A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Antonio Mariano

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- Antonio Mariano -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Antonio Mariano, 34, falou ao Balacobaco. Na entrevista reclamou da falta de tempo para se dedicar a literatura, mostrou sua paixão pela poesia do Drummond e revelou-se antenado com o mundo poético de final de milênio. Ele é paraibano, um dos poucos lugares aonde a poesia e veiculada (em jornal) no "O Correio das Artes" - o mais antigo do Brasil. É o autor de gozo insólito, de 1991. "Uma seleção de 40poemas escritos entre 1984 e 1990. É um livro metalingüístico a partir do nome e muito sensual, também, a ponto de o crítico Hildeberto Barbosa Filho escrever um ensaio com o título de "Uma poesia da fisicalidade"(...} "Te odeio com doçura" é de 1995, com poemas escritos ou reescritos entre 1991 e 1994. Temático e menos pretensioso, esse me satisfaz mais e só cortaria de 10 a 15 por cento..." Que rigor! Confira Antonio Mariano!

Você reside num estado onde a poesia é ainda veiculada nos jornais. O que é que a Paraíba tem?
Você quer dizer num Jornal, o suplemento literário de A União (do governo estadual) Correio das Artes. Foi fundado em 1949 e é, segundo a editoria, o mais antigo em circulação no país. Já tivemos outros suplementos de relevância como a revistas Presença Literária e Usina, também bancadas pelo poder público. E revistas financiadas por iniciativa privada, como Garatuja, Ler e Ranhura. Hoje, só temos o Correio das Artes, que vez outra pára de circular, sacrificado de acordo com as prioridades de os governantes de plantão estabelecem. A Paraíba tem uma vasta cultura que é extensão de toda uma produção regional, presente nos outros estados e com diferenças singulares. É representada por grandes nomes nas artes desde o século passado, pelo menos, como Pedro Américo, José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Augusto dos Anjos, Ariano Suassuna, Elba , José e Luiz Ramalho, Chico César e tantos outros.
Alguns grandes poetas têm teorias sobre a poesia que fazem. É o caso do Manoel de Barros e João Cabral de Melo Neto. Você encontrou a sua dicção?
Não posso dizer que a encontrei mas estou no rastro dela. Acho que nos dois livros que publiquei, ela pelo menos está, não definida mas ensaiada na temática e no tratamento à palavra. A eroticidade, a metalinguagem, a intertextualidade, o social, sob uma visão lírica. Se não fosse a questão de falta de tempo, o que muito me angustia, tolhendo meus projetos, eu já poderia ter ido mais longe. Continuo lutando por esse tempo e sei mais ou menos que caminho trilhar.
Até que ponto você admite ter influência de algum poeta "forte"? Qual ou quais fazem a sua cabeça?
Não posso negar, sob nenhuma hipótese, as influências que tenho recebido nesses dezoito anos de convivência com a palavra. Poetas como Drummond, Bandeira, Cassiano Ricardo, Pessoa, Lorca, Neruda me ensinam sempre quando tenho dúvidas.
Viver de literatura é um sonho impossível ou é só impossível? Qual a importância da grana que constrói e acaba com coisas belas?
Sobreviver graças a uma atividade que realiza e dar prazer é o sonho de qualquer ser humano. E não podemos prescindir, infelizmente, nesse modelo de sociedade, do vil metal. No Brasil, pelo menos, nunca foi possível viver de poesia. Uma meia dúzia vive de outros gêneros, como o romance ou a literatura infantil. Com a crise de identidade de fins de milênio, outros tantos começam viver do que chamam de cultura esotérica, auto-ajuda. Mas isso já não é propriamente literatura.
A metalinguagem é uma característica da poesia moderna. Falar do poema e da poesia não é se tornar um "avestruz" e deixar a realidade brasileira apenas nos programas de tv. Qual é o engajamento da poesia atual? Ou isso é passado?
Como disse o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, em entrevista a nós, do social devem-se encarregar os governantes. Como seres antenados, obviamente, o problema não escapa aos poetas, indivíduos, queira-se ou não, políticos. Mas é ilusão achar que poderemos salvar o mundo tratando desses assuntos. Particularmente, não sou insensível aos males de meu povo, não faço a poesia pela poesia. Acho que o homem pode ser mais humano convivendo com o objeto sensível da arte. Porém não existe uma fórmula mágica, afora a essência própria da matéria. Vejo muitos poetas contemporâneos mantendo o mesmo engajamento exercitado nos anos áureos da década de 60 e 70, apesar de que agora a tendência seja mais a pesquisa formal, como a vemos em Frederico Barbosa.
Quando entrevistei o poeta José Paulo Paes, ele disse que poesia é talento. Me corrigiu quando perguntei "Em que está trabalhando?" Sábado, 9 de janeiro, abro o jornal e o aniversariante, João Cabral de Melo Neto, afirmava em manchete que poesia é trabalho. A poesia se tornou um saco de gatos sem definição própria?
E deve haver definição própria para a poesia? Se isso fosse verdade, não seria mais poesia mas uma ciência exata. Mesmo neste caso as definições são superadas. Conhecendo, entretanto, José Paulo Paes e João Cabral, creio que seus pontos de vista não são conflitantes. Ao contrário, um contempla o outro. O talento de que fala Paes é a tendência natural que temos para determinada coisa. O trabalho a que se refere Cabral é a atitude elogiável de desmistificar a poesia como dádiva dos deuses, só possível a iluminados. A maior parte das grandes obras nasce de uma atividade constante e exaustiva. José Paulo Paes, com certeza, não se furtava a isso. Quanto à cobrança de definição própria acima, em todas as épocas, cada poeta ou grupo ou tendência estética tem seu próprio referencial e produz de acordo ou em desacordo com ele.
Você participa do Fórum. O que é mais agradável e desagradável na convivência com poetas da internet?
Tem sido muito gratificante o contato com meus pares através dessa nova e eficiente forma de comunicação. Tem servido para trocar experiência e travar novas amizades com outros poetas mundo afora. Quanto ao Fórum, pelo que acompanho, tem sido uma experiência estanque, uma confraria de vaidades. Tenho participado até agora de forma passiva e não tem me acrescentado muita coisa, exceto o fato agradável de ver pessoas interagindo e declarando (alguns) o seu amor a palavra. Às vezes me canso e saio. Depois volto para ver como está. Vejo muito pouca gente disposta a crescer e cheia de verdades equivocadas, querendo ser formadora de opinião. Uma das (eu disse uma das. Tem outras, portanto) exceções é o poeta amazonense Aníbal Beça, que está ali de pura generosidade e nem precisava estar. Tem muito a ensinar tanto em visão de mundo como em visão da realidade poética. Parece que poucos enxergam isso.
Você tem belos poemas em home page. A preocupação com a linguagem, ritmo é uma constante. Não há palavras em demasia. Você é um poeta à moda cabralina ou é uma visão superficial minha?
Não sigo João Cabral à risca mas sou muito consoante com seus referenciais poéticos. Quanto aos elogios, bondade sua, Rodrigo. Tenho uma poética em construção, conheço meus limites. Um trabalho, no entanto, está construído, e gostaria que outros internautas conferissem na minha página: http://www.cnet.com.br/trema . Por ser a minha poesia não acabada, tenho uma longa estrada e muitas arestas ainda para aparar. E só a convivência com a palavra e com outros poetas generosos vai possibilitar isso.
Como escrever um poema LL, Longo e light? Conhece algum poeta LL? Cita um?
Esse light, para mim, seria aquele poema que não cansasse nem tivesse excessos. Um bom exemplo, sem dúvida, é Mundo Grande, de Carlos Drummond de Andrade. É apaixonante, arrebatador principalmente pela dimensão humana que reverencia. Sei-o de cor.
Qual o poema que mais o personifica? Num vale Leitmotiv (tô brincando}?
Essa é uma pergunta que seria respondida mais facilmente por alguém de fora, pelo viés da conjectura. Dos meus poemas, gosto daqueles que falam de coisas em que acredito, que se mantém atuais e tem bom acabamento técnico, como Leitmotiv, Motivo, Da eternidade, Metafórico, Barcarola...
O que a Paraíba empresta à sua poesia?
Não seria ingrato com minha terra, apesar de seus mandantes ajudarem muito pouco. A Paraíba me alimenta com sua tradição poética vinda de criadores como Augusto dos Anjos, Jomar Morais Souto, Sérgio de Castro Pinto e Lenilde Freitas. A matéria é o povo com os sonhos e misteres que carrega.
Fale um pouco de seus dois livros? Há uma evolução clara? Conte-nos!
O primeiro publicado é O gozo insólito, de 1991. Uma seleção de 40 poemas escritos entre 1984 e 1990. É um livro metalingüístico a partir do nome e muito sensual, também, a ponto de o crítico Hildeberto Barbosa Filho escrever um ensaio com o título de "Uma poesia da fisicalidade".Continuo gostando muito dele. Se tivesse maturidade à época para cortar 30 por cento dos poemas que não tinham bom acabamento, seria ótimo livro. "Te odeio com doçura" é de 1995, com poemas escritos ou reescritos entre 1991 e 1994. Temático e menos pretensioso, esse me satisfaz mais e só cortaria de 10 a 15 por cento. Não sei avaliar se há uma evolução clara de um para outro, mas que existe, é lógico. Com o tempo, acrescentamos novas leituras ao nosso repertório e, conseqüentemente, nosso mundo poético se processa com melhor desenvoltura.
A revista Poesia Sempre escolheu os 20 poetas mais importantes da literatura brasileira atual. Faltou alguém? Tem cheiro de panelinha? O que pensa sobre?
Não gosto dessa forma elitista de se marginalizar quem já está à margem por natureza. É muito limitado e não contribui muito. Pelo contrário, comete-se muitas injustiças. Esses notáveis que fazem listas de melhores disso e daquilo podiam ser bem aproveitados em outros assuntos como a melhoria da educação ou democratização da cultura, por exemplo.
Você tem uma epígrafe ou um mote que o acompanhe?
"O poeta é aquele/ que tem o nada/ e sabe/ que ser poeta/ é não ser". Está em O gozo insólito.
Qual o papel do escritor na sociedade?
O de agente produtor de cultura, do pensamento. Agente que constata, contesta, denuncia. Que se propõe a rejeitar verdades, fórmulas estabelecidas. Que educa ou deseduca dos maus hábitos, nessa aprendizagem do desaprender, para citar Fernando Pessoa.

(2002)

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