O sol estava a pino quando a figura esguia e suja do cavaleiro surgiu no horizonte
sobre um cavalo moribundo e fedorento. Dias de poeira do deserto acumulado nos
seus cabelos, na sua barba densa e emaranhada e sobre as suas roupas. Sob a
aba do chapéu, em meio às rugas e marcas do tempo, seus olhos
se fixavam obstinadamente em nada enquanto cavalgava cidade adentro.
De fato, não era exatamente uma cidade, mas uma longa rua apinhada de
casebres de madeiras. Um ponto de abastecimento para os viajantes do oeste.
Cavalos e carroças passavam, sufocando o lugar numa constante nuvem de
pó e cascalhos, mas ninguém ficava ali. Era um ponto esquecido
no mapa. Podia se ver ainda uma ou outra pessoa, que por algum desfortúnio
do destino morava naquele fim-de-mundo, mas em geral a longa e poeirenta rua
permanecia sob a companhia do sol e de ninguém mais. Por isso ninguém
notou quando o forasteiro chegou - e ele preferia assim. Sem ninguém
a ter que dar explicações, ele parou seu cavalo em frente ao que
parecia ser um bar. Uma placa de metal enferrujado pendia sobre a pobre construção
de madeira, cujas tábuas pareciam querer ruir a qualquer momento. Os
dizeres nela há muito haviam se apagado. O cavalo enfiou a cara avidamente
dentro de um bebedouro, e o forasteiro entrou.
Aquela cidade era como qualquer outra que ele já havia estado. E assim
também era o bar. O mesmo ar fedendo a suor, cerveja e fumo, os mesmos
beberrões debruçados sobre suas garrafas, talvez houvesse ainda
uma mesa com alguns senhores se distraindo com um baralho, talvez até
alguma mulher estivesse ali para oferecer seus prazeres pelo preço de
um copo de cerveja, mas nada que importasse ao forasteiro, que se dirigiu diretamente
ao balcão e com um discreto gesto de cabeça pediu ao velho barman
que lhe servisse uma generosa dose de uísque em troca das moedas que
ele agora jogava sobre o balcão. Por um mero instante, qualquer pesar
que estivesse a lhe perturbar a mente sumiria com o sorver do amargo da bebida.
O velho detrás do balcão fez menção de perguntar
ao recém-chegado que motivos o traziam àquele canto de terra morta,
mas virou-se indiferentemente e continuou despachando bebidas a seus outros
poucos fregueses.
O forasteiro sentou-se no alpendre à porta do bar, tirou do bolso de
sua blusa um pequeno saco de fumo e uma folha de seda. Enrolou um sobre o outro
pacientemente, acendeu com um fósforo e por alguns minutos ficou ali
admirando o céu azul e fumando seu cigarro de palha. "Já
está na hora", pensou. Tirou de um outro bolso um pedaço
de papel amarelo e amarrotado com alguns dizeres rabiscados em lápis.
Leu algumas vezes para ter certeza de que estava na cidade certa. Guardou-o,
e de um terceiro bolso puxou um retrato. A fotografia já estava bem desgastada,
mas ainda assim era possível distinguir a imagem em preto-e-branco de
uma jovem moça branca de cabelos loiros, com não mais que vinte
anos de idade. Por alguns instantes o forasteiro permaneceu observando a foto
como que relembrando algo. Se eram memórias agradáveis ou que
deveriam ser esquecidas, seu rosto duro não deixava transparecer.
Foi quando na outra ponta da cidade surgiu a figura esguia e suja de um outro
cavaleiro. "Já está na hora", pensou. O forasteiro apagou
seu cigarro, guardou no bolso a ponta, se levantou e foi para o meio da rua.
Galopando com igual exaustão e determinação, vinha um garoto
em sua direção. Num movimento brusco parou o cavalo e pulou ao
chão mantendo a mão sobre a coronha de uma pistola que trazia
presa à cintura.
O garoto que desceu do cavalo era exatamente isso, um garoto. O rosto, mesmo
que queimado e maltratado pelo sol do deserto, guardava ainda as feições
leves da juventude, e alguns traços de ódio.
Por alguns momentos permaneceram calados. Um esperando que o outro dissesse
algo.
"Você ainda tem a foto?", perguntou o garoto com a voz tremida.
"Tenho", respondeu o velho com a voz triste.
"Você a matou."
O velho ficou calado.
"Você merece morrer."
"Eu sei", disse o velho. "Já está na hora",
pensou.
Mas ele já sabia que não seria assim. Da hora em que o garoto
desceu do cavalo, ávido pelo confronto, o velho já sabia o que
viria depois. Mas ainda assim esperou por seu oponente fazer o primeiro movimento.
Observou com toda calma que os anos de vida lhe trouxeram enquanto o garoto
sacava sua arma reluzente. Mas os instintos do velho pistoleiro ganharam do
ímpeto do jovem. Que foi ao chão sem nem ao menos ter apertado
o gatilho. O som surdo do tiro logo sumiu no meio do nada. O velho caminhou
até o corpo e ficou parado fazendo sombra nele. A bala o atingira bem
no peito. Um círculo vermelho começava a se formar na camisa branca
de algodão. "Mais um", pensou. Ainda segurando a arma encostada
à perna direita, imaginou como seria fácil terminar com tudo naquele
momento. Imaginou como seria fácil morder o cano do revólver e
apertar o gatilho. Fácil demais.
Ele pegou a foto e a colocou com cuidado sobre o torso ensanguentado do
garoto. Vasculhou seus bolsos por alguns trocados e entrou novamente no bar.
As pessoas ao redor o olharam com certo temor. Jogou as moedas em cima do balcão
e aguardou. O velho do outro lado lhe deu uma nova dose de uísque e falou
sem olhá-lo nos olhos.
"Enterrei meu último filho há vinte anos atrás."
O forasteiro segurou o copo na mão por alguns instantes, como se procurando
por algo dentro dele. E então bebeu.
"Há vinte anos eu não saio deste bar. O que é que
pode haver lá fora que eu ainda não tenha visto? É só
mais uma terra de velhos."
Calado, o forasteiro se retirou, montou no seu cavalo e saiu.
Em alguns minutos, a cidade sumiu de sua vista, e só o que restava à
sua volta era a imensidão branca e seca do deserto.