Márcio agora mora na casa nº33 na pequena rua fechada, no condomínio
Peripáquio. Mudou de casa, de esposa, só não pôde
mudar de filhos:visita-os, com frequência, em seu novo endereço,
do outro lado da rua.
Tereza casou-se com Alberto e continua morando na casa nº10, na mesma pequena
rua, no mesmo condomínio. Tem, agora, 3 filhos: dois seus, do primeiro
casamento, e um que Alberto trouxe, menino criado só, desde que sua mãe
o abandonou.
Ricardo é novo por essas bandas. Ao casar-se com Gilda, comprou a casa
nº25, de Clóvis, assim que este resolveu casar-se novamente e oferecer
um novo lar a Daniela, sua filha única, lembrança do casamento
desfeito com Magda, que se mudou para a casa nº67, comprada de Margareth,
quando esta se separou de Dionísio, que agora mora na casa nº39
junto à sua terceira esposa.
Elizabeth mudou-se: vive em outra cidade. Sempre gostou da beira do mar, da
vida ao ar livre, da liberdade, do amor pródigo e sem censura, sem laços,
sem amarras. Agora vive como sempre quis: livre, leve e solta, embora não
tão leve quanto antes, pois engordou 10 quilos devido à dieta
do peixe fresco a toda hora, e não sem motivo, pois, via de regra, a
iguaria é degustada sempre acompanhada de alguns bons goles de várias
cervejas.
Pelos ares que rondam a rua, parece que em breve teremos novas mudanças
por aqui, pois João, que mora na casa nº41, anda se desentendendo
com Laura, que anda esticando um rabicho de olho para Roberto, da casa nº54,
que jura para sua esposa Cássia que não é o pai do filho
que Gladys, da casa nº27 carrega no ventre. Curiosamente, esta engravidou
depois de ter se separado do marido que deu no pé para ares outros, outros
matos, outras praias, outros ventos não tão bravios ou sensuais
como os que pairam sobre a pequena rua, no pequeno condomínio, atrás
de sua sereia 10 quilos mais distante de seu filho abandonado, trocado por sua
liberdade irresponsável.
Mas, ao ser observada pela janela do quarto, no andar superior da casa, acho
a vizinhança até interessante: filhos amigos que se tornam irmãos,
irmãos que se tornam primos, e a família aumentando, a rua invadida
por crianças e adolescentes despreocupados com os problemas dos adultos.
É o mundo girando, a vida vibrando.
E agora? Quem está casado com quem? Quem é filho de quem? Como
pode o amiguinho de repente virar parente? Como pode o parente, da noite para
o dia, transformar-se em um mero vizinho? Como pode alguém ser filho
ou amante de alguém distante?
Todos estão presentes: na lembrança, na distância ou nos
traços que apenas a genética explica.
- Gustavo, se eu te pegar mais uma vez olhando a Cláudia da casa nº04
tomando sol pela janela, conto a verdade pro Marquinhos!
(20/02/04)