A Garganta da Serpente
Cobra Cordel literatura de cordel
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Urbanomanias

(Alfred' Moraes)

Livros que falam da bolsa
De valores e seus leilões,
De fortunas, em ações,
Negociadas em lotes,
Falam que nesses negócios
O mais esperto dos sócios
É passível de calotes.

Livros que falam da herança,
Do herdeiro e da partilha,
Do dote, que levam as filhas,
Pra noivo que não merece.
Livros que falam de castas
Onde o pobre não se abasta
E o rico não empobrece.

Livros que falam do couro,
Matéria prima importante,
Vestiu príncipes galantes
E simplórios camponeses.
O couro de jacaré
Virou bolsa de mulher
E sapato de burgueses.

Livros que falam das uvas,
Do bom vinho e do vinagre,
Do champagne, que se abre,
Na noite do revellyon,
Falam que o dia seguinte
Todo o glamour e o requinte
Viram marcas de batom.

Livros que falam do azeite
Das olivas portuguesas,
Da cevada e das cervejas,
Do malte e do bom scot,
Que falam do rum de Cuba,
Da pinga de Abaetetuba,
E do mel de cana no pote.

Livros que falam da farra,
Da seresta e do farrista,
Da dama e do colunista,
Do tablóide e do jornal,
Do malandro de cartola
Que só freqüenta escola
De samba, no carnaval.

Livros que falam da cerva
Na sexta-feira indigesta,
Regada a samba e seresta
No bar da próxima esquina,
Virou coqueluche urbana,
Imaginem quanta grana
Vira, tão somente, urina.

Outros preferem, porém,
Ir jantar em restaurantes
As iguarias picantes
Como: o frango ao salpicão,
Filé ao molho madeira,
Costeleta assada inteira
E suflê de camarão.

No interior dos bares
Com palcos e mezaninos,
Os delicados meninos,
São travestidos de damas.
O glamour dos holofotes,
Em close-up, nos decotes,
E um "convite" pra fama.

Livros que falam das frutas
Como: a pêra e o kiwi,
Do saboroso açaí
Hoje de largo consumo.
Livros que falam daquelas
Irreparáveis seqüelas
Do alcoolismo e do fumo.

Livros que falam do leite,
Do pão de queijo de Minas,
Que falam das vitaminas,
Da soja e da levedura,
Que falam do mel de abelha
E do mal, que a carne vermelha,
Traz no teor da gordura.

Livros que falam do magro,
Do obeso e do sarado
Que tem o corpo talhado
Nas sessões de academia.
Livros que falam do zelo
Que devem ter as modelos
Ao ingerir calorias.

Livros que falam dos filmes,
Da invenção do cinema,
Do teatro e do esquema
De festivais glamourosos,
Das inesquecíveis cenas,
Dos autores e mecenas
E diretores famosos.

Livros que falam das chuvas
De confete e serpentinas
Nos tempos das colombinas
Pierrô e alerquim.
Livros que falam do luxo
Da fantasia de bruxo
Na festa do hallween.

Livros que falam da moda
Da arte do bem vestir,
Que falam da Naomi
E da gaúcha Gisele,
O glamour das passarelas
Obriga que todas elas
Só tenham um rosto, osso e pele.

Livros que falam das horas
Dos relógios e seus ponteiros,
Que falam dos seresteiros
Vagando na madrugada.
Livros que falam do sono,
Do lutador sem quimono
Dormindo sobre a calçada.

Livros que falam dos jogos
De xadrez porrinha e dama,
Naquele, o russo tem fama,
Pratica desde menino.
Tem jogador de baralho
Que vende seus agasalhos
Pra estourar nos cassinos.

Livros que falam dos móveis
Coloniais e modernos,
Do charme, que nos invernos,
Tem um casaco de lã,
Um suéter de veludo,
Um escuro, sobretudo,
No encosto do divã.

O casaco de visom
E o colar de diamantes,
Que os abastados amantes,
Presenteiam mulher pobre
Podem virar bumerangues
E voltar, banhado em sangue,
Quando o marido descobre.

Livro que falam do COOPER
Pra manter a boa forma,
Muita gente tem, por norma,
Caminhar diariamente.
Dentre as urbanomanias
A queima de calorias
É o carma de muita gente.

Livros que falam das ruas
Das ruelas e dos guetos,
Que falam dos amuletos
Pendurados em correntes.
Livros que falam das gangues
Que estão derramando sangue
De jovens adolescentes.

Livros que falam da ginga
Do mestre de capoeira
Arte afro-brasileira
Mistura de dança e luta,
Que falam do berimbau
Um instrumento de pau
Que dá ritmo à disputa.

Livros que falam do vidro,
Do papiro e do papel,
Da cartola e do chapéu,
Do lenço e do suspensório,
Da bengala e da muleta,
Da gravata borboleta
Um elegante assessório.

Livros que falam da régua,
Do caderno e da caneta,
Do tênis da camiseta,
Da lousa e do pó de giz,
Falam da sala de aula
Que mais parece uma jaula
Pro repetente infeliz.

Livros que falam dos sinos
Que dobram nas catedrais,
Dos coloridos vitrais
Com motivos sacrossantos.
Livros que falam do dote
Da mitra do sacerdote,
E da vida simples dos santos.

Livros que falam das praças,
Dos monumentos urbanos,
Falam dos aeroplanos,
Do metrô e do trem bala.
Livros que falam dos autos
Ceifando vidas no asfalto
Numa preocupante escala.

Falam também de pessoas
Que vivem no anonimato
Parece bicho do mato
Não sabem ser solidárias,
É outra mania urbana
Que torna a pessoa humana
Tristonha e solitária.

Livros que falam da escória
De nossa sociedade
E dos esforços debalde
Para a inclusão social.
Livros que falam da elite
Que ainda não admite
Que todo mundo é igual.

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