Quando chegava à porta do Frigorífico, a imagem das companheiras
de trabalho sempre remetia a mulher à outra visão: um pátio
de terra seca, em que pombas nervosas bicavam o chão duro.
Todos os dias, no mesmo horário, lá estavam elas, vestidas em
aventais brancos, aguardando a entrada no pavilhão do processamento de
carnes. Entrava a primeira, entrava a segunda, entrava a terceira. Caíam
de repente, despencando como pedras soltas para dentro da máquina.
Ela se aproximava sempre devagar. Olhava para o fundo da devoradora e contemplava
o poço vermelho. Via a espiral que engolia os corpos, girando e girando,
à espera de uma nova porção de massa viva. Ela ainda se
mantinha no fio metálico da borda e dava um passo para trás. Mas
a moedora tinha o mecanismo da astúcia e sempre agarrava a mulher pela
barra da saia ou pela manga da blusa. Com lentidão, o ferro tomava-lhe
o corpo inteiro. Dilacerava-lhe as carnes dos pés, das pernas e depois
da cintura. Nesse momento, seus olhos hipotecados ainda buscavam a manivela
carrasca. Emergiam as penas brancas sinalizando resistência. Em vão.
Restava-lhe cerrar a vista e se deixar morrer. Ordenava-se o silêncio,
acomodava o corpo nas curvas do cone gelado e rodava sem parar, embebida no
líquido purpúreo.
Tudo era moído.
Quando o dia acabava, entrevia uma luz de lua na desembocadura. Pelos furos
pequenos do inox, aos poucos caía na vasilha. Suas carnes, compactadas
em blocos sanguíneos, iam se recompondo da consumição.
Ela, então, desatava o avental manchado enquanto se regeneravam as plumas
no couro.
Como no início da manhã, de novo enxergava pombas apressadas andejando
para outros terreiros. Mas ela, olhando por detrás das peles doídas,
distinguia nas próprias patas o anel da prisão. Voejava para casa
carregando a corrente. E tinha asas, tinha asas! mas não alcançava
a liberdade. Tinha-a como ideação. Todos os dias, quando se advertia
para não deixar, em outra vez, tragar-se pela moedora.
Mas sempre tudo sempre era sempre moído sempre...