Noites e noites de discussão.
Perdiam o sono em discussões atrapalhadas, cobranças inverossímeis,
gestos de agressão.
A língua proferia o que a mente não queria mostrar: mágoa!
Tinham, dentro de si, lembranças escuras, recordações obscuras,
ciúmes disfarçados.
O amor pulsante não ousava explodir: implodia, transformado em ofensas.
Como dois adultos podiam ser tão infantis?
Trocavam o sexo pelo mau humor exacerbado, pelas cobranças, pelas ofensas.
Quase se agrediam fisicamente.
Fagulhas elétricas escapavam de seus corpos.
Se uma tentativa houvesse, em que fossem obrigados a se tocar, a ficarem seus
corpos mais próximos, com certeza tudo acabaria em sexo, como de outras
vezes.
Não se perdoavam por se amarem tanto - um amor inexplicável, posto
notarem tantos defeitos um no outro.
E sempre um propunha a separação. Sempre um dos dois dizia não
suportar mais aquele inferno.
E assim viviam: na iminência de uma ruptura.
Mas essa visão turva de futuro os angustiava.
No fundo, queriam se isolar, viver a seu modo, sem interferências externas.
O dia a dia era uma tortura!
Não conseguiam lidar com a realidade e a rotina - precisavam de seu próprio
mundo - um mundo construído de silêncios, de afagos, de carícias
ousadas, de entrega total.
Queriam poder entrar um na mente do outro.
Quem sabe, se tivessem se conhecido antes! Antes dele ter sido de tantas, antes
dela ter sido mãe de filhos de outro pai! Antes dele ter sido caminhante
errante, antes dela ter sido filha! Antes dele ter se tornado tão livre,
antes dela ter-se tornado tão companheira fiel - quase como um cachorro!
O que ele dizia era lei, o que ela falava era descartável.
E ela ia se anulando, se curvando, se entregando, cada vez mais. E ele ia se
impondo, mandando, dominando - sempre mais e mais.
E seguiram assim: disfarçando o que eram de fato, cobrando mágoas
passadas, não se perdoando por não serem quem haviam sido na juventude.
Quem sabe se o tempo houvesse sido amigo, abreviado a distância, se eles
tivessem se encontrado antes?!
Quem sabe, dessa forma, hoje eles não fossem a manchete do jornal sangrento!
(31/07/03)