A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

A mulher que fumava charuto

(Robert Thomaz)

Pedro acabara de completar quatorze anos de idade. Adentrava na puberdade. Começaram a "brotar" furtivos pêlos pubianos e a surgir sensações e desejos, que ele consideravam-nos como coisa estranha. Passou a ter poluções noturnas e descobriu o prazer de masturbar-se com os colegas, ato que passou a praticar durante longos banhos no chuveiro. Ele ainda não debutara no sexo, como todos os outros garotos da rua, mais velhos que ele. E algo começou a acontecer, deixando-o inquieto. Passou a sentir uma inusitada e veemente atração pelas garotas. Um desejo irresistível, desenfreado, que era reprimido pela timidez natural dos jovens com relação ao sexo e pelo temor da rejeição. E Pedro temia ser rejeitado. Os meses passavam e o desejo somente aumentava, e ele não conseguia ficar a sós com uma garota e fazer o que os outros garotos diziam que faziam nas experiências que vivenciavam.

- Cara, você tem que bolinar a garota, sabe...

- Elas gostam que você meta nas.... e faça vai-e-vem...

- Elas adoram que você enfie...

Eram tantas as experiências alheias que Pedro não mais aguentava sua incolumidade. Ele queria estar entre os mais velhos, ser experiente, não ser um "virgem".

Completados dezesseis anos de idade e Pedro ainda desconhecia o que realmente aquilo que usava para urinar podia proporcionar-lhe. Acompanhado de um grupo de garotos, ele desceu a rua onde morava. Quando chegaram em frente ao sobrado localizado na esquina, um deles disse:

- Estão sabendo da nova moradora do sobrado? Fiquei sabendo que é um mulherão!

Todos se entreolharam. O desconhecimento era amplo e irrestrito. A curiosidade fez o grupo postar-se do outro lado da rua e aguardar uma chance de ver a nova moradora. Homens uniformizados desciam caixas e móveis nunca vistos por Pedro, de um grande caminhão de mudanças. No fim da tarde, o veículo partiu e na varanda da casa surgiu uma mulher de cabelos loiros. Sua aparição causou alvoroço nos adolescentes que ansiavam por vê-la. Suas viçosas madeixas moviam-se ao sabor do vento e seu corpo exuberante estava coberto por vestes transparentes, que mal cobriam sua nudez. Manifestações de desejos e palavras libidinosas não foram suprimidas pelos jovens que se excitaram com sua presença. Sobre sandálias de salto alto, ela vagarosamente desceu os degraus da escada, meneando os quadris. Aproximou-se do portão de pedestres e, com o dedo em riste, apontou para cada um dos jovens, que estavam do outro lado da rua. Pedro foi o escolhido. A mulher acenou para que ele se aproximasse. Foi empurrado pelos colegas que sabiam de sua timidez. A passos indecisos, ele atravessou a rua e foi encontrá-la.

- Que belo jovem você é... qual o seu nome? - disse a mulher com um sorriso muito alvo.

- Meu nome é Pedro.

- Que belo nome... eu me chamo Helena... gosta de torta de maçã?

- Nunca comi...

- Então não gostaria de provar um pedaço? Acabei de fazer uma e está deliciosa... entre, venha conhecer a minha casa, venha...

Pedro olhou para trás. O grupo de jovens estava em verdadeira agitação. Todos acenaram que ele devia aceitar o convite. Hesitante, ele entrou. A anfitriã percorreu o sobrado, apresentando-lhe todos os cômodos, deixando-o deslumbrado com todo o luxo que nunca vira. Mas a mobília e todos objetos luxuosos não impressionaram tanto o jovem púbere quanto a beleza estonteante da loira. Tratado com extrema amabilidade e ternura por Helena, ele não percebeu o transcorrer das horas, fato que levou seus colegas a irem embora, vencidos pela impaciência de aguardar o retorno do escolhido e saber o que tinha acontecido.

No dia seguinte, à tarde, literalmente encantado com a nova moradora, Pedro voltou à casa de Helena, como foi convidado na noite anterior. Sempre vestindo baby-doll ou camisolas transparentes, ela recebeu-o com alegria e afeto. Percebendo que seu visitante era um jovem sexualmente curioso e inexperiente, ela começou a cativar-lhe a confiança, ensinando-lhe muitas coisas, como jogar sinuca ou ultimar um xeque-mate no xadrez.

Tornou-se um hábito, todas as tardes, logo após o almoço, Pedro ir para o sobrado. Helena, que vivia solitariamente, a cada dia ensinava-lhe mais uma nuance da vida. Pouco antes do cair da noite, determinava-lhe que fosse embora a despeito de seu desejo de permanecer em sua companhia. O jovem partia, mas retornava, permanecendo à espreita, atrás de um poste, até muito tarde da noite. Após o crepúsculo, um carro estacionava na porta do sobrado. Do veículo desembarcava um homem, encoberto pelas sombras, que adentrava na casa da mulher que o jovem se apaixonou. Ele trazia nas mãos uma caixa de charutos, de excelente qualidade. O desconhecido permanecia na casa de Helena até altas horas. E Pedro ficava ansioso por saber o que acontecia no interior do sobrado. Será que Helena praticava com o desconhecido as tantas experiências relatadas por seus colegas mais velhos? Será que o homem beijava a boca que era sua? Será que ele regozijava-se nas curvas que lhe despertavam um irresistível desejo? Em sua vigília, o jovem era tomado por intermitentes momentos de ansiedade e fúria. Ele não queria que ninguém mais possuísse Helena. Ela era sua, apenas sua, mesmo que nunca tivesse tocado em um único fio de seus lindos cabelos loiros. No epílogo da noite, o homem abandonava o sobrado e embarcava em seu carro, desaparecendo na escuridão. Em seguida, Helena surgia na janela aberta de um dos quartos do sobrado, que ficava para a rua. Sentava-se junto a ela. Com gestos delicados, acendia um dos charutos de sua coleção e ficava a saborear seu vício. Pedro permanecia oculto, extasiado por cada centímetro quadrado de sua beleza arrebatadora.

Numa tarde muito quente, enquanto Pedro degustava um pedaço de torta de maçã, Helena foi tomar um banho. A curiosidade levou-o a entrar na suíte de sua amada. Furtivamente, ficou a observá-la. A excitação do que via instigou-o a masturbar-se, junto ao umbral da porta do banheiro. De repente, seu sangue gelou, quando ouviu:

- Não faça isso... não desperdice aquilo que eu quero...

Ainda nua, a loira saiu do chuveiro e aproximou-se dele, agarrando-o. Para Pedro, as tardes no sobrado nunca mais foram as mesmas. Passou a deleitar-se com os prazeres proporcionados por aquela que o iniciou na devassidão. Na proximidade do crepúsculo, o jovem insaciável suplicava-lhe permanecer em sua cama, em gozar de novos momentos em sua companhia, mas Helena que passou a significar tudo para ele, não lhe permitia tal satisfação. Mandava-o embora.

Tornava a ocorrer todo o rito.

Pedro partia e retornava, ficando à espreita. O carro chegava e mais um homem entrava no sobrado. O jovem ruminava sua ansiedade e ódio pelo desconhecido que, inegavelmente, estava na perseguição do prazer. O homem partia e Helena ia para a janela, deliciar-se com um charuto. Pedro ficava contemplando-a, extasiado com seu prazer e sua beleza.

Numa noite de luar, inesperadamente, poucos minutos antes que um dos carros que frequentavam o sobrado chegasse, Pedro apareceu na casa de Helena.

- O que você faz aqui?! Não deve estar aqui, vá embora! Vá embora!

- Não! Não vou, Helena! Eu te amo! Eu te amo!

A fisionomia da mulher contraiu-se. Ela encarou-o com frieza e seriedade. Tentou desarticular uma possível discussão e mandá-lo embora, fato que conseguiu a duras penas, pois Pedro estava determinado a ficar e a enfrentar o desconhecido que estava para chegar. Tinha a intenção de expulsá-lo do sobrado. Em sua mente infantil, queria defender a mulher pela qual se apaixonara. Exasperado, ele partiu com a promessa que, no dia seguinte, Helena tomaria uma decisão com relação ao envolvimento que se estabelecera entre ambos.

A noite insone deixou-o com a aparência mais velha do que realmente tinha. Pedro não pôde esperar. Desprezou o desjejum preparado por sua mãe. Desceu a rua, em passos céleres, dirigindo-se para a casa de Helena. Sua ansiedade e rapidez no caminhar foram interrompidas, quando divisou carros da polícia parados em frente ao sobrado.

"Meu Deus, o que aconteceu?!"

Sem que houvesse tempo para sua mente processar o que ele via, suas pernas levaram-no, às pressas, até o portão do sobrado. Impedido de entrar por um policial, ele ficou sabendo que ocorrera um homicídio. Empalideceu. A adrenalina que se espraiou por todo o seu corpo fê-lo escapar da presença do policial e invadir a casa ao lado. Esgueirando-se por entre as folhagens da residência vizinha, Pedro pulou o muro e foi, sorrateiramente, até a janela da sala de estar da casa de Helena, que se encontrava aberta.

No instante que fulgurou um brilho em seus olhos, eclodiu um grito em sua garganta, que ele sufocou, devido à presença dos homens da lei. Uma dor lacerante emergiu em seu peito, que não mais desapareceu. As pernas começaram a tremer.

Helena estava nua. Os longos cabelos loiros, em desalinho, espalhavam-se sobre o grande tapete persa da sala de estar. O corpo apresentava no pescoço, e igualmente entre os seios, uma fenda da qual derramava-se uma nódoa sanguinolenta. Entre os dedos de uma das mãos encontrava-se um charuto importado, prazer que sempre a acompanhou nos momentos de reflexão e languidez.

- Quando aconteceu? - disse um dos policiais.

- Ela foi morta provavelmente no meio da madrugada... foi a vizinha que ligou para a polícia quando ouviu gritos... - retrucou o outro policial.

- Viram alguém saindo da casa?

- Escutaram apenas a arrancada de um carro... a vizinha disse que ela era vagabunda, que recebia clientes em casa...

"Não! Não! Não!"

Desesperado, Pedro evadiu-se do local, pulando novamente o muro e fugindo para casa. Enquanto corria, uma tormenta instaurava-se em sua mente imatura. Todo o seu corpo doía.

"Não! Não! Ela era tudo para mim! Era tudo, era tudo!"

Trancado em seu quarto, ele era dominado pela perplexidade do fato. Derribando lágrimas, andava de um lado para o outro, atacando objetos e móveis, como um tufão. A cabeça latejava. Seus pensamentos eram confusos, desconexos.

"Por que mataram a minha Helena?!!"

Súbito, parou diante da janela aberta. Seus olhos divisaram os galhos do abacateiro que se erigia, silente, ao lado da casa. Uma dupla pancada na porta atraiu-lhe a atenção.

- Pedro, o que está acontecendo, meu filho?! Que barulhos são estes?! - indagou a mãe.

Ele não respondeu. Uma angústia inenarrável fervilhava em sua alma.

- Meu filho, o que aconteceu? Eu nunca te vi assim... você entrou chorando, o que aconteceu?

"Ela era tudo para mim... mataram Helena, por quê?! Por quê?! Por quê?!"

Seu olhar fulminou o pedaço de corda que estava enrodilhado na cabeceira de sua cama. Ele era um presente, recebido no término de um estágio de montanhismo que fez numa unidade militar.

"Tudo acabou para mim... o que vai ser da minha vida sem ela?... não vou aguentar... é forte demais para mim!"

- Você parecia transtornado, meu filho, o que aconteceu?... foi alguma coisa com aquela mulher? Eu já te disse para se afastar daquela mulher...

O som de um baque surdo chegou aos ouvidos da mãe, em viva preocupação.

- Pedro, o que foi isso?! Que barulho foi esse?!

Ocorreu um longo momento de silêncio. Rejane bateu à porta.

- Pedro?! Abra a porta, meu filho, abra a porta!

Ele não respondeu. Ela girou a maçaneta.

- Abra a porta, meu filho, abra a porta!

Tentou novamente abrir a porta. Estava trancada.

- Pedro?! Pedro?!

Tentou mais uma vez e não conseguiu. Apreensiva, chamou pelo padrasto do filho. Este, não conseguindo abrir a porta, arrombou-a. O vento revolto invadia a janela escancarada, voejando as cortinas que deveriam cobri-la. Papéis espalhavam-se por sua ação e tudo estava revirado. O quarto estava vazio.

- Pedro?! Pedro?! - gritou a mãe muito aflita.

Seu olhar desassossegado percorreu o ambiente e incidiu sobre um porta-retratos quebrado, caído no chão. Nele estava uma linda fotografia de Helena. Instintivamente, Rejane correu para a janela, à procura do filho. Um grito de terror escapou-lhe da boca. Seus olhos incrédulos viram o corpo esquálido de Pedro oscilando, pendurado num dos galhos do abacateiro. Os olhos injetados do jovem estavam esbugalhados e sua expressão era derradeira. Ele não mais se movia.

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br