A cama estava confortavelmente lhe esperando. Fechou os livros em cima da
escrivaninha, apagou a luminária de mesa e foi-se deitar. Amanhã
continuaria os estudos.
Pegou um cobertor no guarda roupa, jogou o travesseiro de qualquer jeito na
cama, apagou a luz e deitou-se. Sentia aquela sensação gostosa
ao se deitar, quando estamos com a coluna cansada demais. Estava frio. Cobriu-se
até a altura do queixo com o cobertor. O despertador apitava meia noite.
E a escuridão rodava e rodava diante de seus olhos que aos poucos se
fechavam.
Acordou assustado. Tinha ouvido um barulho dentro do quarto. Um estalo, um ruído
diferente, meio áspero. Os olhos arregalaram-se em alerta. A respiração
era a menor possível. Silencio. Maldito gato que andava pela laje. Parecia
estar ao seu lado, o infeliz.
Virou-se ainda tremulo para o lado, puxando o cobertor na linha dos olhos.
Começava a adormecer quando sentiu algo que o puxava pelo calcanhar,
algo frio e gosmento. Pulou assustado, o coração acelerado, saindo
pela boca. Correu desesperado até o interruptor e pressionou-o com as
mãos trêmulas.
Os olhos, acostumados à escuridão, doeram quando a luz acendeu
e a visão ficou ofuscada por um momento tornando-se limpa em poucos segundos.
Estava ali, saindo de baixo de sua cama, algo qual jamais vira em toda sua vida.
Horrenda.
Era extremamente articulado, o que permitia movimentos desconfortáveis
ao olhar, lembrando as famosas cenas de pessoas possuídas em filmes de
terror. Era uma pele verde e escamada, extremamente brilhante e úmida.
As mãos eram longas e esguias, terminadas em unhas amareladas e perigosamente
pontiagudas. Agora que reparara, seu calcanhar sangrava. Os olhos eram um globo
amarelo e uniforme. A cabeça era uma esfera perfeita e a boca uma fenda.
Apesar das características reptilianas, possuía o corpo de um
humano. Pelo menos até onde se podia ver já que usava uma espécie
de saia que arrastava o chão. Possuía também o quadril
adornado com uma espécie de cinto de ouro cravejado em Jades.
Abriu a porta e correu para o corredor.
- MÃÃÃÃÃÃÃE! PAAAAAAAAAAAAI!-gritou
aos prantos. No fundo, bem no fundo, sabia que mesmo estando ao lado do quarto
dos pais eles não o ouviriam. Simplesmente não podiam.
A criatura aproximou-se asqueirosamente. O medo o paralisou. Era o fim. Correr
pra que? Correr pra onde? Ninguém podia ajudá-lo.
Aquele globo amarelo faiscou agourosamente. Parecia até mesmo tornar-se
mais âmbar.
A respiração fazia um ruído raspado. O hálito não
tinha cheiro algum.
A mão esquerda do ser foi certeira ao pescoço do garoto. Ergueu-o
acima de sal cabeça, mas, sem asfixiá-lo.
O menino por sua vez, debatia-se desesperado. Tentava chutar, mas, não
alcançava. Tentava cravar as unhas na mão do ser e também
não conseguia.
Logo a mão direita vinha para si. O dedo indicador apontado, aquela unha
(ah, aquela unha) tão afiada quanto uma guilhotina.
Não houve dor. A unha descreveu uma linha em seu pescoço. O sangue
jorrou pelo pijama tingindo-o. Sentia-o escorrendo quente pelo peito, espesso.
O mundo começava a rodar a sua volta. O ser mantinha-se impassível.
Não havia dor. Somente desespero.
O corpo tornava-se frio... A pele perdia a sensibilidade... Sentiu que fora
solto. No chão, passou seus últimos segundos olhando para o a
criatura. Mantinha-se inexpressiva, mas, conseguia sentir o prazer emanando
através de sua pele ofídica.
Quando o relógio despertou às 7 horas da manhã ninguém
o desligou. O menino dormia seu sono eterno, aconchegantemente coberto. O rosto
antes corado agora se fundia ao lençol branco. Em sua mão inerte,
uma grande e ovalada jade desafiava a gravidade, permanecendo muito mal apoiada
por entre seus dedos mortos...