A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Ângelo Rodrigues

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- Ângelo Rodrigues -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Ângelo Rodrigues nasceu em Torres Novas em 1964. Gosta de deusas atrevidas, da Noite, do Mar, da espécie-Mulher, de boa música e de alguma poesia. É, como alguém já escreveu, "um ser intelectualmente irrequieto e insatisfeito" que procura despertar as consciências adormecidas pela rotina das ideias feitas, das convenções, dos sistemas. O seu horizonte imediato é a Alma humana. Coloca de novo a velha e primordial questão universal: O que fazemos aqui? - Para onde vamos? - O que nos espera?

É Licenciado e profissionalizado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e professor de Filosofia e de Psicologia no Ensino Secundário. É, contudo, um ser antiacadémico. Passou pelo Conservatório de Música, pelo ensino de Educação Musical e pelo curso de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa.

Tem a carteira de Jornalista e exerceu irregularmente a actividade na Imprensa Regional e na Rádio. Foi fundador e vice-presidente da AJEP-Associação de Jovens Escritores de Portugal (de que muito se arrepende); foi director literário das Edições Orpheu; é director do DNA da Editorial Minerva. Editou livros e CD's (de poesia e de música) e coordenou várias antologias de poesia e prosa. Prefaciou e comentou alguns autores de língua portuguesa. Fundou e apresenta, em Lisboa, a Tertúlia Orpheu. Tem três livros publicados e uma colecção de postais, respectivamente: "Eu, o Ser e a Dúvida", "Compra-me Um Deus", "Da Ressurreição do Espanto" (www.terravista.pt/portosanto/3932) e "Fragmentos do Tempo Parado". É um dos autores da colectânea "Bosque Flutuante" - Nova Poesia Portuguesa (12 autores). Fundou os Jograis Orpheu e produziu o CD de poesia "Assim Se Diz" gravado ao vivo no Padrão dos Descobrimentos, Lisboa, em Junho de 1999. Tem em fase de produção o CD de poesia "Aventuras Poemáticas".

Participou em muitos saraus, colóquios, congressos, performances e eventos culturais e afins como apresentador, animador-cultural, autor-declamador, conferencista, músico-compositor e actor. No âmbito das artes plásticas, (colagem, desenho e fotografia), Marketing-cultural e criativo de Publicidade, utiliza o pseudónimo Miguel D'Hera. Idealizou e organizou também, alguns espectáculos multimédia.

Como radialista, realizou e apresentou entre outros, os seguintes programas de temática literária: "Poetas da Noite", "As Palavras do Poema" e "O Espelho das Palavras". Na Rádio Renascença realizou e apresentou o programa "Tempo de Poesia". Mais recentemente, apresentou na Rádio Voz de Almada, o programa "Espírito da Manhã".

E num dia efémero de hábitos estúpidos e terrivelmente convergentes (como no caso do trabalho), escreveu Miguel D'Hera no seu diário-não-autorizado: Ângelo Rodrigues é um eclético, um ecuménico, um-criador-de-absoluta-insatisfação; é também um humanista do desejo e da ousadia, um provocador de impossíveis, um moscardo farpizante de conservadorismos e de estabilidadezinhas, um arauto da diferença, um místico do devir. Pode ser lido no campo ou na cidade, na rua ou na casa de banho; aconselha-se a sua leitura às sextas e sábados, de preferência ao deitar.


O escritor deve ser intelectualmente irrequieto e insatisfeito?
Absolutamente... o escritor e todo o artista. Ser-se irrequieto e insatisfeito é o princípio da diferença, da ousadia e da inovação. A insatisfação é o motor da Arte e da Literatura.
Em parte célebre de o Em Busca do Tempo Perdido, de Proust, ele come um biscoito e o passado de menino vem à tona para o personagem Marcel. O homem é fruto do menino que foi. Qual a ligação do poeta com o menino que todos fomos? Como foram as suas primeiras sensações com a escrita?
Infelizmente, a minha infância foi bastante problemática e polémica. As vivências e experiências da infância marcam as pessoas para o bem e para o mal. Em termos psicossociais, diria: olhando para trás - na medida do possível - penso agora que, pela infância "tramada" que tive, deveria hoje ser outra pessoa provavelmente desligada do mundo da Cultura e da Literatura.
Apesar de graduado você é um ser antiacadêmico. Qual a razão desta insatisfação?
Quando escrevi essa afirmação, quis dizer que a diferença, a inovação, a ousadia e a flexibilidade, características essenciais da Literatura e da Arte em geral, só acontecem - na maior parte dos casos - quando há um subtil afastamento da ortodoxia académica; isto é, o mundo académico, com todas as relações, regras, preceitos, etc. que lhe são peculiares, é por vezes um obstáculo; veja-se: a grande maioria dos bons escritores, poetas e artistas, não tem qualquer vínculo ou relação com o mundo dito académico.
Por que se arrepende de ter sido vice-presidente da AJEP-Associação de Jovens Escritores de Portugal?
As associações em Portugal são, de uma maneira geral, tudo menos associações; isto é, há sempre dois ou três indivíduos que acham que estão acima de tudo e de todos e servem-se das associações para protagonismos patéticos esquecendo-se dos objectivos da própria associação. Cheguei a fazer parte de várias associações porque achava que era uma forma interessante e honesta de atingir objectivos literário-culturais baseado na célebre ideia de que "a união faz a força"; cedo cheguei à conclusão que não é bem assim; Olhando semi-nostálgico-revoltado para trás, acho patético ter havido uma associação de jovens escritores; afinal, terão algum sentido as palavras jovem-escritor(!?). Apesar de tudo, a razão mais forte do meu arrependimento, prende-se com o facto de o dito presidente dessa associação, um tipo arrogante e sem escrúpulos, dinheiros públicos que eram cedidos à AJEP por parte do Estado português (Secretaria de Estado da Juventude).
E agora? Como é ser diretor da Editorial Minerva? O que há de seu no trabalho com o lançamento de coletâneas e livros? Quais os escritores lançou no mercado?
Ser editor é uma "atitude" de grande risco, de coragem, de ousadia, de resistência e de pura carolice e paixão. Ser director do DNA-Departamento de Novos Autores da Ed. Minerva é, sobretudo, ser doido.

Fazer livros singulares, colectâneas, antologias e discos é algo que me agrada e me apaixona. Qualquer trabalho é sempre um trabalho de equipa embora a parte criativa seja praticamente - na totalidade - da minha responsabilidade. Há, contudo, aspectos dos quais não me orgulho nada na medida em que estou, muitas vezes, bastante limitado em termos de tempo, de funcionários, de tecnologia, de orçamentos, etc.. Nunca faço aquilo que quero mas sim aquilo que as circunstâncias me permitem. Se tivesse as condições desejadas, alguns autores que editei não teria editado e muitos outros já seriam do conhecimento público. Também o aspecto gráfico e a apresentação das obras, em todos os aspectos, seria diferente.
Você realizou saraus literários. Fez programas de TV sobre poesia. Você acredita na popularização da poesia? A poesia de hoje não é feita para poetas?
Tudo o que me pergunta é pertinente e verdadeiro excepto o ter realizado programas de televisão. Por acaso, tenho alguns programas de televisão idealizados e escritos mas, como sabe, o que vende em televisão é o LIXO...

Infelizmente, parece que os poetas - hoje em dia - escrevem apenas para outro poetas. Há uma frase muito curiosa de um poeta português chamado Paulo da Costa Domingues: "Os poetas são uma espécie de seita secreta".
O que faz você escrever. José Paulo Paes dizia que escrever é um dom. João Cabral dizia que era trabalho. Escrever é um trabalho ou uma inspiração?
Concordo com José Paulo Paes e com João Cabral e digo: para escrever bem, é necessário, em simultâneo, trabalho (persistência, vontade, humildade) e dom. A Inspiração só acontece aquando do Amor e da Paixão. Escrever bem é algo extremamente difícil.
Recentemente em O GLOBO, o poeta Eugénio de Castro disse que a poesia brasileira não tinha/teve importância para ele. Tal fato passou despercebido. Qual a importância da poesia brasileira em Portugal? Nenhuma? Não foi uma desfeita muito grande a um jornal que lhe deu duas páginas: matéria e entrevista? Desfeita também com a literatura brasileira?
Sinceramente, não aprecio muito o Eugénio de Castro; a atitude dele parece-me um pouco arrogante. Para mim, não há poesia portuguesa, brasileira, angolana ou outra; há simplesmente poesia.
Todo mundo diz que no Brasil o povo não lê. O povo não lê em Portugal. O povo não lê em lugar nenhum. Como resolver este problema?
Receita: reduzir o LIXO televisivo. Entusiasmar os professores e outros agentes de formação das mentalidades e aplicar o "dito" de Sebastião da Gama: "Só posso entusiasmar se estiver entusiasmado". Por outro lado, colocar urgentemente nas Rádios, em alguns jornais e nas Televisões, verdadeiros homens de cultura e começar, por essa via, a educar e a formar verdadeiramente.
Como a internet pode ajudar ou atrapalhar a vida do leitor, do livreiro e do autor? Como pode ajudar?
Ainda há muita confusão sobre e a propósito da Internet. Pessoalmente, gostaria imenso de dominar esta nova tecnologia. Creio que é irreversível. A Internet veio revolucionar a nossa actividade, o nosso comportamento e forma de comunicar; só atrapalhará aqueles que não estiverem abertos e predispostos à mudança.
Tem algum mote que o acompanhe?
"Ó subalimentados do sonho, a Poesia é para comer!" - Natália Correia. Para mim é um mote.
O que faz nas horas de lazer?
Durmo & Sonho.
O que há no Brasil que fascina os portugueses e como podemos estreitar ainda mais os laços umbilicais que unem estes dois povos? O que o Brasil precisa e que há em Portugal? E Portugal precisa de alguma característica brasileira?
Como gostaria de ir ao Brasil! Estou a tratar disso. O Brasil tem mulheres bonitas, muito sol, exotismo, alegria, irreverência, sorrisos, novelas, Samba, Bossa-Nova, Carnaval...

Portugal tem mulheres bonitas, muito sol, simpatia, Fado, Fátima, misticismo...

Lamento que um dos pratos da "balança do intercâmbio" pese mais para o lado brasileiro pois como sabe, os artistas e os escritores portugueses são muito pouco ou nada conhecidos no Brasil. Talvez seja um problema político.
Recentemente o escritor Fernando Monteiro teve seu primeiro romance lançado em Portugal. Os editores portugueses estão olhando além da mesmice? Arriscam mais em Portugal?
Lamento não conhecer a obra de Fernando Monteiro. Já não tem sentido, na era da globalização, pensar-se só e apenas em termos de país. Ainda bem que alguns editores portugueses editam autores brasileiros menos conhecidos. Era bom que o contrário também acontecesse com mais frequência.
Qual o papel do homem de literatura para a sociedade?
Nenhuma sociedade o será efectivamente sem artistas e sem escritores. Não é por acaso que o dia nacional de muitos países é, geralmente, o dia de nascimento de um poeta ou de um escritor. "A literatura é a expressão da sociedade assim como a palavra é a expressão do homem" disse Louis de Bonald.
Como está Portugal por estes dias? Parece que o time de futebol de vocês engrenou. Parabéns? Torcemos muito aqui!!!!!!
Nunca sofri tanto! O jogo França-Portugal devia ser anulado. Aquele penalty foi simplesmente uma injustiça.

(2002)

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