Quando o meu amigo me anunciou que ia passar uma temporada em Minas Gerais
- Brasil, nunca imaginei que ele se desse ao trabalho de me trazer uma Nepenthes.
Eu sempre fui um apreciador de plantas, mas nunca pensei que algum dia pudesse
usufruir de uma Nepenthes na minha estufa. Esta planta, para quem não
sabe, é carnívora; aliás, é a mais extraordinária
das carnívoras. Mas não se assustem com o termo. Estas plantas
são minguadas e delicadas, e apenas capturam pequenos insectos ou animais
aquáticos, alguns até de dimensão microscópica.
Portanto, a menos que o leitor tenha o tamanho de um insecto, elas são-lhe
perfeitamente inofensivas.
De imediato encetei a edificação de uma estufa numa pequena área
livre que restava no meu quintal. Não me poupei a esforços, nem
a despesas. Equipei a estufa, com todos os mecanismos técnicos, necessários
para a sua sobrevivência: Instalei um sistema mecânico de rega,
climatizei-a com um engenho especial, e até a resguardei com um tecto
especial em vidro, para filtrar os raios solares.
É com fascínio que a observo, "agigantando-se" de dia
para dia, e bem de "saúde", na minha estufa. Como devem calcular,
nunca mais tive problemas com insectos, desde que habita lá a Filomena.
Pois foi assim que eu a baptizei.
Há uns dias atrás, notei que Filomena se tinha expandido,
obtendo um tamanho descomunal, (de uma semana para a outra, engrossara bastante,
prolongando-se em mais de dois metros de altura) e as suas folhas viçosas
mantinham-se brilhantes, também. Contudo, não dei muita importância
ao fenómeno, ficando deveras satisfeito por saber que a planta se estava
a dar bem na minha estufa, e que estava, aparentemente imune a qualquer doença.
Numa tarde solarenga, após ter dispensado algum tempo a admirar excentricidade
de Filomena, e logo após me ter demorado a fechar a porta da galeria,
fui surpreendido pela presença da minha vizinha, que exibia um ar de
alguma aflição.
- Boa tarde, vizinho. Por acaso não viu aí, pelo seu jardim, o
meu Tomi? Não viu?... - Inquiriu ela, referindo-se a um dos seus
dez gatos, que teimosamente saltavam para o meu pátio, em demanda de
pequenos roedores.
- Não. Aliás, já não o vejo há três
dias. - Redargui eu, acenando negativamente com a cabeça.
De imediato notei que a minha vizinha não ficara muito convencida com
a resposta obtida, mas que mais poderia eu fazer?
Para ser franco, não me inquietava nada, o desaparecimento do gato, pois
ele, (e os outros nove) eram "responsáveis" pela devastação
de algumas das minhas plantações, tais como nabos, batatas, repolhos,
etc. Por isso, não me preocupava mesmo nada, que ele tivesse desaparecido...para
sempre! E quanto ao desassossego da sua dona, ainda menos me ralava. Pois eu
não gostava dela. Nunca gostei. Odeio-a desde o primeiro dia, que lhe
aluguei a casa. Não, porque se escuse a pagar-me a renda a tempo e horas.
Nada disso! Trata-se de uma mulher austera e antipática, cujo olhar julgador,
arrepia o mais comum dos mortais.
Naquela manhã, eu tinha mudado a folha ao calendário, quando
fui surpreendido pela voz estridente da minha vizinha.
- Oh, vizinho!... - Berrava ela por mim.
- Diga, vizinha... - atendi eu, impaciente.
- Por acaso não viu o Anacleto por aí, no seu jardim? - Inquiriu
ela, com os olhos gélidos, arregalados para mim.
- Não vizinha. Nem o Anacleto, nem o Tomi, nem nenhum dos
outros oito.... - Retruquei com escárnio.
- Olhe, eu sei que você está a mentir. - As palavras da velha soaram-me
como um chicote, e logo me detive para a escutar melhor.
- Como foi que disse?... - O meu rosto ganhara contornos assustadores, isso
pude eu notar, através do seu semblante pasmado.
- Sim, sim!...Você anda a fazer-me mal aos gatos. Você nunca gostou
dos meus bichanos...
Foi neste momento que eu tive alguma dificuldade em manter a respiração,
pois a vontade que tive foi desmanchar a cabeça da velha em pedaços,
com a enxada que tinha ali, mesmo à mão, tal não era o
ódio que eu lhe tinha. Mas não! Nunca deitaria tudo a perder,
de uma forma tão desastrosa. Fui bem mais cauteloso e, até se
quiserem...cortês!
Deixei passar dois dias, até a voltar a ver. Seguidamente, chamei-a e
disse-lhe, o que ela há muito ansiava ouvir:
- Olhe vizinha, encontrei os seus gatinhos! - Exclamei eu, fingindo-me alegre.
- A sério, vizinho?..onde estão? Onde estão? - Arfou ela,
cheia de ansiedade.
- Ali, na minha estufa...mas os maganos não querem sair de lá...
- Indiquei eu, baixando a voz num sussurro.
- Ah, posso lá ir buscá-los, vizinho?...posso, posso?...
Abri o portão do meu quintal para a velha entrar, e acompanhei-a vagarosamente
até à estufa, e mesmo antes de abrir a porta, a velha já
grasnava pelos gatos...Oh, pobres gatos! Se ela soubesse...Eles estavam lá
na estufa, sim. A velha abriu a porta, e logo que penetrou dentro do recinto,
o terror apoderou-se do seu rosto, que agora já não era austero,
mas sim, um misto de repugnância e pavor. Os cadáveres dos seus
gatinhos jaziam pelo chão da minha estufa afora! A minha Filomena
tinha-os deglutido impiedosamente. Mas ela queria mais. Oh, muito mais!
O corpo da velha ficou petrificado quando a Filomena transfigurou as
suas folhas, arreganhando-as em duas metades, que a engoliram quase por inteiro,
como se fosse um insecto. Seguidamente, as folhas fecharam-se, formando
uma enorme jaula, que a esmagaram, para a digerir vorazmente.
Presumo que a sua dor tenha apenas durado alguns minutos, tal não foi
a ferocidade com que Filomena a devorou.
No dia seguinte, dirigi-me a uma breve dispensa, onde arrecado algumas ferramentas,
mangueiras, e outros utensílios; e de lá retirei uma placa, onde
se lia "aluga-se". Seguidamente limpei-a com cuidado, e afixei-a em
frente à porta da casa da maldita velha.