O som do badalar do relógio da torre avisava que eram seis horas e Jamir
preparava-se para deixar o escritório sem o menor cuidado de verificar
se havia deixado alguma anotação importante sobre a mesa ou não,
afinal cessara o seu expediente e a semana e não mais suportava olhar
para a sua mesa.Ao sair da empresa nem mesmo esperou o elevador, rapidamente
desceu pela escadaria de incêndio, afinal o que eram algumas dezenas de
lances de escada para quem trabalhava durante todo o dia sentado? - indagou
Jamir para si mesmo.
Na rua as pessoas pareciam caminhar cabisbaixas, mas para Jamir isso pouco importava,
pois como se já não bastasse as contas pra pagar, a constante
desvalorização da moeda que preocupava-lhe constantemente,teria
que ir de ônibus para casa pois o conserto de seu carro não havia
ficado pronto para o fim de semana. Após enfrentar um coletivo lotado
de pessoas, que cutucavam-se mutuamente a procura de banco para sentar-se, finalmente
chegara à seu destino.
Ao abrir a porta de seu pequeno apartamento olhou por alguns segundos a bagunça,
pois a louça suja sobre a pia da cozinha os inúmeros litros de
bebidas espalhados pelos cantos, juntamente com a roupa suja, denotavam um claro
abandono, mas nada disso preocupava-lhe ,pois por que? Usar de capricho em seu
dia a dia, se a sua vida estava uma bosta mesmo.
Após trocar de roupa, encheu um copo de conhaque, pegou uma carteira
de cigarros e sentou-se em frente à sua máquina de escrever, mas
não vinha-lhe nem mesmo uma sílaba dos poemas ou contos que costumava
escrever quando sentia-se muito só ou chateado. Então, levantando-se
abruptamente da cadeira começou a quebrar tudo o que encontrava a sua
frente, pois o único sentimento presente em seu espírito era revolta;
trabalhar para uma empresa da qual não gostava,o dinheiro estava fraco
e pra ajudar havia perdido sua namorada a poucos dias atrás.Depois de
quebrar um quadro de pintura abstrata que havia ganhado de um amigo seu, voltou
a sentar-se em frente à sua máquina de escrever, para então
abrir uma gaveta a sua direita, retirando em seguida uma seringa juntamente
com ampolas de morfina e sem hesitar encheu a seringa com uma dose suficientemente
letal para qualquer ser humano,injetando em seguida em sua veia braquial. Não
demorou muito para sua visão tornar-se turva e lentamente deitou a cabeça
sobre a máquina, deixando em seguida a seringa cair-lhe da mão,
passaram-se alguns segundos e tudo voltou a ser silêncio.