- Isto é para você.
Ela abriu a caixa, sem jeito. Não sabia receber presentes. E presentes
com caixas e pacotes muito elaborados a punham nervosa. Ao abrir, parecia que
estava olhando para um objeto estranho, alienígena, radioativo. Não
se atreveria a tocá-lo.
Sorrindo da imobilidade dela, ele antecipou o movimento. O toque dos dedos dele
em sua nuca arrepiou todos os seus pelos: delicadamente, ele colocou o colar
em seu pescoço. Corrente de ouro, pingente e brincos de topázio,
grandes e lapidados à perfeição, um brilho azulado de céu
sem nuvens. Joias lindas, mas que nada tinham em comum com ela, com seu
jeito simples de ser, de vestir. Enormes para seu gosto discreto. Absurdas para
seu despojamento.
- Não posso aceitar isso - disse-lhe.
A decepção no rosto dele era patente. Certamente já sabia
o que ela iria dizer-lhe, mas guardava no fundo a esperança de que fosse
seduzida pela vaidade.
Uma sequência de sentimentos absolutamente contraditórios
a tomou, então. A ideia de que ele havia ido até uma loja,
escolhido algo para ela (apesar de, como sempre, ter baseado a escolha em seu
próprio gosto, e não no dela), ter dito para a vendedora para
quem era o presente e assim fazê-la escrever, provavelmente soletrando-lhe,
o nome dela na garantia; ter disponibilizado seu tempo e seu dinheiro para ela
- tudo isso a emocionava e incomodava. Mas um presente como aquele, vistoso
e enorme, absolutamente incompatível com seu estilo, estava fora de cogitação.
- Não posso aceitar isso.
E, abraçada a ele, pôs-se a chorar como criança, porque
queria aceitá-lo nem que fosse só para deixá-lo guardado
numa gaveta qualquer, e dali a alguns anos olhá-lo e lembrar do toque
dele no seu pescoço e do rosto dele molhado pelas suas lágrimas,
porque sabia que tudo era efêmero e ia se acabar em breve, e então
ela teria algo palpável para se lembrar, como num filme... quem sabe
um dia mostrar à sua filha e contar a ela, romanceando uma história
tão pouco romântica, mas que tinha como lembrança uma joia
tão bonita e bem feita, que nunca haveria de ser usada...
Ele insistiu com docilidade, com paixão, sob uma aura de romantismo que
para ela soava quase como uma declaração de amor. E ela, tocada
e fragilizada, aceitou e escondeu a joia e sua caixa exuberante.
No dia seguinte, mais calma e cheia de argumentos racionais, devolveu-lhe o
presente. Pediu-lhe que o desse a Ela, pois era o estilo dEla, e não
o seu próprio. Ele a estava confundindo, e além do mais nunca
poderia usar aquilo sem ser questionada sobre sua origem, algo incompatível
com suas posses, seu gosto e seu interesse. E qualquer pessoa diria tratar-se
de uma joia verdadeira, pois uma imitação tão perfeita
é um artigo difícil de se ver, etc, etc. Além do mais,
não compraria nada que imitasse tão perfeitamente outra coisa:
para ela, ou o original, ou algo totalmente diferente... todas as pessoas que
a conheciam sabiam de sua aversão por imitações, fosse
de materiais ou de produtos, acabamentos, condutas, sentimentos. E, pelo jeito,
só ele não sabia disso, como nunca soube de muitas outras coisas
aparentemente óbvias a seu respeito, por absoluta falta de interesse.
Esse era o jeito dele, encantador sob sua ótica apaixonada.
Mas não houve meios de dissuadi-lo da ideia de presenteá-la
com uma joia. Como um troféu, queria vê-la adornada para
ele, seu machismo incontido vazando pelos olhos, o brilho do ouro reluzindo
no pescoço de sua propriedade - o poder e a posse. Levou a caixa naquele
dia, mas voltou dias depois com outra, menor, apenas uma corrente e um pequeno
pingente (o mesmo topázio, a mesma lapidação, uma linda
miniatura do primeiro céu) com argumentos tão doces - e tão
potencializados por seu sorriso devastador - que foi impossível para
ela refutar.
Ela aceitou o presente que o fazia tão orgulhoso, mas se lhe dissesse
o que significava de verdade aquela joia para ela, ele ficaria ofendido.
Foi seu gesto que a comoveu, como a teria comovido igualmente se o objeto fosse
uma caneta, uma flor, um fósforo riscado, uma bala. Ela acreditava sinceramente
que ele não seria capaz de entender isso, não agora; um dia, no
passado, ele teria entendido. E ela buscava desesperadamente dentro dele esse
que era, mas só achava de fato aquele que tinha.
Alguns dias mais tarde, haveria uma reunião de amigos, onde se encontrariam.
Ela usou seu presente pela primeira vez. E ele entrou com Ela, perfumada demais
e com a roupa extravagante quase encobrindo a joia primeira, que Ela
usava completa, brincos e colar. Talvez Ela não tenha notado a estranha
coincidência dos pingentes tão semelhantes, a matriz e sua miniatura.
Ela não notou também as suas saídas rápidas e estratégicas
para o banheiro, quando as lágrimas estavam quase se exibindo, brilhantes
como topázios. Ela não percebeu seus olhares cheios de paixão
para o marido dEla, sua propriedade, aquele que lhe dava joias, lindas
como aquelas que Ela provavelmente também estava usando pela primeira
vez. Suas mulheres! Como ele deve estar orgulhoso, pensou consigo mesma.
A situação absurda a fazia gaguejar, seu rosto afogueado refletia
toda a bebida alcoólica que ela de fato não havia tomado, seus
olhos se umedeciam por nada. Ô Deus, pensava, o que é que estou
fazendo? Onde estou com a cabeça, meu cérebro vagando por onde?
O que aconteceu com minha dignidade, meu orgulho, minha altivez inútil...
e por que a paixão nos rende, nos imbeciliza, nos domina a ponto de...
Nunca mais deixou de usar aquele topázio. Era lindo. Pequeno e discreto;
combinava com ela. Azul é uma cor de que gostava muito. E o que sempre
lhe vinha à cabeça era a cena em que ela, após ter colocado
a corrente no pescoço, se divertia ao atirar a caixa da joia numa
caçamba de entulho a partir da janela do carro dele em movimento, internamente
imaginando que quem achasse aquela fina caixa de veludo azul, vazia, entre pedaços
de concreto e ferro retorcido, jamais desconfiaria da história fechada
para sempre dentro dela.