Saiu do elevador e o corredor estava em trevas. Uma luz amarela, ao fundo,
mal iluminava o ambiente. Apenas o som abafado do elevador zunindo denunciava
a presença de vida por ali.
Olhou para os dois lados sem distinguir vivalma. Os conjuntos estavam submersos
no mais completo silêncio.
Tateou a parede até tocar o interruptor próximo à porta,
que acessava as escadas e os corredores interligando os andares.
A luz iluminou o tempo suficiente para que visse qual a porta que procurava.
O cheiro forte de temperos e alguns sons reduzidos a murmúrios eram as
únicas companhias possíveis.
Empertigou-se diante da porta. Pigarreou levemente, para não despertar
curiosidades eventuais. Aprumou-se, ajeitando algo que tirou do bolso interno
do paletó.
Tocou a campainha, que ressoou como uma sirene absurdamente barulhenta.
Um filete sutil de suor escorria por sua têmpora. O cabelo revolto e
cortado ao modo dos "marines" conferia-lhe um aspecto de estrangeiro.
Os olhos eram azuis, porém sob aquela iluminação pareciam
negros, sem vida, morbidamente sem vida.
Um barulho súbito na maçaneta. Alguém arrastando os pés
sobre o assoalho. A maçaneta girou em falso.
À porta um sujeito atarracado, barba por fazer, semblante marcado por
rugas e uma cicatriz, encarou o par de olhos negros.
- O que deseja?
- O Sr. é o Sr. Paulo Mello?
- E se fosse?
O outro perguntou novamente: - É o Sr. Paulo Mello?
O barbado fez menção de fechar a porta, mas foi impedido.
- O que é que você quer, moleque?
O de olhos azuis escuros fitou-o com frieza:
- Pelo visto é o próprio, eu imagino.
- Escute aqui, fedelho, eu.....
Mal teve tempo de dizer "três". Dois estampidos curtos se fizeram
ouvir, como uma descarga de um cano pelas paredes do prédio velho e mal
cheiroso.
O corpo curvou-se para a frente, retorceu-se no ar e foi de costas para o chão.
Os olhos dele fitavam o rapaz, que segurava uma pistola automática com
silenciador.
- Lamento, mas não é nada pessoal.
Olhou ao redor. Os únicos sons que podia ouvir eram os que vinham de
uma velha TV ligada na sala.
- Mas nunca mais me chame de moleque, ou fedelho....
Deu um sorriso para o homem caído, que de olhos vidrados ainda respirava.
Dois orifícios escurecidos brotavam do peito.
- Preciso fazer um serviço limpo - sussurrou, como se falasse consigo
mesmo.
- Não posso permitir que você sobreviva.
Mirou na cabeça do homem e disparou.
- Lamento....senhor. Foram ordens que tive que cumprir. Não me leve
a mal.
Empurrou o corpo caído para dentro, utilizando os próprios pés
e fechou a porta por fora.
Retirou as luvas, meteu-as no bolso do paletó, perfilou-se, e desceu
pelas escadas.
O único barulho que se ouvia era do elevador zunindo, como um inseto
qualquer que procurasse uma saída sem encontrá-la.