Cena 1 - Tomada aérea
O carro pequeno desliza pela estrada. Segue veloz como um ponto móvel
na paisagem. Do lado direito, montanhas e campos se revezam. Do lado esquerdo,
até aonde a vista enxerga, somente campos verdes. No horizonte, um resto
de sol vermelho e intenso teima em permanecer mais um pouco e dá a impressão
de um rasgo no céu que se esforça para escurecer.
As estrelas vão se chegando, a paisagem muda de tom. Apaga-se.
A cena vista de longe parece uma pintura - um risco cruzando a tela rumo ao
infinito.
Cena 2 - Dentro do carro
Quatro ocupantes. Cansados. O zumbido do motor, o som monótono dos pneus
rodando no asfalto e o contorno vago das árvores à beira da estrada
trazem para dentro do carro uma sensação bruta de torpor. Real
e irreal se confundem. O silêncio é compacto. Pesado. Exausto;
só quebrado vez por outra pela respiração cadenciada dos
ocupantes. Aos poucos o resto de claridade acaba cedendo e a escuridão
invade tudo. Interior e exterior se misturam. Noite sem luar. Densa. O barulho
do motor inebria, hipnotiza. Visto de dentro do carro o clarão do farol
é como um facho de laser que perfura a noite. Vara a escuridão.
Força a passagem; mas é quase que imediatamente tragado pelo negrume.
Não há neblina ou qualquer coisa que atrapalhe a visão.
Apenas a negrura concreta na noite envolvente.
Cena 3 - O acontecimento
O carro, implacável, segue pela estrada riscando a paisagem. A viagem
prossegue. Num momento qualquer, como que brotando do asfalto, surge um vulto
assustado que encara o carro de frente. Seus olhos refletem o brilho frio dos
faróis. Pavor dentro e fora do carro. Choque violento. Sensação
do impacto ferindo a carne. Um grito fica contido nas gargantas adormecidas.
Alguns murmúrios. Nenhum comentário. O carro todo treme como se
estivesse com os nervos à flor da pele. Dança uma dança
louca. Parece que se rebela, não quer seguir em frente. Geme também.
Com habilidade o motorista domina a máquina, mas o baque fica cravado
em cada um dos passageiros. Indecisão. O carro ainda vacila por mais
um instante depois segue em frente. Noite escura. Muito escura. Pelo vidro traseiro
ainda se pode ver a sombra estendida na estrada sendo engolida pela escuridão.
Um cachorro... Ou quem sabe um bezerro... Ou... Talvez... Tudo tão rápido.
A cena, como se fosse um quadro fixado no espaço, vai se distanciando.
O carro segue cortando a noite. Continua veloz. Os faróis ferindo a escuridão.
A imagem desaparece absorvida pelas trevas. Extingue-se.
No interior do carro - silêncio. Nas gargantas ainda o grito, travado,
impotente, de espanto e dor.
Lá fora - a noite de verão. Quente. Escura. Insondável.