O vento teimava em levar tudo à sua frente, fustigando a noite chuvosa
que se ensombrara. As casas pareciam assustadas na sua viuvez urbana, e eu deambulava
pela rua mais dois amigos meus, após uma noite de copos e de "copas".
A bruma adensara-se, e...inesperadamente perdemos o rumo para as nossas casas,
o que nos levou até a um estranho e sinistro cemitério, cujos
densos portões se elevaram ameaçadoramente sobre as nossas cabeças.
-Este local é sinistro. - Balbuciou o Manuel, meio encolhido.
- Sim, mas afinal, onde estamos...Que local é este? - Inquiri eu, meio
confuso.
- É pá! Estou rodeado de mariconços! - Escarneceu o João,
exibindo um ar meio destemido.
- Mariconços, não! Isto mete medo! - Insisti eu.
- Mas qual é o vosso problema? Não vêm que estamos no cemitério
da nossa aldeia; a única diferença é que está nevoeiro
e ele parece diferente! - Afiançou o João, que seguidamente se
sentou no muro a fumar. Ele trajava uma extensa capa de chuva, que lhe abonava
um ar medonho e aterrador.
Confesso que aquele modo arrogante do João me importunou tanto, que
quase tive vontade de lhe arremessar com duas pedradas. Todavia, o meu espírito
fora atravessado por uma ideia macabra, que de imediato partilhei com o Manuel.
-Vamos "picá-lo" para ele ir lá dentro fazer "qualquer
coisa", e quando ele lá estiver, piramo-nos e deixamo-lo aí
sozinho. O que achas? - Sussurrei eu ao ouvido do Manuel.
-Boa ideia, e como o vais convencer a ir lá dentro?... - Inquiriu o meu
amigo, coçando o queixo.
-Deixa isso comigo. Tens aí uma nota de cinquenta euros? - Perscrutei.
-Sim. Toma! - Disse o Manuel, entregando-me o dinheiro, sem qualquer hesitação.
Dirigi-me então até junto do João que continuava distraído
a fumar em cima do muro do cemitério. E foi com algum assombro que lhe
dirigi o repto.
- Olha João, eu e o Manuel apostámos cem euros, em como tu não
és capaz de ir lá dento ao cemitério...e pregar um prego
no túmulo que estiver mais a "norte"...
- Não sou? Vocês apostaram, o quê?..Cem euros?.. ah, já
são meus! - Prognosticou ele, com uma voz tremendamente fria.
- Tens aqui o prego. - Declarou o Manuel, que tinha encontrado um...não
sei bem onde, nem como. - Podes pregá-lo com esta pedra
E foi com enorme frieza, que o João deitou o cigarro fora e saltou o
muro para outro lado, numa demonstração clara de uma ousadia extrema.
- Já me estão a dever cem euros... - bradou ele, quando já
se encontrava entre as campas.
A noite turvara-se ainda mais, numa bruma intensa, e inesperadamente, levantou-se
uma forte ventania que arremessou as folhas das árvores pela estrada
adiante. Quando eu e o Manuel nos preparávamos para fugir daquele local
perverso, escutámos os baques secos, provenientes das batidas do João
no túmulo, acompanhado de sinistras risotas. Seguidamente, as pancadas
cessaram, e o silêncio da noite foi quebrado por um grito agudo e estridente,
proveniente da garganta do João, que gelou a minha alma de medo!
Prontamente, eu e o Manuel trepámos o muro, e fomos ao encontro do nosso
camarada, a fim de percebermos o que lhe tinha acontecido. Ao fim de alguns
metros, lá estava o João caído junto ao túmulo.
Notei que ainda segurava a pedra na mão, e o seu corpo prostrava-se numa
posição estranha.
- João, João! - Bradou o Manuel, tentando deslocar o seu corpo,
para o endireitar.
E foi com um terror arrepiante que verificámos que o João pregara
a sua capa de chuva ao túmulo sem dar conta disso, e ao virar as costas,
foi abruptamente "puxado", o que o fez MORRER DE MEDO!