A Garganta da Serpente
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Vitória Régia

(Thaty Marcondes)

Diz a história que a planta de origem amazônica recebeu este nome de seu "descobridor", um botânico inglês, em homenagem à RAINHA VITÓRIA, da Inglaterra.

Estão todos errados!

Trata-se de um problema onomatopéico e acentuatício, simplesmente. Errinhos de tradução escrivinhatícia, quando passada a lenda do tupi para o guarani, do guarani para o guaraná, fanta, coca-cola, tubaína e adjacentes.

A história é bem outra, devo acrescentar, com conhecimento de pesquisadora aprofundada nas invencionices indigestas das verdades indígenas.

Cunhã Poranga (que não é nome de fruta), irmã mais velha de Cunhatã, estava se admirando nas águas do Rio Paraná, do lado paraguaio. Anoiteceu e ela se assustou com o Curumim Boto (e não aborto, como alguns traduzem erroneamente). Quando viu aquele indiozinho ridículo, com terninho à lá Jovem Guarda, rosa clarinho, mais para Rosinha do que para Ricardão, exclamou com indignação made in Taiwan: "Oh, my God! Cruzes! O que é que eu fiz pra merecer isso?! Peço pra virar uma estrela e IaCica (a lua) me consegue uma faísca de quinta categoria?! Será que hoje ela está massa de tomate?".

A mãe da jovem, Catupiranga, esposa de Catapora, ao ouvir a exclamação da filha, correu pra dentro da oca ôca e caiu no choro. O marido tentou consolar:

- Calma, Catupiranga, ainda temos a mandioca!

- "Mandioca?" - exclamou a índia indignada - como você ousa me falar em comida numa hora dessas?

- Comida nada, minha índia! Colocamos Cunhã Poranga pra socar a mandioca no pilão, fazemos farinha, inventamos o beiju e vamos mais pra perto do mar, lá na aldeia dos Coroa Vermelha, onde será descoberto, oficialmente, o Brasil.

- E você acha que isso vai dar certo? E no que isso ajudaria Cunhã Poranga?

- Ela se acalma, pois fica distraída no trabalho. Nem vai ligar pro talzinho enviado por um algum deus a quem devo estar em falta com alguma promessa não cumprida.

E assim foi. A família mudou-se para a Bahia, morar em Santa Cruz de Cabrália, que àquela época ficou conhecida como Aldeia da Farofa.

Passadas algumas luas, Cunhã Poranga deu à luz um menino estranho, muito clarinho, branquinho e sem cabelos, muito diferente deles todos.

O pai boto, orgulhoso, enviou sinais de fumaça encomendando raios e trovões ao velho Caramuru, que também compareceu à festa, levando latas de biscoitos do índio Aymoré de presente a todos. Quando mostraram a criança à tribo, o velho Catapora ficou horrorizado:

- Ainda não inventaram homem branco aqui, como isso foi acontecer?

E a deusa IaCica apareceu em sua rede iluminada e disse:

- Tudo isso aconteceu, meu rei, para que vocês entendam seu destino. Agora vocês têm que voltar para o sul, para espalhar a cultura da mandioca, do socador, do boto e do tatu (o tatu é apenas questão de rima - IaCica era poetiza). Ah! Antes que eu me esqueça: o nome do menino deve ser Pinduca.

- Pinduca? Exclamaram todos, ao mesmo tempo, atabalhoados.

- É. Pinduca: a melhor farinha da divisa Brasil-Paraguai.

Cunhã Poranga não se conteve:

- Mas eu já tinha escolhido o nome: Pindaíba.

Ao que IaCica respondeu:

- Não pode, Pindaíba é índio da tribo do vale do Anhangabaú. Cunhatã será a mãe de Pindaíba, que deverá nascer daqui a poucas luas.

O velho Catapora não conteve o susto:

- Como é que Cunhatã fez um filho sozinha?!? Alguém me explica?

O rapazinho delicado estufou o peito e gracejou:

- Simples, meu sogro: Cunhã Poranga mandou que eu fosse me embrenhar pela mata. Eu não entendi direito, por conta do barulho do socador. Mas, bom marido e obediente que sou, fiz o que ela mandou: fui "emprenhar" na mata.

Confusão na aldeia global, IaCica intervém:

- Pindaíba deverá nascer em terras nordestinas. Só quando tiver lá seus 14 ou 15 anos poderá ir voando com um pau-de-arara (não tinha cipó, eles caçavam arara com um toco de pau) para aquela aldeia cheia de fumaça e ser camelô no Vale dos Índios Anhangabaú. Agora, se me dão licença, vou pro Carnaval, que está na hora do meu bloco entrar na avenida. Vem, meu Cabralzinho, vem sambar com IaCica. Não, meu tesouro, Caminha é apenas o nome da minha rede!

E a Vitória Régia?

Sei lá, deve ser lenda de outra tribo!

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