A Garganta da Serpente
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As palavras que voam

(Vanessa Campos Rocha)

Não encontro as palavras. Aonde estão? Procuro e não acho e o que sinto antes de tudo, é a falta delas. Preciso parar e procurá-las melhor. Embaixo de mim ou por cima.

Talvez estejam elas, lá fora, nos outros. Nas placas de emprego, nos pulmões dos que respiram, escoando pelos bueiros de alguém. Palavras doidas, fugiram todas.

Saíram voando, felizes da vida, contemplando a volta ao mundo, com vento batendo. Até que enfim, vi agora uma palavra nova: espaço.

Fui encontrada. Eu achei que era objetivo todo meu procurá-las. Fui achada por uma, que me deu sentido para esse vazio que me havia na vida. Espaço é uma palavra que me dá tanto. E agora que a tenho, sinto medo de perdê-la.

E com esse sentimento a agarro com as duas mãos, quase a sufocá-la, mas não quero perdê-la, por que a sufoco?

Então solto. Ela também merece o que da. Ela é espaço e também pode ser a falta. Duas em uma só. Viram? Consegui algo que não esperava.

Joana entrou sem me avisar. E me pegou aqui, no meio da luta com as palavras. No meio de um resgate. Ficou me olhando abobalhada, dizendo que não se perde palavras. Eu disse que sim, se não como se chamava o nome dessa cara dela?

Ela me disse tão certa: surpresa. E não é que fazia sentido? Essa daí nunca tinha deixado voar as palavras. Eram todas presas na sua mão. Mas agora não sei se isso é tão bom assim. É bom pra ela, mas e as pobrezinhas, não podem nunca ser quem não são?

Experimenta, falei pra ela, como é gostoso dizer assim: faz um sol dentro de mim. Ela disse arredia, não, sol só se faz lá fora. Falei: essa daí não abre a mão.

Agora vem vindo Antônio, segurando a palavra marido em uma mão e irmão na outra. O marido ele entregou pra mim. Esse aí não me entende, mas também não critica. Me deixa ficar procurando e encontrando o que quiser.

Hoje estou as voltas com elas, mas já teve dia de cismar com os sonhos. Não sei bem se é cisma. È algo que não me agrada não poder viver o sonho acordada e vice-versa. Tudo faz parte de mim do mesmo jeito. E se eu quiser viver enquanto durmo e sonhar enquanto morro? Ah mulher, faz como todo mundo faz que da mais certo. Certo pra quem?

Acabei agora ficando de bem com tudo quanto é palavra, expliquei tudo o que queria pra Joana e pro Antônio que está concreto de tanto saber.

É que com palavra é assim: você as tem quando menos precisa, porque adoram ser procuradas. E eu fico toda contente quando digo: achei!

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