A Garganta da Serpente
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Um crime perfeito

(Thaty Marcondes)

Joana não aguentava mais aquele inferno. José era um monstro. Ainda mais quando bebia. Demitido da construção onde trabalhava, com o dinheirinho da indenização, resolveu fazer mais um quartinho para acomodar as crianças e ficar mais à vontade para praticar as barbáries que gostava. Bater era o de menos. Ela já estava acostumada. O duro era aguentar aquele porco na cama, fedendo à pinga, barba por fazer, fedor de suor. Ele a possuía e caía pro lado dormindo, roncando como um porco. Ela corria se lavar, enojada. Mas como sair dali? Ela tentara uma vez, ainda grávida do primeiro filho. Ele tanto fez, tanto ameaçou a família inteira dela: mãe, pai, irmãos, ameaçou até estuprar as sobrinhas. Ela achou melhor voltar, pensando "Melhor só um sofrer com esse canalha!". Voltou e apanhou tanto que Pedrinho nasceu de 7 meses. Ele dizia que a culpa era dela: "Mulher ingrata! Tem de tudo em casa, não te falta nada!".

Naquele final de semana, primeiro das férias escolares, ela resolveu que ia dar um jeito em José. Tinha pouco estudo, tinha medo, mas não era burra.

Mandou as crianças pra casa dos pais dela, dizendo que lá eles iam poder brincar com os primos, ter o carinho dos avós e ficariam longe de qualquer risco de acidente por conta da construção do tal quartinho. Afinal, o terreno estava cheio de perigos para as crianças: cimento, areia, pregos, madeira, tijolos, ferramentas e tudo o mais. José ficou até empolgado: ia poder se divertir (a seu modo) com a mulher, como quisesse, sem medo das crianças ouvirem nada. Pra comemorar a "liberdade", José foi pro bar. O quartinho estava quase pronto: os alicerces erguidos, o esqueleto do telhado, as vigas para a laje onde colocaria um tanque pra Joana poder lavar a roupa.

Voltou com a garrafa na mão, meio cambaleando, e encontrou Joana apavorada:

- Acode, homem, que acho que entrou gente na construção, vindo pelo quintal do vizinho!

José, mesmo andando com dificuldades por conta da bebida, foi verificar.

Ouviu barulho na parte de cima e subiu pela escada, que já estava em posição. Ao chegar ao topo, sentiu-se caindo para trás e, de um baque só, caiu sobre a caixa de cimento ainda fresco no andar de baixo. Joana não titubeou: usando luvas de borracha, ela puxou suas pernas para fora, de modo que a cabeça ficasse inteira em baixo do cimento. E ficou olhando aquele imbecil se debatendo, engolindo aquela massa cinza, secando e endurecendo em cimento e morte. Livrou-se das luvas picando-as e dando a descarga.

- Pois é como lhe disse, "seu doutor" delegado: ouvi barulho, sim, mas como estava sozinha em casa, fiquei com medo de ir olhar. Dormi sentada na cadeira. Pela manhã, estranhei que ele não tinha voltado. Só vi aquela estátua de cimento quando fui lavar roupa. Tomei um susto e chamei a polícia!

- Já constatamos que foi um acidente, dona Joana. Pela autópsia, ficou constatado que ele estava completamente embriagado. Desequilibrou-se e caiu!

(27/02/04)

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