A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Amador Ribeiro Neto

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

- Amador Ribeiro Neto -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Amador Ribeiro Neto nasceu no oeste do estado de São Paulo.
Seu pai não gostou desta história de ter filho nascido no oeste.
Atravessou, de ônibus, o estado, com o recém-nascido.
Isto foi em junho de 1953.
Registrou o filho no nordeste do estado, em Caconde.
Amador cresceu.
Cansou da cidade.
Mudou-se pra capital.
Cansou de novo.
Mudou-se para outro nordeste: o nordeste do país.
Hoje mora em João Pessoa.
Entre poesia, ensaios e contos, acumula 8 livros.
Todos inéditos.
Todos repousando docemente no hd de seu computador.
Amador é anarquista.
Também é doutor em semiótica pela PUC-SP.
E mestre em teoria da literatura e literatura comparada pela USP.
Crítico literário.
Pesquisador científico.
Professor de literatura nos cursos de graduação de pós-graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba.


Por que a poesia concreta existe em Amador Ribeiro Neto?
Ela não existe em mim: eu a construo em cada um de meus poemas.

A Poesia Concreta (com maiúsculas, por favor) é a maior Invenção (no sentido de "criação de um processo", como queria Ezra Pound) da poesia brasileira e uma das maiores invenções da poesia mundial. Eu a busco sempre que produzo meus poemas. É um lance 100% intencional. Ela está em minha poesia como resultado de elaboração intelectual.
Com quantas metáforas se faz um poema?
Preferencialmente com nenhuma. Nenhuma, se possível.
Em que o fato de ser crítico o ajuda na construção de uma poética inventiva?
Em tudo. O crítico é um lado meu racional. A poesia é outro lado meu racional. A crítica ajuda na montagem da poesia tanto quanto a poesia ajuda na montagem da crítica. Eu penso nas teorias todas quando escrevo poesia. E penso as poesias todas quando escrevo crítica. Minha poesia é crítica.

Minha crítica é poética. Aprendi isto com Augusto de Campos, nosso maior poeta contemporâneo, um dos cinco maiores da poesia brasileira de todos os tempos e um dos mais precisos e rigorosos críticos de literatura e de artes, além de grande tradutor.
Concorda com o poeta Roberto Piva quando diz que os poetas têm que ser mais bruxas?
Ele disse isto? Eu não sabia. O que ele quer dizer com "ser mais bruxas" é o afastar-se da razão crítico-poética e deixar o inconsciente agir? Esta não é a minha.
O que é uma poesia que dialoga? O que é para você uma poesia que dialoga com a modernidade ou a pós-modernidade?
Toda grande poesia dialoga com a tradição para incorporá-la, rompê-la e instaurar a contemporaneidade. Não dá pra ficar repetindo fórmulas consagradas, ou não, pela tradição. Por melhores que sejam. Toda tradição se oferece para ser conhecida, vivenciada e superada.

Uma poesia que dialoga com a modernidade é aquela que assume, por exemplo, a metalinguagem moderna e dá a volta por cima instituindo outra metalinguagem - a metalinguagem contemporânea. A poesia que dialoga com a pós-modernidade é aquela que assume a falência das utopias, centrando-se na construção intrínseca das linguagens artísticas. Nestes tempos de fim das narrativas históricas é impossível (ou ingênuo) pensar esperanças.
Há um lado de Amador Ribeiro voltado à escrita automática. O que há de melhor no surrealismo?
Não há este Amador Ribeiro Neto de "escrita automática" de jeito nenhum.

Abomino o Surrealismo e sua escrita automática. . Se alguém vê algo surreal no que escrevo é porque não me lê: projeta visões a priori sobre minha poesia. Eu recuso a leitura de meus poemas como expressão de uma "escrita automática", mesmo que parcialmente. Rebato com toda veemência. Esta atitude ou é fruto da incompetênciado leitor ou da maledicência dele. Surrealismo? Tô fora!

Não existe linguagem carregada de significado que não seja produto de uma consciência de linguagem muito nítida. Poesia é elaboração, é planejamento.

Surrealismo é estética nota zero. O Surrealismo foi o grande engodo das vanguardas artísticas.
Como disse Frederico Barbosa, Drummond é dono de uma obra vasta. Qual Drummond você elege como seu preferido?
Concordo plenamente com o Frederico Barbosa, ele próprio um fino e afiado crítico literário, além se ser o mais significativo poeta surgido nos anos 90.

O Drummond de Alguma Poesia é magistral. Um poeta que estréia com um livro destes jamais poderia resvalar para a verborragia sentimentalóide que o acometeu ao final da vida. Uma pena. No entanto, este pior Drummond é que influencia tanta gente ruim, como Adélia Prado, e outros - que me eximo de citar pra não ficar chutando cachorro natimorto. Além de Alguma Poesia, gosto muito de Brejo das Almas, Sentimento do Mundo, José, A Rosa do Povo, Claro Enigma, A Vida passada a Limpo e Lição de Coisas. Este Drummond de 30 a 62 é de tirar o chapéu.
Como encara o fato de que, como nos alerta Harold Bloom, todo o poeta forte descende de outro poeta forte? É angustiado por alguma influência?
Como uma coisa profundamente natural. Você não pode criar ignorando a tradição poética existente e os avanços que ela já conquistou. Eu reconheço o peso absoluto que Augusto de Campos tem sobre minha poesia. Isto me é motivo de muita alegria - não de angústia. Faço uma poesia que vem do Augusto e se distancia dele para poder ter uma marca própria. Enfim, para poder ser minha poesia.
Qual a contradição que existe entre rigor formal e verso longo?
Rigor formal não significa necessariamente verso curto.Os Cantos de Pound têm versos e poemas longos - e são rigorosíssimos na forma.O mesmo pode-se dizer de boa parte do Fernando Pessoa. Todo o Homero é longuíssimo: alguém duvida de seu rigor formal? Rigor formal é condensação de idéias. E isto independe do tamanho físico do texto.
Você mora na Paraíba. O que a Paraíba tem de poético que Sampa não tem? Por que largou de ser crítico literário para ser professor universitário? O erário ou o Horário ou a cacofonia?
Moro em João Pessoa há 11 anos. Não é a geografia que me estimula a produção poética. A poesia que construo aqui fala da rua Augusta, da avenida Paulista, dos bairros da Zona Leste - todos lugares de São Paulo. Mas minha poesia fala também das ladeiras e da lagoa do centro histórico de João Pessoa. Há poesia na megametrópole paulistana e na provinciana pessoense.

Diferente é a linguagem de que me valho na feitura do poema - não as cidades às quais me refiro. As cidades são elementos extraliterários. Busco a linguagem poética das intersemioticidades. Assim, fica valendo da mesma maneira a pinguela e o metrô, o cordel e o e-livro, a tapioca e o big mac. Sem grilos. Vale o "ô meu!" e o "uai, sô" - aliás uma das marcas da minha poesia.

Continuo exercendo a crítica literária ao lado do exercício (diário e gozoso) do magistério e das pesquisas acadêmicas nas áreas de literatura e música popular. No mais, vivo com o erário, o horário, as cacofonias e, acima de tudo, com a contribuição milionária de todos os erros e erres.
Concorda com as teorias de Massaud Moisés sobre literatura? Conceitos como polifonia são pertinentes ao poema?
O Massaud Moisés tem alguma teoria sobre literatura? Nos livros dele encontro apenas diluição de genéricos conceitos literários. Nunca há ao menos uma formulação precisa. Menos ainda uma elaboração teórica pessoal.

Delete os livros do Massaud Moisés se você quer saber de teoria da literatura ou de literatura propriamente dita.

Polifonia, tal como a entende Bakhtin - o grande semioticista russo - a partir das concepções dos formalistas russos, claro que é pertinente ao poema. A multiplicação de vozes é um dos recursos imanentes à linguagem da ambigüidade poética. Em tempo, eu te pergunto: por que 2 assuntos tão díspares estão na mesma pergunta? Sintomas de confusão massaudiana? (Em tempo 2: não se preocupe. Se v. quiser, isto tem cura!).
Quem é o escritor brasileiro?
O escritor? Assim com artigo definido no singular? Sem titubear: Machado de Assis, é claro.
Tem algum mote?
Construir o silêncio.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Produção de linguagens artístico-semióticas. O resto é balela.

(2002)

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente