A Garganta da Serpente
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Tamanho não é documento

(Robert Thomaz)

A noite seria de sonhos se não terminasse em uma manhã de pesadelo. Minha mulher na noite anterior foi para cama toda produzida, batom novo, camisola transparente e um estro à flor da pele. Fizemos uma sessão de amor candente e nos pomos a dormir, entrelaçados. A campainha do despertador soou e, como de costume, meu doce amor levantou-se e partiu para o exercício de sua profissão. Ocorrera uma desarmonia nas férias do casal e das crianças, que foram passar alguns dias na casa da sogra, fato que me permitia dormir sossegado até a hora de ir para o trabalho.

Despertei uma hora depois da partida de minha mulher. O apartamento estava silencioso e vazio, a empregada ainda não chegara. Deitado e nu, espreguicei-me. Uma energia emergia em meu corpo. Encontrava-me disposto, para mais um dia de trabalho. Puxei o lençol que cobria o corpo ainda dolorido pela maratona amorosa da madrugada. Arregalei os olhos pelo susto que alteou minhas sobrancelhas. Sou um homem bem dotado fisicamente, segundo as mulheres que tive, sem qualquer autopromoção de minha parte. Mas algo de bizarro e inusitado acontecera. Aquele que me fizera feliz na noite anterior, levando-me a um dos maiores prazeres carnais, estava hiperdimensionado. Embora em repouso, dobrara de tamanho e de volume. Assustado, sentei-me na cama. Um calafrio percorreu minha espinha. Perplexo, fiquei a observá-lo atentamente. Ele não estava inchado ou dolorido. Apresentava-se normal, sem edemas ou qualquer indício incriminador. Meu inseparável amigo de tantas alegrias, estava diferente, estranho, como se pertencesse a outro homem, de tamanho desproporcional em relação ao meu corpo. O que teria acontecido comigo, para tal e desumana catástrofe ter ocorrido? Seria mais uma daquelas profecias não anunciadas? Seria algum castigo divino? As mulheres numa só voz pronunciam que homem tem que ser bem dotado, que tamanho é documento ou que o documento tenha que ter tamanho. Nesse momento de desespero, prosa até aflige. Mas vejamos por outro lado, pelo lado bom, que eu naquele momento não conseguia ver. Tornei-me um homem em superlativo, com "m" ou "p" maiúsculo, como queiram. Com essa nova ferramenta, minha mulher ficará muito mais satisfeita e quem sabe, em consenso, poderá até dar uma grana no cinema erótico. Eu estava delirando ou a sanidade começava a faltar-me? Onde eu estava com a cabeça? Tenho um monstruoso entrecoxas e estou pensando em benesses num momento crítico como esse. Um deliberado e forte tapa no rosto, deixou-me um vermelhão. Voltei à normalidade. Não, não, eu não posso estar sendo castigado. Sou um homem normal, fiel à minha mulher e ela, por sinal, é linda, amorosa, tenho uma família feliz e bonita... então qual seria a causa daquela deformidade?!

Eu estava apavorado com a surpresa matinal e não demorei a levantar. Logo senti o acréscimo anormal que carregava pendurado à virilha. O peso não era o maior dos óbices daquele momento de aflição. Seu tamanho e volume eram assustadores. Dirigi-me para o guarda-roupa e abri minha gaveta de cuecas. Procurei freneticamente a samba-canção que ganhara no último Natal, peça desprezada por mim pela falta de afinidade com o presente. Sorri ao encontrá-la no fundo da gaveta. Era a minha salvação. Coloquei-a rapidamente. Não, por favor, não ria. Ele destacou-se sobre o tecido e evadiu-se por uma das pernas. O cabeçudo ficou a encarar meu pé direito. A decepção identificada por uma dor no peito deixou-me mais inquieto. Fui imediatamente tomado por um pavor, que me porejou o cenho. Como conseguiria escondê-lo dentro das calças? Seu volume pronunciar-se-ia e, incontinenti, seria notado por todos. Com cuidado - afinal ele era uma parte de mim - puxei-o para cima e tentei acomodá-lo na cueca. Pleno insucesso. Ele recusava-se a nova posição, avolumando-se ainda mais. O que fazer? Como ir para o trabalho daquela forma? O pessoal da agência bancária teria a minha cabeça numa bandeja de prata. Tornar-me-ia o centro das atenções e chacotas. Seria identificado por gargalhadas e adjetivos, como: "Olha o homem-elefante... e essa tromba, onde arrumou?... virou ator pornô?...". Ah, seria terrível! Logo eu, que detesto apelidos e gozações hilárias. Talvez uma calça social, mais larga, sim, pudesse ocultá-lo. Procurei a dita cuja e coloquei-a. Fui para frente do espelho. Novo desastre. Ele continuava ali, enorme, volumoso e atrevido. E minha mulher, será que ela não percebeu minha deformação quando despertou? Como reagirá no momento que me ver potencializado? Aceitará incondicionalmente satisfeita ou rejeitará minha nova configuração, temerosa pelo assédio feminino? Não, eu não pedi para ficar assim. Talvez colocando o paletó, consiga cobrir o inconveniente. O resultado foi pior. Uma dor de cabeça começava a surgir. A cada tentativa, ele parecia demonstrar ainda mais seu atrevimento e irreverência. Eu precisava ir para o trabalho. Retirei toda a roupa e fui realizar minha higiene matinal atormentado pelos momentos que vivenciaria. Depois de cruzar o umbral da porta do apartamento encontraria um mundo que execraria a minha nova condição. O constrangimento ocorreria a todo instante. No elevador do prédio, iriam observá-lo com reprovação e espanto. Na rua, ficariam encarando-me como se um monstro estivesse a desfilar em praça pública. No banco, os homens aproximar-se-iam não em solidariedade, mas em conluio na chacota que desencadeariam. As mulheres observariam, afastadas, avessas e estupefatas, muitas ocultando sua curiosidade e libido. O que fazer? Um banho, sim, talvez um banho frio fizesse aquela deformidade desaparecer. Eu estava desesperado, precisava tentar tudo. A água fria só ajudou a enrijecê-lo. Minha tormenta recrudesceu. Voltei ao quarto e sentei-me na cama. Precisava ir para o trabalho, tinha um importante compromisso no banco e não podia faltar. A cabeça latejava. Deitei-me. Tentei relaxar por um instante. A tensão era muito grande. O momento era crítico. Poderiam chamar a polícia e alegar que minha nova ferramenta constituía-se em grave atentado ao pudor. Seria preso por ter-me tornado um superdotado. Talvez até perdesse o meu valioso e imprescindível emprego. E as crianças, espantadas, perguntarão porque fiquei assim. Como explicar que o pai acordou dessa forma, dotado de um sexo gigante? Minha cabeça doía muito. Eu suava frio. Sentia todos os músculos contraídos. Não, não quero essa dádiva, ou melhor, essa maldição. Uma estranha dor surgia em meu braço. Ela aumentava a cada segundo. Todo o meu corpo começava a sacolejar. O medo tomava conta de mim.

- Acorde, Lucas, acorde! - bradou minha mulher sacudindo bruscamente meu corpo sobre a cama.

- O que foi?!! O que foi?!! - disse eu, assustado.

- Você perdeu a hora... ontem esqueceu de acionar o despertador...

- Essa não!!

Ela olhou para mim, espantada.

- Por que está fazendo isso? - indagou minha mulher.

Surpreso, olhei para o meu corpo. Minhas mãos apertavam vigorosamente meu pênis, com inigualável pressão.

- Eu, eu, eu não sei...

- Pare, veja como está roxo!

Olhei para o meu amigo. Ele estava murcho, normal, como sempre foi. Suspirei aliviado. Larguei-o e sorri, relaxado. Tudo não passara de um sonho, ou melhor, de um pesadelo.

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