Ela não existe em mim: eu a construo em cada um de meus poemas.Com quantas metáforas se faz um poema?
A Poesia Concreta (com maiúsculas, por favor) é a maior Invenção (no sentido de "criação de um processo", como queria Ezra Pound) da poesia brasileira e uma das maiores invenções da poesia mundial. Eu a busco sempre que produzo meus poemas. É um lance 100% intencional. Ela está em minha poesia como resultado de elaboração intelectual.
Preferencialmente com nenhuma. Nenhuma, se possível.Em que o fato de ser crítico o ajuda na construção de uma poética inventiva?
Em tudo. O crítico é um lado meu racional. A poesia é outro lado meu racional. A crítica ajuda na montagem da poesia tanto quanto a poesia ajuda na montagem da crítica. Eu penso nas teorias todas quando escrevo poesia. E penso as poesias todas quando escrevo crítica. Minha poesia é crítica.Concorda com o poeta Roberto Piva quando diz que os poetas têm que ser mais bruxas?
Minha crítica é poética. Aprendi isto com Augusto de Campos, nosso maior poeta contemporâneo, um dos cinco maiores da poesia brasileira de todos os tempos e um dos mais precisos e rigorosos críticos de literatura e de artes, além de grande tradutor.
Ele disse isto? Eu não sabia. O que ele quer dizer com "ser mais bruxas" é o afastar-se da razão crítico-poética e deixar o inconsciente agir? Esta não é a minha.O que é uma poesia que dialoga? O que é para você uma poesia que dialoga com a modernidade ou a pós-modernidade?
Toda grande poesia dialoga com a tradição para incorporá-la, rompê-la e instaurar a contemporaneidade. Não dá pra ficar repetindo fórmulas consagradas, ou não, pela tradição. Por melhores que sejam. Toda tradição se oferece para ser conhecida, vivenciada e superada.Há um lado de Amador Ribeiro voltado à escrita automática. O que há de melhor no surrealismo?
Uma poesia que dialoga com a modernidade é aquela que assume, por exemplo, a metalinguagem moderna e dá a volta por cima instituindo outra metalinguagem - a metalinguagem contemporânea. A poesia que dialoga com a pós-modernidade é aquela que assume a falência das utopias, centrando-se na construção intrínseca das linguagens artísticas. Nestes tempos de fim das narrativas históricas é impossível (ou ingênuo) pensar esperanças.
Não há este Amador Ribeiro Neto de "escrita automática" de jeito nenhum.Como disse Frederico Barbosa, Drummond é dono de uma obra vasta. Qual Drummond você elege como seu preferido?
Abomino o Surrealismo e sua escrita automática. . Se alguém vê algo surreal no que escrevo é porque não me lê: projeta visões a priori sobre minha poesia. Eu recuso a leitura de meus poemas como expressão de uma "escrita automática", mesmo que parcialmente. Rebato com toda veemência. Esta atitude ou é fruto da incompetênciado leitor ou da maledicência dele. Surrealismo? Tô fora!
Não existe linguagem carregada de significado que não seja produto de uma consciência de linguagem muito nítida. Poesia é elaboração, é planejamento.
Surrealismo é estética nota zero. O Surrealismo foi o grande engodo das vanguardas artísticas.
Concordo plenamente com o Frederico Barbosa, ele próprio um fino e afiado crítico literário, além se ser o mais significativo poeta surgido nos anos 90.Como encara o fato de que, como nos alerta Harold Bloom, todo o poeta forte descende de outro poeta forte? É angustiado por alguma influência?
O Drummond de Alguma Poesia é magistral. Um poeta que estréia com um livro destes jamais poderia resvalar para a verborragia sentimentalóide que o acometeu ao final da vida. Uma pena. No entanto, este pior Drummond é que influencia tanta gente ruim, como Adélia Prado, e outros - que me eximo de citar pra não ficar chutando cachorro natimorto. Além de Alguma Poesia, gosto muito de Brejo das Almas, Sentimento do Mundo, José, A Rosa do Povo, Claro Enigma, A Vida passada a Limpo e Lição de Coisas. Este Drummond de 30 a 62 é de tirar o chapéu.
Como uma coisa profundamente natural. Você não pode criar ignorando a tradição poética existente e os avanços que ela já conquistou. Eu reconheço o peso absoluto que Augusto de Campos tem sobre minha poesia. Isto me é motivo de muita alegria - não de angústia. Faço uma poesia que vem do Augusto e se distancia dele para poder ter uma marca própria. Enfim, para poder ser minha poesia.Qual a contradição que existe entre rigor formal e verso longo?
Rigor formal não significa necessariamente verso curto.Os Cantos de Pound têm versos e poemas longos - e são rigorosíssimos na forma.O mesmo pode-se dizer de boa parte do Fernando Pessoa. Todo o Homero é longuíssimo: alguém duvida de seu rigor formal? Rigor formal é condensação de idéias. E isto independe do tamanho físico do texto.Você mora na Paraíba. O que a Paraíba tem de poético que Sampa não tem? Por que largou de ser crítico literário para ser professor universitário? O erário ou o Horário ou a cacofonia?
Moro em João Pessoa há 11 anos. Não é a geografia que me estimula a produção poética. A poesia que construo aqui fala da rua Augusta, da avenida Paulista, dos bairros da Zona Leste - todos lugares de São Paulo. Mas minha poesia fala também das ladeiras e da lagoa do centro histórico de João Pessoa. Há poesia na megametrópole paulistana e na provinciana pessoense.Concorda com as teorias de Massaud Moisés sobre literatura? Conceitos como polifonia são pertinentes ao poema?
Diferente é a linguagem de que me valho na feitura do poema - não as cidades às quais me refiro. As cidades são elementos extraliterários. Busco a linguagem poética das intersemioticidades. Assim, fica valendo da mesma maneira a pinguela e o metrô, o cordel e o e-livro, a tapioca e o big mac. Sem grilos. Vale o "ô meu!" e o "uai, sô" - aliás uma das marcas da minha poesia.
Continuo exercendo a crítica literária ao lado do exercício (diário e gozoso) do magistério e das pesquisas acadêmicas nas áreas de literatura e música popular. No mais, vivo com o erário, o horário, as cacofonias e, acima de tudo, com a contribuição milionária de todos os erros e erres.
O Massaud Moisés tem alguma teoria sobre literatura? Nos livros dele encontro apenas diluição de genéricos conceitos literários. Nunca há ao menos uma formulação precisa. Menos ainda uma elaboração teórica pessoal.Quem é o escritor brasileiro?
Delete os livros do Massaud Moisés se você quer saber de teoria da literatura ou de literatura propriamente dita.
Polifonia, tal como a entende Bakhtin - o grande semioticista russo - a partir das concepções dos formalistas russos, claro que é pertinente ao poema. A multiplicação de vozes é um dos recursos imanentes à linguagem da ambigüidade poética. Em tempo, eu te pergunto: por que 2 assuntos tão díspares estão na mesma pergunta? Sintomas de confusão massaudiana? (Em tempo 2: não se preocupe. Se v. quiser, isto tem cura!).
O escritor? Assim com artigo definido no singular? Sem titubear: Machado de Assis, é claro.Tem algum mote?
Construir o silêncio.Qual o papel do escritor na sociedade?
Produção de linguagens artístico-semióticas. O resto é balela.
(2002)