Havia sete cruzes na beira da estrada.
Sob elas uma rosa de plástico.
Toda vez que ela por ali passava, chorava. Pensava nos anônimos que ali
morreram e rezava.
Um dia, ela estava com tempo e resolveu parar o carro e ver os nomes escritos
nas cruzes, nem sabia o que faria com aquela informação, mas estava
curiosa. Quem sabe ao ler os nomes a sua dor diminuiria e passaria por ali sem
sentir aquela dor enorme no peito, afinal este seria seu caminho por muitos
e muitos anos, é o que desejava, já que seu trabalho lhe dava
prazer e sustento.
Desligou o veículo já no acostamento da estrada, enxugou o rosto
banhado de suor, fazia calor naquela tarde, tomou um gole da água que
sempre trazia consigo, respirou fundo e saiu do carro.
Atravessou a estrada já que as cruzes ficavam do outro lado.
Sentiu um arrepio percorrer seu corpo.
Teriam morrido assim, atravessando a via expressa?
Que horror! Isso certamente lhe atingia.
As sete cruzes enfileiradas, a primeira escrita em preto, com letras desarrumadas
e com caligrafia primária, RITA.
A segunda da mesma forma, CARMEM.
A terceira, ELISEU, FERNANDO, PLÁCIDO, LÚCIA e finalmente a sétima,
ADDA.
Adda? Não podia ser esse era seu nome, que coincidência, seria
por isso a tristeza? Mas o que tem a ver com ela?
Olha em volta, quer saber alguma coisa sobre aquelas pessoas, procura alguma
casa pela redondeza, mas só vê pasto, plantação de
milho e uma vasta plantação de Girassol, fica embevecida com as
flores, sua preferida desde menina. O campo tinha tanta flor de se perder de
vista, ela só olhava para as cruzes e nunca havia reparado o lindo quadro
às margens da rodovia.
Resolve caminhar e chegar perto da tal plantação. Naquele momento
a estrada estava vazia, por ali circulavam mais os caminhões de transporte
do leite e o faziam pela manhã.
Ao chegar mais perto observa uma casinha humilde bem no meio das flores, duas
janelas rosadas, a parede em branco, manchas de mofo perto do solo, mas na chaminé
uma fumaça indica a presença de moradores.
Vai arriscar.
Se embrenha no mato, a trilha é mal feita, e o mato toma conta da trilha
de terra vermelha, típica daquela região do estado de São
Paulo, região de cana de açúcar, de milho.
Absorta com seus pensamentos nem nota uma senhora no meio do caminho lhe observando
assustada.
Ela quando vê pára.
Olha para aquele rosto moreno, pele enrugada, castigada com certeza pela contínua
exposição ao sol forte. Marcas da dor.
Vestimentas simples, na cabeça um lenço de chita mal arrumado
mostra seus cachos grisalhos. Nas mãos um enorme ramo de Girassol.
Ficam paradas olhando uma para outra, ela nem sabe quanto tempo, até
que a senhora quebra o silêncio e diz:
- Filha, porque demorou tanto?
- Ela não consegue falar, tenta, mas a voz não sai, olha o rosto
da senhora e vê as lágrimas que ela derrama, quer falar, dizer
que não entende, mas impossível, não consegue.
Tenta então caminhar até ela, suas pernas travaram, parece que
está tomada por uma bolha invisível que a prende ao solo e a imobiliza.
Os braços não se movimentam, não domina seu corpo.
O desespero toma conta dela e neste momento vê a senhora mexendo os lábios
não mais a escuta, sente seu rosto molhado, sabe que chora mais uma vez.
(O tempo parece parar)
Quando do céu uma Luz intensa surge em sua direção.
Uma chuva de pétalas de rosas cai sobre sua cabeça, ela mal acredita
no que vê, a Luz, as flores, e agora do lado da senhora está um
homem idoso, cabelos brancos, terno claro de linho, olhos azuis, um largo sorriso
que ela logo reconhece.
Seu Pai !
Neste momento toma consciência de que seu Pai viera ao seu encontro como
prometera há muitos anos.
- Quando morrermos filha, quem for primeiro volta para receber o outro, combinado?
- Que bobagem Pai, para de falar asneira.
- Prometa filha, quem for primeiro recebe o outro.
Ela aceita para tranquilizar aquele que é sua proteção,
ele realmente parece aflito.
Agora na sua frente seu Pai lhe surge como em seus sonhos, lindo, sorridente,
expressão de paz no rosto.
Entende que o nome da cruz era realmente o dela, de alguma forma ela morrera,
mas como não se lembrava de nada?
Como explicar que vinha do trabalho todo dia há semanas e ficava observando
o próprio local de sua morte?
Como se lesse seus pensamentos seu pai lhe estende a mão, lhe pede para
ter confiança e ir com ele.
Ela olha em volta, o dia parece ainda mais claro, olha para trás e vê
seus amigos, Rita, Carmem, Eliseu, Fernando, Plácido, Lúcia lembra-se
de tudo, eles a abraçam, fazem em volta de si um círculo, ela
e seu pai e aquela bondosa senhora no centro.
Seu pai lhe diz : - Filha, fecha os olhos e reze conosco.
- "Deus Todo Poderoso, que vossa misericórdia se estenda sobre a
alma de Adda, que acabais de chamar para Vós. Possam ser contadas em
seu favor as provas por que passou na Terra, e as nossas preces abrandar e abreviar
as penas que ainda tenha de sofrer como Espírito!
Vós, Bons Espíritos que viestes receber essa criatura, e vós
sobretudo, que sois o seu Anjo Guardião, assisti-a, ajudando-a a se despojar
da matéria. Dai-lhe a Luz necessária,e a consciência de
si mesma, a fim de livrar da pertubação que acompanha a passagem
da vida corporal para a vida espiritual. Inspira-lhe o arrependimento de suas
faltas e o desejo de repará-las, para apressar o seu progresso rumo à
eterna bem aventurança... seguem em oração que culmina
com o Pai Nosso ...
Neste momento Adda e seus companheiros se vão.
Ela entende que fez a passagem e que pela Justiça Divina demorou a entender
sua nova condição de espírito, devido a sua falta de conhecimento
e sua morte trágica.
Um acidente na noite de 28 de agosto de 2005 tira a vida desses jovens numa
estrada do interior de São Paulo.
Adda deixa irmãos, mãe, cunhados, marido e dois filhos, Gustavo
de 3 anos e Priscila de 10 anos.
Motivo do acidente : Plácido passa mal ao volante, enquanto dirigia teve
um aneurisma. Por muito tempo se sentiu culpado pelo acidente e precisou de
tratamento espiritual para poder hoje estar no encontro com Adda que ficou presa
as ferragens esperando por oito horas que os Bombeiros conseguissem tirá-la
de dentro do carro.
Morreu a caminho do hospital.
Hoje a dor não existe.
" Se não vives mais pelo corpo, vives entretanto pelo espírito,
e essa vida espiritual está isenta das misérias que afligem a
Humanidade. Não tens mais sobre os olhos o véu que nos oculta
os esplendores da vida futura. Podes agora contemplar novas maravilhas, enquanto
nós continuamos mergulhados nas trevas. Vais percorrer o espaço
e visitar os mundos, em plena liberdade, enquanto nós rastejamos penosamente
pela Terra, presos ao nosso corpo material, semelhante a um pesado fardo. Os
horizontes do infinito se desvendarão diante de ti, e ao ver tanta grandeza,
compreenderás a vaidade das ambições terrenas, das nossas
aspirações mundanas, e das alegrias fúteis a que os homens
se entregam".
Adda agora sabia que muito ainda teria para descobrir, estudar e crescer na
vida espiritual, mas sabia que não estava só, jamais estaria.
E com a fé em dias melhores seguiu seu Pai e seus amigos para um outro
plano de vida.