Majestoso! Isto seria o mínimo que poderia se dizer no momento em que
ele apareceu ocupando todo o espaço da porta do ônibus e desceu suavemente
o último degrau.
Todos os rostos se viraram em sua direção mas ele, impávido,
andou elegantemente na direção das pessoas que esperavam, impacientemente,
a retirada das bagagens.
Todos o miravam com curiosidade. Sua imponência e garbo atraíam
a atenção dos presentes. Com isto, a retirada das malas do bagageiro
do ônibus, morosamente, levava o dobro do tempo.
Sua galhardia era a tal que imaginavam em sua lapela, para ser franco meio
surrada, um belo cravo branco. O terno marrom de gabardine inglesa, bem cortado
e com um caimento perfeito, terminava todavia em um par de sapatos de igual cor
porém, surpreendentemente, daqueles tipos de sapatos ordinários
que não a aguentariam uma segunda chuva. Mas aos olhos do povaréu
afigurava-se como um belo par de polainas castanhas, polidas e escovadas.
Esperava, com um ar blasé, acompanhando com os olhos uma por
uma a saída de cada mala. Todos aguardavam curiosos para ver a mala do
cavaleiro. Imaginavam-na em belo couro com belas e pesadas fivelas douradas.
Os passageiros que tinham já em suas mãos as próprias
bagagens davam um jeito de puxar conversa aqui, ou acolá para esperar a
saída do que seria, quiçá, a mais elegante de todas elas.
Foi a última! Por estar bem no fundo do bagageiro teve que ser pescada
com uma vara que ostentava em sua ponta um gancho de ferro. Ao chegar à
beira, foi possível vê-la... era de pano ordinário com florzinhas
desbotadas. De um solavanco escorregou e se abriu em duas. Espantos! Ohs! Gritinhos!
Impressionante o que se via! Surpreendente! Rapidamente cada um dos presentes
começou a se afastar do local. Ele de um salto fechou a mala bruscamente
e, sem passar o fecho enfiou-a debaixo do braço, saltou por cima de dois
canteiros, ganhou a rua atravessando as duas pistas sem olhar para os lados, fez
sinal para um ônibus se enfiou dentro dele que, em minutos, tendo virado
esquina, sumiu ...
Parece mentira mais em questão de segundos não tinha nenhuma
alma viva na plataforma e este vazio permaneceu por pelo menos uma 1/2 hora. Aos
poucos voltavam a circular pessoas por ali e, como por encanto, saindo sabe-se
de onde, aos cochichos começaram a comentar o acontecido. Acho que foi
a mulher que toma conta do banheiro e um menino de entregas da lanchonete que
começaram a falar. O interessante é que eles não estavam
presentes no momento da cena... O comentário foi se espalhando e pouco
a pouco eram tantas as versões que acabou virando uma grande discussão...
as pessoas foram tomando partido e se colocavam quase que como torcedores; umas
pertencendo ao Cordão Azul ... outras ao Cordão Encarnado. O interessante
é que alguém mais sistemático percebeu que existiam
no meio de todas as versões, somente dois temas que eram comuns a todas
elas. Levantou a mão e pediu licença para menciona-los. Todos concordaram
e fizeram silêncio para ouvi-lo. Ele disse: "- Olha meus amigos percebi
no meio da discussão que apenas nestes dois temas que vou mencionar existe
concordância entre todos. São eles o cravo branco na lapela e as
polainas castanhas nos pés ". Foi aplaudido de pé! Aclamação,
aplausos, aprovação, ovação, palmas. Parece que a
fala dele diminuiu a tensão existente entre os grupos. Estes fatos uniam
as versões. Todos concordaram! Realmente, o cravo branco na lapela e as
polainas castanhas eram incontestes.
A história permaneceu viva e não tinha passageiros que passasse
por aquela rodoviária que não a conhecesse. Alguém logo providenciou
um cordel que se vendia a R$1,00 cujo título era: A HISTÓRIA
DO HOMEM MISTERIOSO QUE PORTAVA UM CRAVO NA LAPELA E CALÇAVA POLAINAS CASTANHAS.
Encontra-se também chaveirinhos de cravo branco e peso de papel em silicone
com pequenas polainas castanhas incrustadas. Dele nunca mais tiveram notícias...
Mas, às vezes, alguns mais atrevidos dizem que, de vez em quando o veem
circulando por ali. Alguns acreditam, outros não. As únicas coisas
de fato inconteste são: o cravo e as polainas! Vox Populi. Vox Dei.
(11/2002)