A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Antônio Moura

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- Antônio Moura -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Antônio Moura, nascido em Belém do Pará, 1963. Viveu dois anos em São Paulo, de 97 a 99. Ganha o pão de cada dia como redator publicitário. Tem 2 livros lançados: Dez, Gráfica&Editora Supercores, 1996, Belém, apresentação de Régis Bonvicino; Hong Kong & outros poemas, Ateliê Editorial, 1999, São Paulo, prefácio de Benedito Nunes. Possui poemas publicados nas Antologia Serta, Madri, Espanha; New American Writing, Estados Unidos da América; e Na Virada do Século - Poesia de Invenção no Brasil, Editora Landy, 2002, São Paulo. Tem atualmente um livro inédito, no prelo da Imã Edições, de Portugal, com lançamento previsto para início do próximo ano.

Sua poesia é ao mesmo tempo exuberante e concisa. Como concilia as duas coisas? A concisão é o paradigma da poesia atual?
A concisão é um atributo inato da poesia. Daquilo que realmente pode se chamar de poesia. Mas, não quero dizer com concisão a brevidade do poema, o poema necessariamente curto, não. Um poema pode ser longo e ser conciso, substantivo, sem ornamentos inúteis, adjetivações indutoras ou decorativas. Por isso, naturalmente, a concisão está presente na poesia que escrevo. Quanto ao que você chama de exuberância, acho que se deve a um fato extraliterário, que é minha origem Amazônica, um lugar caudaloso, de enormes rios, tendo como o maior de todos o rio Amazonas, uma floresta gigantesca, muito sol e muita chuva ao mesmo tempo. Some-se a isto um certo ensimesmamento, do homem que tem sua vida referenciada pelo rio, o rio físico que se transforma em rio metafísico, o rio de Heráclito, dependendo do homem que o vê.

E a conciliação dessa coisa todas, crê que se dá pelo fato de a linguagem e a experiência vivida serem inseparáveis na poesia que faço, embora na maioria dos poemas não sejam evidentes os traços biográficos.

Com quantas metáforas se faz um poema?
Com aquela, ou aquelas, que ele, o poema, necessita.

O que a publicidade tem de poético?
De uma maneira mais profunda, nada.

A publicidade é uma forma de comunicação que tem como objetivo final a persuasão do receptor, convencê-lo de algo. Visa algo totalmente exterior à linguagem. E está sujeita a aprovação ou desaprovação de alguém que está pagando por aquele serviço, e tudo isto não me parece ter nada em comum com a poesia. Publicidade não é arte, é um negócio, uma ferramenta de vendas.Costumo dizer que o publicitário é um camelô de luxo. Um negócio que para alcançar seu poder de persuasão, torna-se interdisciplinar reunindo vários códigos: visuais, textuais, sonoros. Mas todos esvaziados de suas substâncias originais, superficializados. Durante algum tempo, quando a poesia visual foi mais praticada, e a publicidade ganhava fôlego no Brasil, acho que houve um certo namoro entre a poesia e a publicidade, em termos de uso de tipologias,cor, etc. Mas isso não vai além do aspecto físico do poema, quer dizer, do seu layout.

Poesia é risco?
Poesia é uma forma de existência em diálogo com a existência cósmica.

De repente você depara, como num passe de mágica, em lugar totalmente desconhecido, que você nunca viu, ou pelo menos acha que nunca viu, neste lugar abre-se uma estrada que você não sabe ao certo aonde vai chegar, nem em quanto tempo você a percorrerá, e nem o que vai ncontrar quando lá chegar. Durante esta caminhada você encontrará com seres e coisas igualmente estranhas, que você vendo pela primeira vez, ou supostamente pela primeira vez, e vão desaparecendo ao longo da estrada, assim como você, um dia, também desaparece, com num passe de mágica, da mesmo modo como apareceu.Viver não é muito estranho? Não é um sonho cheio de perigos, não é uma aventura, um risco permanente?

A poesia é isso.

Como é participar da antologia Na virada do século - Poesia de invenção no Brasil?
É uma grande alegria. Pelas companhias e pelo fato de que aquilo que você buscou: a relação com a linguagem como um território que ainda precisa ser explorado, descoberto e redescoberto, desbravado, em suma, o gosto pela aventura poética, pelo riso de que falamos acima, surtiu algum resultado e foi percebido por certos olhos, bocas e ouvidos. Foi, de certa forma, reconhecido.

Por que escreve?
Escrever
Escrever para supraviver
por um momento, ou ser
inteiramente num instante
em que passado, presente
e futuro se fundem numa
chama única e transparente.
Escrever para ver num lago
branco o lado negro de Narciso,
luz e sombra velando-se e
revelando-se nas pontas do
sorriso, anjo-monstro, que,
nas águas aparece refletido.
Escrever, riscar a carvão na própria
lápide o brilho cego de diamentes.
Escrever, morrer e aspirar, eterna
mente, a poeira de uma estante

Para que serve a poesia?
Se considerarmos sua serventia do ponto de vista prático, imediato, utilitário, podemos dizer que a poesia não serve para nada. Poesia, graças a Deus, não tem mercado, está, praticamente, fora do mercado. E dou graças a isso, pelo fato de que, se estivesse dentro do mercado estaria sujeita a suas leis, a uma série de concessões das quais, dessa forma, ela está livre, É uma das últimas coisas livres no mundo, quem sabe a última. É a linguagem em liberdade, a liberdade da linguagem que liberta o homem. E do ponto de vista ontológico, a poesia é uma das mais belas descobertas do mundo. Do ser e do mundo, interior e exterior. Do vir a ser, do devir. É também um vislumbre, uma fresta para o maravilhoso. Do eterno jogo do efêmero com o eterno.

Como é o seu processo criativo? Quando escreve?
Não tenho um processo criativo definido. Às vezes há um tema, às vezes não há. Às vezes basta uma palavra juntar-se á outra para desencadear-se toda uma cadeia de imagens e reflexões, às vezes há a necessidade de surgimento de um poema que ainda não se sabe e fica ali, germinando, até que frutifique.

O que posso dizer é que não há uma definição de processo. Pois, apesar de tratar de uma artesania verbal, há também uma zona muito grande de mistério em torno desta artesania.

Tem algum mote?
aprended de los cónyuges quando hablan, y
de los solitários, quando callan.
(César Vellejo)

Qual o papel do escritor na sociedade?
Escrever.
A urina perde-se no mar, esquecida.
O mar e o céu, o mar e o seu
eterno rancor contra a carne
sem escudos
¾ crivada de setas ¾
a cada vento movendo a data
moendo as noites, as sete chagas
do calendário seteno
de mais uma semana a ir
manar-se à morte
ante o mar
o sempre insone
que agora invocas
para ter como resposta
o monstruoso rosnado
(multilhões de aqua-
leões verdejubados)
e aí calar
(onda ao peito) só
suspeitando se
algo ou al
guém ¾ quem?
o forja
Do livro Dez.
Álbum
Vai-se, esvai-se o clã
o pai
a mãe
a irmão
a irmã
Vão-se
os gatos
Vão-se
os cães
Volta?
Enquanto
o dia e a noite
dialogam loucos
quedando os torsos
à tuia porta
Do livro Hong Kong & outros poemas

(2002)

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