Quando ele viu as formigas caminhando sobre a mesa, percebeu que era hora de
partir. Para onde... não sabia. Fazer o quê? Também não
sabia. O motivo? Sabe-se lá... o fato é que precisava sair. Levantou-se
da cadeira, sentiu o corpo doer após tanto tempo parado na mesma posição,
e apagou a luz. Deixou atrás de si a cozinha com formigas sobre a mesa
e as horas passadas naquele cômodo.
Pensou se deveria despedir-se dela, ou dizer-lhe para onde estava indo. Mas
se ele não sabia para onde estava indo, o que iria falar a ela? Além
disso, ela estava deitada, dormindo tão relaxada, afogada em um imenso
sono após momentos tão intensos de loucura passados junto dele,
que seria até maldade interromper-lhe o descanso. Além disso,
pensou ele, é melhor que ela descanse, pois assim acordará melhor
disposta. A loucura foi tão intensa, o esgotamento provocado foi tão
grande, que ela desabou num sono gigantesco e parecia não perceber mais
nada à sua volta.
Foram momentos maravilhosos passados loucamente juntos. Eles riram, gritaram,
choraram até. Ele não acreditava que aquilo era possível.
Após tanto desejar aquilo, ele encontrou junto dela. Encontrou a transposição
dos limites, vivenciou o desfrute de todas as emoções possíveis,
do prazer sem limites entre duas pessoas. Ainda agora, após tantas horas
passadas desde o momento em que ela fechou os olhos e desabou, ele ainda sorria
e pensava, num misto de satisfação e de vontade de viver aquilo
mais um pouco, que era até incompreensível o fato de só
ela haver adormecido, e não ele.
Agora ele caminha pela rua pouco movimentada, e as cenas vão se sucedendo
em sua cabeça. Ele relembra tudo o que aconteceu entre ele e ela naquelas
horas de prazer indescritível. Caminha e tenta, não se sabe o
porquê, não deixar as pessoas na rua perceberem o que se passa
em sua cabeça. Apesar de sempre defender que nenhuma emoção
deve ser escondida, ele está se sentindo levemente incomodado com a hipótese
de aquelas crianças que correm na calçada saberem o que se passa
em sua cabeça. Talvez seja um reflexo, pensa ele, da formação
humana que acompanha as pessoas desde que elas nascem e, independente do que
elas queiram pensar depois, ainda deitam suas amarras limitadoras em sua mente
durante boa parte da vida. Mas ele não chega a se incomodar tanto com
isso, pois também pensa que, após ter vivido aquelas situações
com aquela mulher, essas amarras mentais que ainda existem em sua cabeça
logo serão desfeitas. E assim ele vai caminhando, tentando desviar seus
olhos das crianças à sua frente, que inocentes brincam sem se
dar conta de que em pouco tempo elas também quererão viver aquelas
situações. Talvez já queiram, mas sua dependência
em relação ao mundo externo faz com que esses desejos sejam momentaneamente
transpostos ao ato de brincar, quebrar coisas, correr.... formas singulares
de externar desejos ardentes da alma. Mas quando essas crianças forem
homens e mulheres feitos, aí sim, as brincadeiras darão lugar
às intensidades indescritíveis da alma. É nisso que ele
acredita.
Mas a questão é, e isso ele também acha, que são
poucas as pessoas, na verdade, que aceitam ceder a esse impulso natural e libertador.
Lembra-se das cenas vividas com a mulher, mas também se lembra em como
foi difícil poder viver aqueles breves momentos, e como foi mais difícil
ainda encontrar alguém que quisesse vivê-los consigo. Na verdade,
a mulher que ele deixou dormindo em sua casa no início relutou, não
cedeu aos chamados de sua alma, mas ele insistiu, pois desde o momento em que
a viu, sabia que sua relutância não era verdadeira. Pensou ele,
naquele momento, que ela estava relutante porque não sabia que ele pensava
como ela. E aí, após perceber que estava se relacionando com alguém
que queria libertar a alma e satisfazer a carne totalmente, abriu-se e entregou-se.
Levou-a um lugar deserto, em meio ao verde inspirador de grama alta e algumas
árvores. Ela gritava, dizia para ele soltá-la, implorava até,
mas ele estava firme no propósito de não mais deter o que ele
achava ser o chamado natural da alma. Deitou-a no chão e jogou-se sobre
ela. Olhou no fundo dos seus olhos e tentou penetrar naquele corpo através
da respiração. Foi quando ela parou de gritar, e ele percebeu
que estava conseguindo mostrar a ela que seu momento chegara, que não
era mais preciso fingir que não sentia aquela vontade louca de viver.
Sem dizer nada, ele se levantou e puxou-a. Correu com ela por entre as árvores,
não se preocupando em cuidar para não bater em nenhum tronco.
Após correr durante um tempo, eles pararam. Ele olhou para o rosto feminino
que agora não era mais agarrado pela sua mão, mas sim se agarrava
à dele. Ele sorria, e ela chorava. Ele então sentiu um prazer
imenso, pois essas manifestações tão díspares (o
sorriso e o choro) completavam-se. Ele sabia que ela estava gostando, seu choro
dizia isso.
Sem dizer uma única palavra, ele a levou para seu carro. Ela se debatia,
e ele sabia que eram na verdade espasmos de prazer. Ligou o carro e saiu correndo
como um insano, como o insano que ele achava que todas as pessoas eram, mas
não tinham coragem de assumir. Avançou sinais vermelhos, quase
provocou colisões, derrubou um motociclista e atropelou uma pessoa. Não
importava. O importante era transpor todos os limites. E a mulher ao seu lado
chorava. Chorava agoniada, uma agonia de prazer, pensava ele. E isso o estimulou
a continuar, a aumentar a intensidade. Quando a polícia surgiu atrás
de seu carro, não se importou. Continuou correndo e lançou-lhes
um desafio: "tentem capturar uma alma livre! Vocês nunca conseguirão".
E de fato não conseguiram. Quando ele estacionou seu carro em casa, a
polícia havia sido despistada. Ele nunca teve sua alma aprisionada por
ninguém, não teria seu corpo capturado pela polícia agora.
Desceu do carro e carregou a mulher em seus braços; ela chorava, mas
já não gritava tanto. Levou-a ao seu quarto e, após um
breve momento passado observando seus olhos lacrimosos, ele sorriu e tirou sua
roupa. No início, ela se debateu, e ele entendeu aquilo como resquício
de suas amarras mentais primitivas. Então, sorriu mais ainda e prosseguiu.
Ela chorava muito, e ele entendeu aquele choro como um convite a extravasar
tudo o que havia preso dentro de si. Então ele pôs-se a chorar
também, enquanto penetrava aquela mulher linda, ardente e de alma livre.
Colocando cada vez mais força nos movimentos, ele chorava com ela enquanto
gemia . E quando ele, exausto, tendo em seu rosto a expressão do mais
puro prazer misturado às lágrimas e ao suor, pensou em parar para
poder respirar mais calmamente, a mulher se debateu e saiu debaixo dele. Olhou
mais uma vez para ele, gemendo de dor (que ele sabia ser dor de prazer) e, cuspindo
no chão uma saliva misturada com sangue, virou-se e começou a
correr, gritando e esmurrando o ar. Chegou à porta da casa e, constatando
que estava trancada, bateu com a cabeça na parede e sentou-se no chão.
Parou de chorar e começou a rir.
Ele então chegou junto dela. Viu-a rindo, após haver chorado tanto,
e sentou-se satisfeito ao seu lado. Olhou no fundo dos seus olhos e logo em
seguida beijou-a. Enquanto sua língua dançava dentro da boca da
mulher, suas mãos envolveram o seu pescoço. Sem fazer muita força,
ele apertou-o, num ato de empolgação sem precedentes em sua vida.
Imaginou que a mulher gostou daquilo, como estava gostando de tudo até
aquele momento, pois ela gemia e calmamente foi desfalecendo em seus braços.
Em pouco tempo, ela parou de gemer e caiu em um sono tão profundo que
se poderia pensar que ela não estava respirando. Ele sabia que quando
a pessoa estava satisfeita, era capaz de dormir tão profundamente que
dava a impressão de estar morta.
E agora, após viver tudo aquilo e reviver em sua mente cada momento,
ele resolveu voltar logo para casa e ver se ela já havia acordado para
que pudessem repetir cada momento, e talvez incrementar. Afinal, eram duas almas
livres que se haviam encontrado. Pensando nisso, ele agora caminha velozmente
para sua casa, pronto para reencontrar a mulher que lá deixara. E imagina
que ela está ansiosa à sua espera.