A Garganta da Serpente
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Anjo Negro

(Valdoir Wathier)

Quase meia noite, está a caminho de casa, quando vê à frente um anjo negro no meio da estrada.

O jovem, surpreso, põe alto os faróis, não sabe se crê, se é real o que vê. Diz pra si mesmo:

- Não posso temer, também não posso correr, a hora exige parar e ver o que vai querer.

Pára o carro, abre a porta, põe-se a frente do vulto, espera e ouve uma voz que sai de sob o capuz:

- Eu sou seu destino, você fez bem em parar, se quer saber o que o futuro terá e deixar para traz as incertezas que os sonhos te trazem. Basta dizer sim para ver tudo agora ou, dê as costas, espere o seu tempo e tudo acontecerá.

- Sim! - soou em voz firme a palavra isolada que não demonstrou parte alguma do receio que o jovem sentia.

O capuz ergueu-se de súbito e por debaixo do manto escuro mostrou-se um largo sorriso.

Uma luz muito forte tirou a visão do rapaz que ouviu, então, uma voz lhe dizer para abrir os olhos quando quisesse começar e que para parar bastaria fechá-los novamente.

...

Ele sempre fora preocupado em como e quando tudo aconteceria, perdera seus pais quando ainda criança. Teve infância, mas bastante dura. Já na adolescência, sempre um tanto complicado, estudava física para não conviver com o acaso. Jamais deixava de ser justo e honesto e muito lutava para dignificar sua vida.

Era esperto, dedicado ao trabalho, aos amigos, a vida. Também era romântico, apaixonado, há poucos meses casado, sonhava em, ao lado de sua amada, ter uma vida simples, de muita felicidade.

Agora, estava a frente de seu destino e seus olhos se abriam para o futuro desconhecido..

Viu tudo passar em fotos claras, que se mostravam em um piscar de olhos.

Começava quase ao fim de sua vida, numa varanda sentado em uma cadeira de balanço, parecendo ter oitenta e tantos anos - sempre quisera chegar a ser velho para poder brincar com seus netos. A cada imagem que via, vinha uns anos mais para o presente e era, a cada visão, um sonho se realizando.

Em cada instante estava o brilho de anos de esperança, a certeza de que tudo seria como sempre imaginou. Era como se estivesse vivendo toda a alegria e realização, que se pode esperar da vida, naquele breve momento.

Viu tantas belezas, naquele destino, que antes, ele mesmo não se dava o luxo de esperar. Era tanta alegria ver tudo acontecendo enfim, tão breve, mas tão leve se sentia por viver toda sua vida e ir rejuvenescendo.

Aquele instante, lhe era claro, era o ponto de partida para a vitória tão batalhada.

As imagens passavam cada vez mais rápido, o futuro mais distante já havia se ido e o seu destino se aproximava do presente. Então, se viu no mesmo dia em que estava, chegando em casa e ouvindo de sua esposa que ela está grávida - era tudo que lhe faltava saber.

No vídeo reverso de sua vida se viu cruzando direto pela estrada onde estava e as imagens que seguiam já eram parte do passado, mas estas não lhe interessavam, tal história já conhecia e não gostava de lembrar.

Só queria ir para casa, encontrar sua amada, pois já sabia a notícia que lhe esperava.

Abriu os olhos para voltar a realidade, ainda havia uma luz forte, que logo deu lugar a escuridão, não viu mais o anjo negro a quem queria agradecer.

Voltou para o carro. Sentia como se seus olhos iluminassem tudo que via, não havia lua naquela noite e poucas estrelas se exibiam no céu, mas ele podia ver com precisão o caminho de sua casa.

Faltavam, agora, seis minutos para o fim daquele dia, no qual, já sabia, receberia a notícia de que teria um filho. Estava, ainda, há alguns quilômetros de casa, teria que andar rápido.

Estonteado por tudo que se passara, pensava consigo o tolo que seria se não tivesse parado. Estava confuso, de tanta alegria, não sabia ao certo o que era sonho, o que era destino ou realidade e obrigou-se a querer saber se algo poderia mudar seu futuro ou se tudo aquilo era fato já acertado.

Perdido em pensamentos, com pouco tempo para estar em casa, corria para fazer sua vida ser tal qual tudo que já conhecia.

Uma nova luz lhe tira a visão, é um farol alto, ouve um ruído estrondoso, é a buzina de um caminhão, sente uma forte dor em seu peito. Algo está acontecendo mas não sabe o que é, não é sonho, não é destino, talvez seja realidade, mas também não é a vida - ele não mais a tem.

...

No dia seguinte os moradores locais comentam o acidente e não entendem como pudera ser tão descuidado a ponto de esquecer os faróis desligados e invadir a contra mão.

Diziam, ainda, que sua esposa perdera o filho que estava esperando ao saber da perda do amado marido e perdera os sentidos ao saber da perda do esperado filho, no mesmo dia, tentou suicídio, mas fora contida, certamente, tentará outras vezes e, enquanto viver, viverá deprimida.

E a esta hora todos perguntam se o destino era este, se o rumo realmente era a morte. Mas disse o avô do rapaz alguns dias depois, quando o mesmo destino resolveu encontrá-lo, que este é o futuro de todos nós, mas alguns vivem mais antes de chegar lá.

Quer encontrar seu destino? Acredite, encontrará.

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