e nada mais. O texto, antes de mais nada, deve falar por si, e a partir daí, ser exercitada a fala. A poesia não deve ser escrita com a intenção de ser falada, a fala é uma forma de transformar a palavra escrita em sonoridade. E o CD é uma mídia moderna, que - quando bem cuidado, em suas questões tecnológicas, que envolvem mixagem, masterização, prensagem, aliando a poesia a uma estrutura musical - pode muito bem contribuir para uma maior veiculação de poesia. Pois vai transformar o leitor também em ouvinte. Há algum tempo, carinhosamente, cuidei da produção do CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, que lancei em maio 2002, com os parceiros Reubes Pess, Luiz Ribeiro e Naiman, onde a gente alia poesia a ritmos como reggae, blues, rock, baladas e a massas sonoras que já estão sendo deglutidas por muita gente país afora.
Você também é dramaturgo. Como anda a dramaturgia brasileira? Depois de Plínio Marcos e Nelson Rodrigues, o que há?
"Não. Não bastaria/ a poesia de algum bonde/ que despenca lua nos meus cílios/num trapézio de pingentes/onde a Lapa carregada de pivetes/nos teus arcos/vai fazendo amor por entre os trilhos".
Verdadeiramente não sou dramaturgo. Sou poeta, ator. Isso sim. Minha incursão pelo teatro é uma forma muito particular, é um exercício de necessidade de palco, do corpo e da alma. O que desenvolvi em forma de texto para teatro, foi muito mais pelo fato de ter trabalhado durante um bom tempo, coordenando a Oficina de Artes Cênicas do CefetCampos-RJ. E quase tudo se trata de re-leituras de Brecht, Oswald, Pirandello, Ionesco, Ruy Guerra, Dias Gomes e Chico Buarque. Até o autos populares O Boi-Pintadinho e Jesus Cristo Cortador de Cana, de uma certa forma são re-leituras do folclore, tendo como pano de fundo realidades sociais geograficamente marcadas. Veja por exemplo, em Retalhos Imortais do SerAfim, faço uma re-criação para o teatro do livro Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade. Em Nem Froid Nem Sai de Cima, pinço lances de Pirandello e Sigmund Freud, aliando ainda os absurdos de Eugene Ionesco. Em Brecht Versus Suassuna, mixo O Auto da Compadecida de Ariano com fragmentos de Bertold Brecht. No atual texto que estou trabalhando SagaraNagens, pego influências de Guimarães Rosa, João Cabral e Drummond e transformo no meu Narciso, o diabo giramundo. Depois do Plínio e do Nelson, o que temos? Bem, tivemos um Dias Gomes, de O Pagador de Promessas e um Santo Inquérito, que muito engrandeceu a dramaturgia brasileira. Tivemos um Ruy e Chico, com Callabar, que é outra porrada. Por mais que eu admire o Nelson Rodrigues, não consigo me interessar muito pela sua temática, para mim muito pesada. O Plínio de Navalha na Carne, O Abajur Lilás, Dois Perdidos Numa Noite Suja, mesmo pegando por um viés que o Nelson também explorou, me encantou mais. O teatro hoje, de uma certa forma se nutre mais do grande espetáculo, palatável para o consumo de massa, do que propriamente da dramaturgia. Temos um excelente dramaturgo em São Paulo, Luis Alberto Abreu, que, acredito, seja a grande revelação dos anos 90. E aqui no Rio, tem o Dinho Valladares, atualmente em cartaz no Glaucio Gill, com O Admirável Ricadardo III, e que além de excelente diretor nos brindou com a comédia musical Quando A Libido Ataca, um texto de um humor genial.
Conte-nos sobre a sua visão de Teatro. Quando é que o teatro encontra a poesia?
Tenho uma visão de um teatro despojado de cenário e de outros aparatos que, muitas vezes, afasta mais o texto do seu contexto, e acaba tirando a possibilidade da poesia estar ali presente. Teatro para mim é o encontro da voz com o corpo do poema, a pele da palavra com a pele do ator, a voz do poema com o coração e ouvido da platéia. Longe, de uma idéia romântica, mas gosto de um teatro que possa se sustentar por ele mesmo, onde o ator necessite apenas do texto, da luz e do som da sua voz para garantir o espetáculo. Sei que isto não é para qualquer um, a maioria dos atores foge da poesia, preferem a fala comum, corriqueira, por possibilitar mais facilidade em sua comunicação. Há quem defenda que o poema não deveria ser falado, mas apenas lido, discordo. Não existe estrutura teatral mais intensa quando desenvolvida com poesia.
Para que serve a poesia, o teatro, arte?
Para humanizar, tanto para quem faz, quanto para quem consome. Não existe forma mais humana para se integrar a uma sociedade do que a arte. Para muitos a possibilidade da não loucura, a percepção, a lucidez, a cidadania, a identificação existencial e cultural. Em um extrato social onde não existe a possibilidade da arte, o caminho para a barbárie se torna muito mais previsível. Este é um tema que estamos sempre debatendo e nos indagando sobre ele. Em setembro último, sob a coordenação do Jiddu Saldanha, realizamos no Espaço Cultural da Constituição, dentro do projeto Poesia Na Quarta Capa, o evento I Farra PoÉtica Contra A Barbárie, de onde está surgindo um grande manifesto sócio-poético. Acredito na importância da arte tal qual o oxigênio que respiramos, a água que bebemos e o pão com que nos alimentamos cotidianamente.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Oferecer a esta sociedade uma outra compreensão da sua realidade, porque o escritor, como outro artista qualquer, tem a sensibilidade para fazer outras leituras do seu tempo, seu espaço geográfico e, ao mesmo tempo, captar em suas antenas o que está no ar, ainda não perceptível aos olhos massificados e desatentos das coisas profundas que, a esses olhos, são meras insignificâncias. Olha o exemplo do poeta Manoel de Barros. Transformou o pântano num mostruário sagrado de mais absoluta poesia.
Walter Benjamim erra quando hierarquiza a arte e coloca o cinema como a maior das artes?
Primeiro temos que olhar o cinema como uma arte que é uma junção de várias outras. Então, como ela pode ser maior? O cinema seria cinema sem os seus suportes? Literatura? Artes Plásticas? Música? Vamos extrair do cinema essa junção e ver o que é que sobra? O fato é que o cinema é uma arte industrializada e transformada em um produto para consumo em larga escala, e a proporção que essa indústria foi se modernizando e a sua tecnologia se aperfeiçoando, ele se tornou um produto maquiado de efeitos especiais, que é o que predomina na grande indústria cinematográfica hoje.
Tem algum mote?
"Retesar as cores e os músculos/com os dedos agarrados no pincel/se faltar carne pra roçar os óvulos/a gente jorra tinta no papel". Ou: "poesia/tesão teu nome/transforma ritual & gesto/não presto/porque te amo/te amo porque não presto".
Em que trabalha no momento?
Trabalho ainda na divulgação do CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, e na pré-produção do CD SagaraNagens Fulinaímicas. Até o final de novembro trabalho a produção do Projeto Sesc na Quarta Poesia Em Cena, que é um evento realizado pelo Sesc Rio de Janeiro na unidade de Campos. O projeto tem como característica, oferecer um Laboratório de Criação: Leitura e Interpretação de Poesia, e a cada última quarta, um show de poesia, homenageando um poeta brasileiro. O homenageado de novembro é o Ferreira Gullar. Neste 2002, nas edições anteriores, foram homenageados Drummond, João Cabral de Melo Neto, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Murilo Mendes. A homenagem é sempre feita em forma de poesia falada. Já se apresentaram no projeto Jiddu Saldanha, Helena Ortiz, Múcio Medeiros, Grupo Poesia Simplesmente, Tanussi Cardoso, Clarice Terra e Adriano Moura. Trabalho o desdobramento deste projeto para 2003. Preparo-me também para a fazer a apresentação da Kizomba PoÉtica, que acontecerá nos dias 6 e 20 de novembro no Espaço Cultural Constituição e para uma temporada de Recitais em Nova Roma-RS, no período de 26 a 30 de novembro. Ensaio também uma apresentação que farei no dia 5 de dezembro no Teatro Glaucio Gill, no Festival de Poesia organizado pelo grupo Poesia Simplesmente. Trabalho, ainda, no momento, a seleção de poemas para o livro RadioGrafia da Pele. São poemas escritos entre 1980 a 2000, portanto, com 20 anos de produção, extraídos dos livros Suor & Cio, Couro Cru & Carne Viva, CarNAvalha Gumes e 20 Poemas com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção Com Sabor de Campos. E para a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, na minha Campos dos Goytacazes, preparo para 2003 as edições do V FestCampos de Poesia Falada e do XIII Concurso Nacional de Contos José Cândido de Carvalho. Esse concurso faz parte de uma série de atividades que anualmente desenvolvemos em torno da obra de José Cândido, nosso conterrâneo imortal, não por per pertencido a ABL, mas por ter escrito esse livro genial que é O Coronel e o Lobisomem, personagem que se discute até hoje se seria a inspiração para Dias Gomes ter criado o seu Odorico Paraguassu, polêmica até hoje não decifrada. Mas isso é uma outra história.

(2002)

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