Procuro desdormir. Como um vaga-lume inquieto sucede-se a si próprio,
assim eu, tento expulsar o silêncio amortecido de um corpo que jaz na
sombra da lua vaga.
O vento, flutuando na incerteza de outra vaga, sacudindo as gelosias, acorda-me
recitando trechos daquilo que poderia ser a voz do meu pensamento, versos que
são relembrados pela minha memória que vai se aquecendo pela lembrança.
Penso então no que tem sido a minha vida e assim, poderia filosofar por
toda a eternidade, pois se pretendo mergulhar na minha alma, esbarro a meio
caminho na consciência, portanto não posso ter uma ideia
desavisada de mim.
Tudo o que me lembro é que há em mim uma memória involuntária,
dos olhos, dos ouvidos, das mãos. Todos tão esplendidamente lotados
de recordações, às vezes enevoadas, às vezes despertas.
Ah! Mas o que posso fazer é evocar essas lembranças dos vastos
palácios onde repousa a memória. Mergulhar nas suas cavernas e
escancarar os portões que te fecharam, sésamo.
Outras vezes a minha caverna está na infância, no cheiro do mato,
da flor distante recriada no tempo. Agora existe uma diferença: a descoberta
é o contrário da recordação. Posso recitar em silêncio
e olhar o vale que aquele mar abriu. Ir mais além e ouvir os sons das
ondas e das gaivotas e ver o céu suspenso, sem gota alguma para despencar,
cheio de silenciosas ermitagens. E se caísse uma única lágrima,
traria um odor de silêncio e quietude.
Depois de certo tempo posso perceber que a cor da memória pode cambiar
do marrom escuro de um móvel recém-envernizado ao bege-claro dos
escritos guardados há muito tempo. Mas se não souber olhar bem
dentro dessa espécie de porão, o que se verá serão
sombras. É que através da névoa só se vê sombras.
Mas na aurora, quando nasce o sol, como é lindo ver os botões
das flores como olhinhos querendo enxergar o mundo através da neblina.
Será que a felicidade reside em não esperar nada mais da vida
do que aquilo que ela pode nos dar? Será? Mas não se pode ter
dois eus, um encarregado da ventura e outro da desventura. Então, não
quero mais ver esse sol de puro artifício que aparece nos meus mais encantados
sonhos. E é por isso que desdurmo.