A Garganta da Serpente
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Janine

(Tiago Oliveira Crowley)

Instinto...

Estranho......

Hoje sonhei que Janine havia cruzado metade do planeta, saído de Portugal e chegado aqui em Salvador. O mais estranho do sonho é que a encontrei na ladeira do Pelourinho e ela estava andando de cavalo! Então tivemos a seguinte conversa:

Eu- Como você veio Janine?

Janine me olhou sorridente e respondeu - Voando! Eu - Mas como trouxe o cavalo?

Janine - Eu vim voando de cavalo.

Eu - Mas como assim voando de cavalo?

Janine - É que ele voa...

eu - Quer dizer que seu cavalo voa? Tás louca ou Tás brincando!?

Janine - na verdade, na verdade, eu também voo! ele voa, pássaros voam, muita gente voa, qualquer um pode voar!

Eu- Se você voa, por que veio de cavalo?

Janine - Por que eu adoro cavalos....adoro cavalos, vou ser cavalo na próxima encarnação, são tão fortes e inteligentes, não achas?

Eu- E você pode me ensinar a voar?

Janine - Claro, mas tem que desejar isso de verdade e ter fé! Eu: E como você aprendeu?

Janine - Com o cavalo. Quando eu era pequena eu tinha o costume de montar ele e fechar os olhos; era como se eu estivesse voando. Até que um dia abri os olhos e estava no meio das nuvens. Achei que era um sonho, só que quando cheguei em casa percebi que não estava dormindo. eu: pode me ensinar a voar agora?

Janine - Venha! Suba!!!

E saímos voando por aí de cavalo, passamos pelo rio de janeiro,

e fomos parar na Capela dos Ossos. Janine - Não foi aqui que você queria vir?

eu- Mas como o cavalo sabia? Janine - O mal da humanidade é acreditar que os animais não pensam e não sentem! Eles são tão ou mais inteligentes do que nós! Tem instintos mais avançados, seguem sempre seus sentimentos fielmente, ao contrário da maioria dos seres humanos do planeta.

Além de não destruírem seu próprio povo por ganância....



eu - É verdade! Mas como vou aprender a voar?



Janine - Entre na capela dos ossos. Seu milagre e suas asas estão esperando por você! Eu ficarei aqui, o tempo que for necessário, te esperando. Espero que encontre logo. Nós estaremos aqui o tempo que for preciso. Na verdade o tempo dentro da capela dos ossos não existe. Só para os que dele tem medo. Como você não teme o tempo, acho que vais encontrar-te muito fácil.



E sorriu, enquanto as portas da capela se abriram em minha frente.

Ainda confuso e com um pouco de medo pelo fato de estar só (sem Janine) dentro da capela.

Entrei lentamente, olhei para trás e vi novamente teu sorriso, que me deu forças e alegria para seguir em frente...

Entrei só na Capela dos Ossos, fazia muito frio.

As cenas que vi em minha frente me fizeram relembrar meus mortos. Minha mãe, meu avô, meus amigos e senti muita saudade deles.

Comecei a chorar lembrando do tempo que perdi em minha vida. Chorei muito. Pensava em Quanto tempo perdi longe de pessoas tão importantes pra mim. Lembrei que Janine havia me dito que na capela dos ossos o tempo não existia. então percebi que aquelas lembranças eram uma grande fantasia que tentava me desviar dos meus caminhos. afinal era uma loucura passar minha vida toda chorando pelos meus medos do passado.



Então segui em frente. Queria gritar teu nome, mas sabia que deveria seguir sozinho. e fui. Encontrei então três portas. e uma voz (que me lembrava o som do trovão)me veio aos ouvidos: Voz - Tens que escolher duas destas três portas se desejas encontrar as tuas asas. Mas tenhas cuidado, esse jogo pode ser mais perigoso do que tú imaginas.... e um grande estrondo fez meus ouvidos por um instante parar de ouvir aquela voz, que ao mesmo tempo me assustava e me transmitia uma calma como nunca havia acontecido.



E deveria escolher as portas. Confesso que minha escolha se baseou no fato de que nunca gostei das coisas mornas, sempre preferi o quente ou o frio. por isso escolhi a porta direita e a da esquerda, deixando a porta do meio para trás.



A porta da direita se abriu, então percebi que aquela porta era a porta dos meus erros. E haviam muitos erros. de todos os tipos e formas. erros cometidos por mim desde a infância. da menor mentira ao ato mais inescrupuloso por mim já cometido.

Como errei em minha vida. errei comigo mesmo, errei com minha família, com meus amigos, com aqueles que nem conhecia. vi todos os meus julgamentos equivocados. pessoas que queriam na verdade me ajudar foram justamente aquelas que eu via com desconfiança, enchendo minha vida de decisões precipitadas baseadas em preconceitos e que me levaram à anos de sofrimento.



Queria sair rapidamente daquela porta. Era muito duro pra mim enfrentar meus próprios erros, mas eu não conseguia retornar e abrir a porta.



A voz novamente veio aos meus ouvidos e questionou-me:

Voz - O que aprendeste na porta dos teus erros?



(Eu sabia que só sairia dali mediante uma resposta correta então calei-me durante horas) e lembrando das palavras de Janine sobre o tempo, novamente chorei.

Quis por um momento tirar a minha vida, como se esta fosse a única forma de compensar meus desenganos.

Sentia-me um covarde também para cometer tal ato.

A covardia que me assolou durante toda a minha vida tomou forma e era a visão mais assustadora que já havia visto. Havia cheiro de sangue, enxofre e eu ouvia gritos.

Gritei desesperado, tentando encontrar-me novamente com aquela voz.....



Eu - Aprendi que a covardia de viver verdadeiramente e de insistir em nossos desejos, nos leva a cometer erros que no final da vida retornarão a nós, como num ir e vir infinito.....



Então, ainda num silêncio profundo na capela, a porta se abriu...........

Entrei desesperado pela porta da direita, sabendo que qualquer coisa seria melhor do que a porta dos meus erros.

O lugar era escuro mas ainda conseguia ver uma luz distante ao fundo.

Naquele momento percebi onde estava. Aquela era a porta dos meus acertos e aos poucos, abrindo para mim.

Senti um alívio total deitei-me no chão com meus acertos e dormi tranquilamente. Quando acordei percebi que haviam menos acertos do que erros, mas pude perceber o quanto apesar dos meus erros fui uma pessoa de coração puro, na tentativa de ajudar aos menos favorecidos.

Havia até me prejudicado diversas vezes por querer fazer mais para os outros do que para mim mesmo.



Revi meus amores, revi meus verdadeiros amigos, conquistados sem a força do capital ou dos interesses.

Revi meus melhores momentos, minhas vitórias, meus passos pela areia da praia com as pessoas que eu amo....



Vi minha casa sendo construída por pessoas que realmente acreditavam em mim, pessoas que confiavam e que de uma certa forma me seguiam pelo poder de admiração que consigo causar nas pessoas.

Vi meu filho Iago, o maior acerto de todos desde que nasci. Vi como ele me ama, como consigo passar para ele as coisas boas que a vida havia me ensinado.



A voz novamente entrou como um raio pelos meus ouvidos e novamente escutei o seu questionamento: Voz - O que aprendestes com o seus acertos?

Confesso que a primeira pergunta era muito mais fácil do que aquela, pois era fácil deduzir que deveria a partir daquela momento parar de cometer erros por falta de coragem de seguir o que eu realmente desejava. Seguir meus instintos. Mas o que eu aprendi com meus acertos? Essa era uma pergunta que parecia simples, mas se transformava em mais complicada a cada segundo que passava...



Deitei-me no colo de meu filho e comecei a chorar novamente. Mas não era um choro de tristeza. Era um misto de sensações de prazer e dor que ao mesmo tempo invadiam meu peito e me traziam lembranças.

Adormeci com meu filhote fazendo carinho nos meus cabelos e quando acordei já sabia a resposta.



E gritei àquela voz:



Eu - Aprendi que devo seguir minhas intuições, cuidar de meu filho e criar um novo mundo para que ele possa viver.



E a voz respondeu: Voz - Resposta interessante, mas não é a correta. Não te trará as suas asas, mas ainda assim te darei sua liberdade. Pode sair da capela, mas se queres voar tem que fazer sua alma chegar mais alto! E chegar ao alto é pensar no todo e não no indivíduo como um só. Talvez se houvesse escolhido a porta do meio encontrarias teus milagres e certamente também as tuas asas.....



E novamente o medo invadiu-me. Como chegaria lá fora sem as minhas asas? Como olharia para Janine sem minhas asas? O que acharias de mim? Como poderia vê-la com essa sensação de impotência por não ter conseguido cumprir meus objetivos?



Abriu-se diante de mim naquele momento, um imenso corredor, onde eu podia ver as imagens de pessoas me julgando. Me julgando por ter errado, me julgando por ter acertado, me julgando por minhas roupas, pela minha forma de falar, de querer e de viver.....

O corredor dos julgamentos deixou meu coração muito apertado e a cada novo julgamento era como se eu fosse o próprio Cristo no caminho até o calvário. Então firmei meu pensamento no mestre Jesus. Lembrei de Buda, lembrei de Bob marley, lembrei de muita gente enquanto corria desesperadamente em busca da saída.



Encontrei ainda nesse corredor com Florbela Espanca. Parei. Senti muita felicidade. Sempre amei suas poesias.

Sabia eu que ela havia se suicidado, com uma dose excessiva de um remédio chamado Veronal.

E ao iniciar nossa conversa, fui logo perguntando:



Eu - Por que tiraste sua própria vida?



Florbela - Porque deixei os meus medos tomarem conta dela. Toda coragem que eu tive são aquelas que consegui colocar no papel. Nunca consegui colocar os meus desejos na prática. Vivi uma fantasia durante toda a minha história e quando percebi que o mundo virou as costas aos meus desejos não vi mais sentido pra continuar......



Eu - Mas isso foi um grande erro. Tu és linda, tuas poesias são a mais bela expressão de verdade que já li.



Florbela - É verdade. Foi um erro, mas hoje tenho consciência de que através desse erro é que fui imortalizada e tenho feito muitas pessoas se melhorarem e serem mais livres através dos meus poemas.....



As perguntas que assombravam minha mente durante aqueles dias na capela, tornaram-se claras e finalmente consegui achar a porta de entrada, onde sabia que ia finalmente reencontraria Janine.

Me sentia imensamente feliz, como nunca, e apesar de não ter conseguido minhas asas, havia aprendido muito durante minha permanência naquela lugar santificado.

Havia escolhido as portas erradas naquele caso e sabia que eu não tinha mais tempo para abrir a porta certa, pelo menos por enquanto.....



Abri a porta da capela e Janine estava dormindo como uma criança, no chão, aos pés do seu cavalo.....



Decidi não acordá-la, afinal, não acreditava mais no tempo......

Quando Janine acordou, olhou-me lentamente, sorriu como era de costume e falou ainda com voz de sono:



Janine - quando estavas fora, comecei a voar por Portugal e realmente fiquei admirada. Tantas coisas bem perto de mim, só que eu desconhecia por total. tão próximo que eu nem me dava conta. Como isso é engraçado....



Eu - Isso é normal Janine, isso acontece o tempo todo com todas as pessoas do planeta. Comigo também! O bom é que agora reconhecemos a verdade pra poder aproveitar melhor as circunstâncias que a vida e nossas escolhas nos fazem passar.



Janine - E está tudo tão claro agora... bem que o cavalo falou...



(E olhamos um para o outro subitamente e sorrimos. Sorrimos muito.)



Janine - E as asas? Como foi durante a busca? O que achou do nosso pai?



Eu - Nosso pai? Então era dele aquela voz?



Janine - Quer dizer que não o viste?

Que pena , isso quer dizer que você não conseguiu suas asas, não é?



Então eu percebi que Janine sabia exatamente tudo aquilo pelo qual eu havia acabado de passar!

Meus erros, meus acertos, meus medos, minhas alegrias. Como será que Janine havia reagido?

Quais seriam os seus medos?



(E enquanto uma série de perguntas ocorriam-me simultaneamente sobre Janine, acabei por mergulhar na profundeza daqueles olhos.)

Parecia uma mistura de cores. Cores que hipnotizavam e me faziam enxergar um caleidoscópio de girassóis.

Era como o rio, como o mar, como as estrelas.



Havia tanta certeza naqueles olhos que descobri automaticamente por que ela havia conseguido suas asas. A certeza, A confiança, aquilo que me faltava.



Eu havia passado toda a minha vida cercado de dúvidas e medos. Deixava de seguir o meu próprio caminho para viver baseando-me naquilo que as outras pessoas desejavam. Deixava de falar o que sentia, para falar o que as pessoas queriam ouvir. deixei de viver o meu eu verdadeiro para viver o que o sistema induzia. Mas finalmente agora eu estava livre....



Quantas vezes deixei de dizer eu te amo.

Quantas vezes me recusei a insistir nos meus planos.

Quantas vezes desisti no meio do caminho.



Percebi nos olhos de Janine, que ela sabia exatamente tudo o que eu estava pensando, conhecia meus caminhos e as minhas fragilidades.

Ela sorriu quase sem graça e falou:



Janine - Não te tortures Tiago, não te condenes... O nosso pai não pune, não castiga e não condena. Ele te conhece por inteiro e sabe exatamente a verdade sobre a vida. Agora o que precisamos mesmo saber é como vamos conseguir as tuas asas! Nem eu nem você poderá abrir aquela porta. Eu acho que devíamos nos deitar um pouco e descansar! você deve ter tido muito trabalho por hoje lá dentro. durma um pouco e amanhã tornamos a tentar ir atrás das tuas asas... A voz de Janine entrava em meus ouvidos como um comando e sentindo todo o cansaço do mundo sobre os meus ombros, obedeço sua ordem e imediatamente caio em sono profundo..



Foi uma noite fria, mas ao lado de Janine sentia-me como no útero materno. Sentia-me confortável entre os teus braços. Havia um cheiro agradável de Mato e terra em teus cabelos.

Dormi naquele dia um sono sem sonhos..



Acordamos e incrivelmente ainda estava escuro. (Parece realmente que outro tempo rege este santuário). Então perguntei a Janine:



Eu - Como faremos agora para conseguir minhas asas?



Janine - Deixe a insegurança de lado e tenha fé! Não desista! Vamos entrar lá novamente e tentar falar com o nosso pai.



E ela violentamente abriu a porta a capela.

Antes de ser arrastado por Janine por completo observei algo que estava escrito na parede de entrada da Capela:



"NÓS OSSOS QUE AQUI ESTAMOS PELOS VOSSOS ESPERAMOS."



Pensando naquelas palavras fui arrastado pelo mesmo corredor por Janine....



Chegamos em frente daquelas mesmas portas do dia anterior. Senti um frio na espinha lembrando de tudo aquilo que havia passado.

A mão de Janine ainda estava colada na minha, quando ouvimos a voz do nosso pai:

Nosso Pai - Janine, minha filha! Tú sabes que não podes abrir essa porta, suas portas já foram abertas e e tem que deixar ele descobrir seus próprios caminhos. Podes ajudar ele na busca das asas, mas não podes abrir esta porta.



Sabes que se quiseres abri-la estarás entregando para ele a liberdade, mas também sabes que isso tirará o teu direito de voar... Janine calou-se momentaneamente, mas insistiu durante alguns minutos para que eu aceitasse em receber minhas asas em troca das dela , o que automaticamente recusei.

Ela fazia aquilo de coração puro. Ela queria me ajudar.

Era como se isso fizesse parte dela o tempo todo. A necessidade de ajudar os outros. Era incrível. mas eu não poderia aceitar a sua oferta..



Naquele momento, uma tristeza muito grande me invadiu. sufocou minha alma, atravessou minha mente. Depois de todo aquele tempo, o olhar de Janine agora fitava-me com um olhar de impotência.

Sentia-me culpado.



Quando chegamos a saída daquela fantástica capela já estávamos mais tranquilos.



Escutava uma voz em minha mente. Essa voz repetia durante todo o tempo: Não desista, siga, lute, vá.

Dentro de mim algo falava que estava tudo acabado. Era a hora de voltar. Eu abri a porta de saída e tive uma enorme alegria ao ver que o nosso fiel companheiro cavalo, ainda estava lá!

Subimos no Cavalo e desejei ir para casa. Já estávamos a caminho.

De repente escutei novamente a voz que me dizia para eu nunca desistir. Só que agora reconheci de imediato de quem era aquela voz. Era a voz de Janine que virando o rumo da nossa viagem bruscamente grita:



Janine - Avante aos nossos desejos, avante a capela dos ossos novamente!!!!!



Então o cavalo mudando de rumo, vira-se, ultrapassa a velocidade do som, adentra a capela dos ossos e invade a porta do meio que me faltava conhecer.

Será que estavam lá as minhas asas? o que haveria lá dentro?



Eu - Janine, sabes que vai perder as tuas asas, porque fizestes isso?

Janine - Aprenda a respeitar o livre arbítrio das pessoas e encontrarás seu livre arbítrio. E afinal, não foi eu quem abriu esta porta. Foi o cavalo. E sorriu. Foi ele que insistiu o tempo todo para que nós voltássemos.



Cavalo - É caro amigo, fique tranquilo. Eu já voei demais por todos os cantos que tú possas imaginar. Quantas pessoas durante todos esses anos eu trouxe aqui para encontrar as asas! para encontrar caminhos! Para revelar-lhes o segredo. Foram muitos os que desistiram na primeira porta. Eu estou cansado, amigo. Chegou a hora de voltar a viver entre os outros cavalos, voltar as minhas origens e encontrar meus outros eus. Minha unidade, meu eu superior.

Agora vão! deixe que Janine te ajude dentro dessa porta, aprenda com esse cavalo. encontre o não tempo e não desista. Se vão antes que a porta se feche. Feche os olhos, confie em Janine e deixe o teu coração te guiar para o alto.!!!!!

Eu - Obrigado cavalo. Nunca esquecerei o que tú fizeste por mim.

Eu - Janine, achas que podes me ajudar dentro dessa porta? Estarei com os olhos fechados . Então espero que possa me guiar durante a minha permanência atrás das minhas asas.

o que achas?



Janine - Claro que posso! O que estamos esperando? Vamos! Rápido....



E entramos naquela porta. Eu de olhos fechados e Janine a segurar as minhas mãos.



Eu - onde estamos Janine?



Janine - Numa festa. Numa grande festa!



Eu - E quem são os convidados?



Janine - Eu não os conheço, mas sei pelo olhar que eles estavam te esperando. Estavam esperando você para o baile começar.



Então uma música, que me lembrava uma valsa, começou a tocar.

Janine juntou suas mãos nas minhas, encostou seu corpo no meu e começamos a dançar lentamente. Era realmente uma valsa. E embora não tivesse eu acostumado a dançar sentia-me agradavelmente tranquilo, a deixar que Janine guiasse os meus passos.

Sentia-me como uma criança, que por milagre acabara de nascer. Sentia-me leve e preparava-me para voar.

Sabia que estava chegando perto de minhas asas e a confiança que eu tinha em Janine me fazia sentir cada vez mais perto dos meus objetivos.



Janine - Voar é tão fácil e natural como respirar. sabias? Suas asas estão tão perto de ti que não consegues enxergar. Se acreditares que elas estão distantes de ti, elas vão se distanciar cada vez mais. Saiba disso! Você cria sua própria realidade. Sinta essas pessoas. Sinta a alegria delas. Veja que isso tudo está sendo criado por você nesse momento.



E a voz de Janine invadia meu ouvidos ao mesmo passo da melodia da valsa. por um instante o nervosismo que sentia deu lugar a uma alegria ininterrupta e mesmo de olhos fechados podia reconhecer como familiar todos os convidados daquela festa.



Janine - O cavalo me disse tantas coisas sobre nós dois! Disse que te conheço a muito tempo. Parece que sempre estivemos juntos. Em outras encarnações. Me contou sobre nossas histórias de amor, nossas viagens ao redor do mundo, me falou sobre todas as vezes que você me ajudou a conseguir minhas asas e me falou que agora é a minha vez de fazer o mesmo por você!



eu - Obrigado Janine, sabia disso desde a primeira vez que vi o teu sorriso. Reconheci ele como sendo um sorriso familiar. Reconheci teus olhos, reconheci teu cheiro de mato, reconheci teu toque. reconheci tuas palavras.

E janine apertou seu corpo contra o meu, lançou suas mãos por trás da minha nuca e desatou os nós que me impediam de enxergar. Finalmente estava eu dentro daquela porta de olhos abertos. Finalmente poderia ver quem seriam os personagens daquela festa. Será que agora acharia minhas asas? Quem eram aquelas pessoas?

Janine - Se você tivesse conseguido reconhecer essas pessoas sem a necessidade de vê-los, você automaticamente receberia tuas asas. Mas siga. procure pela festa. Deixe o teu coração te guiar. Reconheça os teus novos e velhos amigos. Veja a existência deles dentro de ti e descubra o poder mágico que existe em seu coração.



Eu olhava para as pessoas que compunham aquela festa e tive um pouco de dificuldade para reconhecê-los.

Eram muitos. Estavam todos vestidos da mesma forma, me dando a impressão que eu estava num grande jogo entre iguais.



Quando consegui reconhecê-los, percebi que eles eram todos os meus erros, bailando lenta e sincronicamente com todos os meus acertos.



E eles eram como um só. não existia qualquer diferença entre uns e outros. Eles se tornavam um só!

Eles se completavam. Não existiriam separados. Não poderiam existir um sem os outros.



Percebi a verdade que cercava a minha vida. Descobri tudo aquilo que eu procurava durante anos e anos ininterruptamente.



Percebi que os meus erros e meus acertos fazem parte de um todo, que é parte integrante de uma grande força criada pelos meus desejos.



Não enxergava mais erro em meus erros. sabia que os meus acertos se multiplicavam, superando as faltas que havia cometido durante a minha vida.

Sabia que nada havia de errado em minhas dúvidas, em meus medos, em minhas angústias.

Descobri que elas fazem parte do grande processo de descobertas que são iguais a todos os seres humanos e que existiam para nos forçar a ir em busca dos nossos sonhos.

Sentia-me pela primeira vez em minha vida num estado de êxtase completo.

Era como se não tivesse forças para comandar meus passos. Sentia-me leve como o vento e durante um momento meu corpo ainda desnorteado começava a se desfragmentar. (lembrei-me da primeira vez que experimentei ahayuaska e que me vi voando por toda a cidade de Salvador. (Aquilo era fantástico.)



Ainda em transe pude ouvir quando a voz do nosso pai estrondou pelo ar e me fez os últimos questionamentos:



Nosso Pai: E então meu filho, o que aprendestes nessas portas sobre a vida?



Sabia que eram essas uma das últimas perguntas que haveria de responder antes de sair da capela. Sabia que minha resposta seria definitiva para conseguir minhas asas.



Procurei pensar bastante. Parei o tempo durante alguns instantes.

Olhei pra Janine e ela sorriu. Seu sorriso me mostrou que era possível viver a resposta. Sentir a resposta.

Não precisava de palavras para conversar com o nosso pai. Precisava ter fé. Compreender que minhas asas sempre estiveram comigo. O tempo todo. Todas as pessoas também eram unas comigo.

Todos durante todo o tempo estavam nas mesmas buscas que eu.



Éramos um afinal. Eu, nosso pai, meus erros, meus acertos, Janine e o cavalo Instinto (afinal, agora sabia seu nome)

Éramos incontestavelmente um! Um único e poderoso ser que era guiado pelo mundo para sua auto descoberta.

Éramos Deus. Éramos ar. Éramos fogo. Éramos luz. Éramos terra. Éramos éter. Éramos agua.



Então a voz do nosso pai veio novamente a mim.

e perguntou:

Nosso pai - O que buscas, meu filho.?



Eu pensei em responder que procurava minhas asas, mas algo dentro de mim me disse que a resposta não era aquela.

Havia mais na minha busca do que a procura das minhas asas. Eu buscava realmente minhas asas, mas sei que só as conseguiria se conseguisse enxergar o amor. E o amor estava em tudo.



Então olhei para alto e respondi:



Eu - O amor. Busco o amor. Só o amor. O amor que me trará a minhas asas. O amor que tudo cura. O amor que faz milagres. O amor que nos unifica. O amor que nos integra. O amor que começava a sentir naquele momento, por todas as pessoas.



Nosso Pai - E como podes enxergar o amor? questionou-me a voz!



Essa era mais uma resposta difícil. Sabia que deveria pensar para responder.

Nesse momento algo me fez olhar para o lado e ver Janine.

Comecei a enxergar nela o amor.

Enxerguei nela o amor personificado.

E nos abraçamos. E nos transformamos em um só ser.



De repente, como se num passe de mágica senti meus lábios tocarem os de Janine. Senti novamente seus dedos entre os meus dedos, seus cabelos sobre meus ombros. E aquilo que mais me atraía; seu olhar dentro do meu.



E ouvindo novamente o som da valsa que lentamente recomeçava. Senti os lábios de Janine me levarem para o alto.

Estava mais alto do que as nuvens, mais alto do que as estrelas, mais alto do que a lua. Estávamos fora do nosso planeta. Nas alturas onde o amor nos levou.



E sabendo que havia descoberto então as respostas a todas aquelas perguntas e em um estado de felicidade inexplicável respondi:



Eu - O Amor não se pode enxergar. Pode-se sentir. Em todos os lugares, por todas as pessoas e em todos os momentos.

O amor que sentia naquele momento havia sido personificado em uma pessoa, Janine.

Naquele momento, eu era capaz de sentir esse amor por todas as pessoas do planeta. Esse era o segredo. O poder de atração do amor. O poder que une as pessoas e nos transforma diariamente.



Então enxerguei o nosso pai. Senti minhas asas a crescerem em minhas costas. E pude soltar os doces lábios de Janine e me sentir seguro pelos ares.



O nosso pai era idêntico a mim. Ele era um outro eu, só que mais velho. Um eu experiente que já havia passado por todas as circunstâncias da vida. Um outro eu. Maior e mais completo.

Um eu, que ao me abraçar sumiu, entrando como se fosse um espírito no meu corpo.



E me senti um com ele também.

Vi em Janine o reflexo da felicidade. Janine sentia-se assim por ter conseguido me ajudar a encontrar as minhas asas.

Janine estava assim por que conseguiu me encontrar. estava sorrindo orgulhosa por sermos assim. bons. guiados pelo amor.



E vimos o cavalo, com seus irmãos. De volta as suas origens. E vimos um mundo de paz e de alegria. Um mundo que inevitavelmente veremos.

E vimos o futuro, o passado e o presente juntos.

Dançando um balé inevitável do não tempo. E sentimos o não tempo e nos olhamos como se nunca tivéssemos nos separado.



Saí do transe do primeiro voô e percebi que estava só!

Não sabia quanto tempo havia passado dentro da capela, mas percebia que Janine realmente estava certa. O tempo não existia.



Meu desejo guiava os meus pensamentos e minhas asas me levaram para onde eu queria. Para uma pracinha em Oeiras, onde pude reencontrar o meu amor.

Janine estava a ler um livro sobre alquimia e ao ver-me rolou pela grama comigo, me fazendo lembrar os nossos tempos de crianças em uma outra encarnação.

Pudemos então ver todas as nossas encarnações, ver as tantas vezes que nos encontramos e repetimos aquela cena de rolarmos pela grama.



Consegui ver Janine fechar os olhos esperando por um beijo meu. E como se desejasse novamente voar de mãos dadas, fomos parar na Bahia.



Havia muita festa em minha casa. Todos estavam felizes por perceberem que eu havia conseguido as minhas asas.



Meu filho ficou mais feliz ainda por perceber que agora meu peito estava novamente completo com ela, Janine.



Ele sabia Que ela num futuro próximo iria virar a melhor madrasta do mundo. e que o levaria ele para passear pelos céus durante a noite.

Sabia que seu pai agora poderia viver uma nova estória de amor e que a partir daquele momento não sofreria mais com as dúvidas e os medos que o atormentavam no passado.



Ele via nos meus olhos a expressão maior do que é a felicidade e sabia apesar de ser criança que a partir daquele momento , não só uma mudança estava acontecendo em nossa casa.

Ele sabia que uma mudança estava acontecendo em todos os cantos do mundo e que um raio de amor invadia cada país, cada cidade e cada coração desse planeta.



O amor. A resposta real para todos os problemas!

Tínhamos agora uma missão.

Mostrar para os povos que ainda era possível salvar a humanidade.

Nós sabíamos que a morte não existia, mas também sabíamos que aquele era o momento da grande transformação do mundo. Éramos três: Eu, Janine e meu filho. Éramos um e essa era a diferença: Tínhamos total consciência da nossa unidade.

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