A Garganta da Serpente
Cobra Cordel literatura de cordel
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

O matuto que se espantou com as mulheres do Recife

(Tchello d'Barros)

Pra contar essa estória
Ó musa da poesia
Dai-me a inspiração
Por favor me seja a guia
Assoprando no ouvido
Deste que em ti confia

Vamos contar sobre Rui
Ruivinho era o apelido
Descendente de holandês
De uma negra foi parido
Pixaim loiro e mulato
Sardento e esmilingüido

Vivia lá no Agreste
E tentou criar galinha
Mas a sua vocação
Foi criar galo de rinha
Nesse esporte proibido
Muito respeito ele tinha

Ruivão das penas vermelhas
Seu galo de estimação
Vencia todas as lutas
Foi um galo campeão
Eram dupla conhecida
Por Ruivinho e Ruivão

Mas com o passar do tempo
Começou a decadência
Ruivão foi perdendo rinhas
Perdeu a sua potência
Cantava fora de hora
Acabou a competência

Ruivinho então decidiu
O belo galo vender
E alguém lá no Recife
Certamente ia querer
Comprar o galo famoso
Antes de ele morrer

Ruivão foi num saco verde
Só a cabeça de fora
Estava um pouco apertado
Furou o saco na espora
No ônibus pra Recife
A duplinha foi embora

Até hoje nenhum deles
Tinha ainda viajado
Ruivão queria cantar
Pois estava assustado
Ruivinho lhe dava milho
Pra ele ficar calado

Chegou na rodoviária
Foi logo se informar
O endereço de um mercado
Para o galo alguém comprar
E assim pegou o metrô
Que é mais fácil pra chegar

O galo se sentiu zonzo
Nesse trem em disparada
No vagão chacoalhando
Já não entendeu mais nada
Cantou alto quanto pode
Assustando a gentarada

E os dois foram expulsos
Logo no próximo ponto
E por causa da zoada
Ruivão já estava tonto
Compraram um saco d'água
Sem nem pedir um desconto

Deu de beber para o galo
Que logo se acalmou
Ruivinho olhou para os lados
E um mercado avistou
Era a Casa da Cultura
Onde ele adentrou

Ao tentar vender o galo
Pelo guarda foi barrado
Pois vender bichos ali
Não era autorizado
E se tentasse insistir
Na cela ia trancado

O galo ficou nervoso
E o saco d'água bicou
E bem na cara do guarda
É que a água esguichou
Correram logo dali
Pois o clima esquentou

E foram se esconder
Na barraca de um fiteiro
Que sugeriu um lugar
Que parece um formigueiro
No mercado São José
Vende o galo bem ligeiro

A confusão começou
No caminho do mercado
Pensou o galo Ruivão
Que seu fim tinha chegado
Pois viu ele numa esquina
Rodando frango assado

Com a espora pontuda
Abriu um rombo no saco
E escapuliu dali
Para se salvar de fato
Ruivinho correu atrás
Armando o maior barraco

Na rua havia um desfile
O que era eu não sei
Não era Maracatu
E nem Folia de Rei
Tinha uma faixa estranha:
"Dia do Orgulho Gay"

Nessa parada feliz
Viu mulheres bem bonitas
Mas olhando bem de perto
Eram meio esquisitas
Umas muito maquiadas
Outras com laços e fitas

E o galo fugitivo
Pelo desfile entrou
Entrou também o seu dono
Que então se assustou:
Isso é Frevo ou Caboclinho?
Onde é que eu estou?

Subiu num carro alegórico
Com moças usando tanga
Berrou se alguém viu um galo
Respondeu uma baranga:
Aqui não se solta o galo
Aqui se solta a franga

E disse uma de bigode:
Não vi galo nem jacu
Nem outro tipo de ave
Muito menos urubu
Mas se seguir futucando
Vai encontrar um peru

Uma mulher musculosa
Tinha o sovaco raspado
Disse: aqui não tem galo
Nem perdido nem achado
Você só vai achar pintos
Dos de pescoço pelado

E outra do peito grande
Que era siliconada
Foi lhe dizer com respeito
Para não ser despeitada
Que viu um pintão no bloco
Do Galo da Madrugada

Outra do peito pequeno
Menor do que um pequi
Estava de top less
Com marquinhas bem ali
E disse: eram duas peças
Tirei uma outra vesti

Uma pelada peluda
Usando só a calcinha
Disse: na falta do galo
Conheça uma amiga minha
Veja como é recatada
Mas no fundo é bem galinha

Outra espetaculosa
Muito forte e muito alta
Disse que não viu o galo
E com seu jeito peralta
Disse: na falta de bicho
Bicha aqui é o que não falta

Uma tal de Drag Queen
Rebolava tão formosa
Viu milho na mão de Rui
E disse espalhafatosa:
Só gostamos de sabugo
E beijou-lhe escandalosa

Uma mão desmunhecada
Trouxe uma pena do galo:
Ô moço do saco verde
vim apenas avisá-lo:
Vi o galo na sinaleira
Acredite no que eu falo

Ruivinho foi ao farol
Onde o Ruivão cantou
E agarrando o bichinho
O parceiro resgatou
E fugiu dessas mulheres
Com as quais se espantou

Não quis mais vender o galo
Correu pra sua cidade
Onde a sorte de Ruivão
Teve o destino mudado
Agora é um reprodutor
Sendo o mais requisitado

E nosso amigo Ruivinho
Nunca se recuperou
Das mulheres do desfile
Que no Recife encontrou
Cidade de cabra-macho
Que pelo jeito mudou


LEIA OUTROS CORDÉIS DESTE AUTOR:
Selecione o ckeckbox ao lado para abrir os cordéis em uma nova janela
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br