Na noite em que entrei em seu quarto, ela dormia docemente. O peitinho subia
em leves e rítmicos movimentos. Os cabelos loiros, da cor do trigo, se
espalhavam pelo travesseiro. A pele alva como o luar era ainda mais empalidecida
pela luz fraca do abajur. Sua mãozinha, pequena como a de um anjo, segurava
a mão do ursinho de pelúcia ao seu lado. As lagrimas corriam pela
minha face.
"Vamos, mate-a!" - me disse a voz.
- Eu não posso! É só uma criança
um doce anjo
"Ela já te tirou um monte de coisa, ela ira te tirar o seu marido,
ela trará a desgraça para sua vida, ela te deixara na miséria
"
- É uma criança!
"Isso é o que você pensa. Vamos, mate-a. Ou quer que ela faça
isso com você? Ela ira te matar com a mesma frieza que mataria uma mosca."
- Uma criança
- meus olhos já estavam inchados de tanto
chorar. E a outra voz então falou:
"Ela vai sim te matar
aqueles olhos azuis dela, ela ira olhar fixamente
para você e então te matara
"
- Minha filha
minha criança
"Mate-a! A culpa é dela. Toda dela. Aquele aborto não foi
espontâneo, foi ela que bateu em seu ventre em quanto dormia."
- Ela não fez isso
- minha voz havia se tornado mais dura.
"Fez sim, e ainda riu. Vamos, mate-a! MATE-A!"
Fui tomada pelo impulso. Avencei sobre ela com a faca
nova
afiada.
Cortei-lhe a jugular. Foi quando cai em mim, da besteira que havia feito.
Pobre da minha filha. Abriu os olhinhos assustada. Eu a vi sufocando, gemendo.
Seus olhinhos azuis suplicavam por ajuda.
- Mã-aã-e - disse ela com a voz fraquinha.
Descontrolada, a abracei fortemente. Meu anjinho, minha flor, meu raio de luz.
O que eu havia feito? Minhas lagrimas se misturavam ao sangue que saia de seu
pescossinho. A senti apertando minha blusa. As vozes riam.
-SAIAM, SAIAM DAQUI, SAIAM DA MINHA VIDA!
Eu peguei minha filha no colo e sentei-me no chão.
- Desculpe a mamãe
desculpe
Ela também chorava. Suas ultimas palavrinhas rasgaram meu coração.
- Dês-ss-culpe ma-m-mmãe
eu na-aa-ao quer-ia ter pego sua
ma-q-q-quiag-gem sem sua ordem
desc-c-pe
Eu chorei ainda mais. Pobre criança. O que eu havia feito com a minha
doce filha?! Apertei ainda mais seu corpinho frio e mais pálido ainda.
Sua mãozinha ainda agarrava minha blusa.
Naquele dia, meu marido havia viajado. Quando voltou dois dias depois, me encontrou
ainda na mesma posição, sentada, com o corpinho de nossa filha
agarrado a mim. Seu cadáver já não apresentava os traços
angelicais de antes.
Hoje, ninguém me visita. Passo os dias sozinha nesse quarto branco
esse branco irritante que me lembra tanto o pálido rostinho da minha
filhinha. A solidão é minha amiga.
Gostaria que suspendessem minha medicação. Talvez assim, as vozes
voltariam e eu enfim, teria companhia para conversar