Não há espaço entre a mulher à minha direita e o
homem à minha esquerda. Fecho os olhos como se fosse possível
escapar desse momento. Imaginar-me, talvez em uma ilha; o mar em silêncio,
o vento em silêncio, meu corpo sobre a areia morna, meus pensamentos destituídos,
longe de qualquer obrigação. Por ironia o metrô pára
na Paraíso. Meu destino? - Santana. Contar as estações,
uma de cada vez, memorizando todos os nomes. Outras vozes. Passageiros em um
só destino. O odor de suores, do cansaço do dia, do cabelo mal-lavado,
da pele exposta e sem direitos. Contraio. Entrelaço meus dedos. Aperto
com muita raiva. Quero chegar. Quero estar longe. Deixar para trás essa
camada de cabeças e bocas.
Imagino-me apaixonada. Posso ver o amor constituir o sonho desejado. Há
grande combinação entre a simplicidade do que somos e a realidade
exteriorizada do mundo à minha volta. A vida é tranquila.
Corremos juntos na paisagem do dia, corremos únicos. O beijo chega dentro
da significância desse amor.
Abro os olhos. E se minha vontade é de gritar, fico calada. À
minha frente uma mulher com uma sacola pendurada no braço. Fico tentando
ler o que está escrito no plástico avermelhado mas não
consigo. Estação da Luz. Aos poucos as pessoas vão desaparecendo
em passos apressados. Luz... murmuro. Meus lábios entreabertos e na
janela o reflexo de meu rosto pálido. Onde foi mesmo que parei? - o beijo
- nos beijávamos. Sim, além da paixão, outras paixões:
filhos. Somos uma família;
brincamos de rolar no tapete. Ele nos observa sorrindo, sentado no sofá,
protetor.
Forço-me contra a dissipação do sonho. Quero mantê-lo
com tamanha vontade que tudo em um instante torna-se minha verdade.
Sobra espaço. O homem à minha esquerda se levanta com rapidez
e projeta minha bolsa ao chão. Não há pedido de desculpas.
A porta quase fechando e o corpo desajeitado empurrando por abertura.
Tudo fica sem retorno. Agora posso ver a noite passar rapidamente sobre os
telhados. Ave ávida. Minha vida no mosaico da cidade. Término.
Desço a escada rolante e sei que amanhã estarei de volta, vagarosamente
entre o desejo de uma sincera paixão e todas as estações
em ordem alfabética.