Acabado de somar mais um ano aos 69 já existentes fui ao café.
Como dantes, mantinha tal hábito aos sábados e, felizmente, calhara
este ano cumprir a data neste dia da semana. Antes do café, comprei o
matutino, não isento de enfrentar razoável fila que, por sua vez,
fez-me escutar e concordar com as mais variadas e ingénuas reclamações
de toda gente - Sem margem a erros gente possuidora da mesma idade que eu ou
adjacentes - Tudo bem até aí.
Contudo, não deixei de observar que a angústia e a preocupação,
mais uma vez, tinham-se instalado em mim neste dia especial. Eu sabia o porque
e tentava, com ligeiros disfarces, passar ao largo desses sentimentos. Mas no
íntimo já desistira.
Noutros tempos só a saudade era a minha companheira. As memórias
de minha falecida mulher estavam mais nítidas a cada dia de vida. Mesmo
sem perder as esperanças de conhecer uma outra companheira, para terminar
ao meu lado as últimas etapas de uma existência, confortava-me
ter vivido por dezenas de anos momentos de grande felicidade ao lado de uma
pessoa dedicada e íntegra. Foi a primeira e única mulher da minha
vida. Foi? Ou é?
Às vezes sinto-a perto, como se, à qualquer instante, toca-la
ainda fosse possível. Lembro-me de quase tudo que passamos juntos; desde
à infância e em seguida a adolescência, e com esta, as descobertas;
Até ao casamento, as dificuldades, momentos de felicidade, o crescimento
de nossas filhas e, por último, a sua triste partida. Doente, fraca,
consumida pela cólera. Porém, lúcida até o último
dia.
E foi num quarto de hospital, morbidamente asseado; limpo e ao mesmo tempo
fétido, que então, a sós, essa mulher reservou a mim, o
seu último sorriso. Perdida na minha fisionomia e admirando a expressão
que me denunciava. Enquanto meus olhos crentes mantinham-se hirtos e impressionados
a tal imagem. Pura e transparente. Assim que encontrei forças suficientes
libertei-os, fecharam-se como se quisessem grava-la para todo o sempre algures
na minha memória. Tornei a abrir ansioso por uma renovação
divina do destino. Mas ela já lá não estava, partira levando
consigo o meu verdadeiro olhar. Acabara ali parte de minha vida.
Por ora esqueci tais pensamentos. Meu único desejo no momento era ler
um jornal esportivo. Sem a necessidade de divulgar a alguém tal data.
Nem tão pouco ansiar por prendas ou, até, que algum parente lembrasse
do meu aniversário. Acomodei-me o melhor possível na esplanada,
agora invadida por raios solares poderosos, e dei início finalmente à
minha leitura.
- Bom dia Prof. Leão! - exclamou uma voz estranha e insegura.
- Como vai o senhor? Lembra-se de mim?
Ergui o olhar a pessoa à minha frente e não reconheci de pronto.
Era uma mulher aparentemente elegante, e também bonita, talvez uns 27
ou 30 anos, não sei de onde surgira tão inesperadamente. Demorei
um pouco a responder apenas um "Bom dia...", cordialmente. Impressionou-me
sua beleza e frescura jovial. O sorriso "Colgate" ditava mais brilho
no ambiente que os raios de sol, que por seu turno, inundavam ainda mais o interior
do lugar naquele dia tão soalheiro.
Demovi da ideia tentar lembrar a sua procedência. Mantinha meus olhos
na plástica quase perfeita do seu corpo. A pele invadida por sardas suaves
e travessas clamava por mais atenção por se manter curtida pelo
sol. O cabelo ruivo, ao primeiro instante, era o que definia e dilatava a sua
diferença entre outras mulheres. Longos, finíssimos e vermelhos,
que ao sopro do vento faziam-se cor de fogo, iludindo os olhos até do
mais selvagem ser. Por que tal cor tocava-me tão fundo? Tão visceral?
sobretudo, aliada a tanta beleza, que sortida num corpo proporcional e belo,
me fazia suspirar baixinho tal e qual um adolescente.
- Sou Ruth. Ruth Cabral, fui sua aluna na pós graduação
- ao mesmo tempo que estendia a mão em minha direcção -,
O senhor não se lembra de mim ?
- Sim..., claro! claro! - mentira, não encontrava sua fisionomia em meus
arquivos, mas isso já não importava no momento. Mentira sim, o
que tem de mal?
- Mas você mudou muito não?, por favor sente-se...
- Obrigada ! - e sentou-se - É que eu antigamente costumava pintar o
cabelo de loiro, tinha vergonha de ser ruiva, desde o primário que o
pessoal não dava tréguas. Depois da minha separação
deixei-o crescer na cor natural. Por isso o senhor não deve estar lembrado
de mim.
E assim continuou a falar como se não houvesse mais oposição
de minha parte. Segui ouvindo-a com interesse, ternura e solidez. E, simultaneamente,
tentando camuflar o desejo que, com doses cada vez maiores, ia sentindo por
aquela mulher. Desviando o olhar aos poucos, simulando raciocinar o que ouvia,
mas ao mesmo tempo procurando seu corpo entre a mesa e a cadeira. Vi a saia
amarela, que nesta manhã era mais curta, autorizando uma visão
mais íntima do corpo. Do joelho alcancei as coxas, apertadas entre si
e cruzadas ao mundo. Pude ver, também, suaves pêlos cobrindo toda
a pele, como um campo semeado, à espera da aurora. E da barriga fui aos
seios, que anteriormente, já me tinham confrontado. Tensos, firmes e
ameaçadores desenhavam soberanos a plástica de todo o peito.
Nesse momento já não controlava meus olhos e pensamentos, que
fazer??. E sua voz ?, ouvia-a muito longe, distante e difusa. Minhas mãos
suavam como bicas mouras, sinal antigo de minha total ansiedade carnal. Quanto
às pernas, ela movia-as com precisão e efeito, certa da ilusão
óptica que provocava nos machos. Minha boca não se fechava, estaria
algo errado? Seria eu mesmo? Um Professor Doutor que passara a vida inteira
a controlar e dissecar o seu e o pensamento dos outros? Cairia em desgraça
num Sábado? Aniversário ainda por cima? Por uma ruiva faladora?
Sim! É isso. Livrei-me de tudo. Pois desejava-a. Sou e estou velho,
mas desejava-a muito.
- Professor Leão, meu namorado chegou, vamos à praia e tenho que
o deixar. Foi um prazer revê-lo, dê cumprimentos à sua esposa
e filhas, ok! Até breve ! Disse ela, levantando-se ao mesmo tempo que
endireitava a saia, já colada às nádegas.
Olhou-me novamente nos olhos, estendeu mais uma vez a mão, chegando-a
bem perto. Minha chance para puxa-la. Agarrei-a firme e respondi:
- Vá!...mas não volte.