Cálido calabouço. Misteriosa masmorra. Trevas, isolamento, quase
opressão. O espaço que ocupo é exíguo e limita os
movimentos. Tinha tudo para estar desesperado. Objetivamente, estou preso. Algo
fora do alcance dos sentidos, diz que não. Nenhum desconforto. Portanto,
não sinto medo. Exceto de me encontrar entre essas quatro paredes prestes
a me esmagar. No entanto, parecem elásticas.
Não sei quem sou, nem como vim parar aqui. E não tenho a menor
ideia de como sairei. Sequer se irei sair, pois não vejo por onde.
Outra sensação muito estranha: não obstante esteja relatando
tudo isso, essa é a primeira vez que experimento algum tipo de percepção.
Sinto-me confortável. Entretanto, uma premonição me diz
que aqui para sempre não estarei. Sinto que se aproxima o tempo
em que serei. Se dependesse de mim, ficaria. Meu futuro é o agora.
Curiosamente, apesar de não enxergar, escuto. Durmo bem e até
sonho. Sou capaz de deglutir alimentos, embora não sinta fome. Também
posso respirar, conquanto a atmosfera seja praticamente nula. Mesmo assim não
sinto falta de ar. Não me preocupa nem um pouco estar sozinho. Outra
pessoa aqui traria desconforto. E perigo. A solidão não me entristece.
Pelo contrário: é minha companheira e aliada.
Meu dia se aproxima. O que é o meu dia? Aquele em que tudo mudará.
Quando perderei essa identidade e ganharei outra: estranha, confusa, imprevisível.
Enfim, o dia em que serei em vez de estar. Amo este lugar, onde nada
me perturba. Como não conheço outro, me apego, sofregamente, a
ele. Em vão.
Estou sentindo as paredes me imprensando cada vez mais. É com surpresa
que constato que elas são ainda mais elásticas do que supunha.
Apesar da pressão, sinto que não vou ser esmagado. E ainda que
sentisse, nada poderia fazer. Não posso pedir socorro. Não conseguiria
emitir qualquer ruído. Estou preocupado. Não apavorado.
Acabo de perceber que debaixo de onde estou, existe uma passagem. E que o chão
da cela começa a se fender, formando uma espécie de funil. A pressão
das paredes contra o meu corpo é cada vez maior. Estou com mais medo
do que antes. Não por que esteja sofrendo: tenho medo de vir a sofrer.
Os batimentos do coração começam a acelerar e a desacelerar,
conforme a intensidade das compressões.
Começo a entrar no funil. É, exatamente, isso mesmo. A boca é
larga, mas a passagem, pouco espaçosa. Além disso, as paredes
da cela não são mais maleáveis como eram antes. E sinto
que vou atravessar esse túnel que parece não comportar o meu corpo.
Sinto-me apavorado. O funil vai se estreitando cada vez mais. E estou mergulhando
nele.
Experimento angústia nas duas acepções da palavra: pela
redução do espaço físico e pelo tormento emocional.
Vou descendo lentamente empurrado pelas forças das partes moles, contra
a resistência das duras. O túnel mal me comporta. Entre o meu corpo
e as paredes não há espaço livre. Como se um trem, em baixíssima
velocidade, estivesse atravessando uma via subterrânea muito estreita.
E a locomotiva e os vagões deslizassem se atritando com as paredes. Sinto
o gotejar da passagem do tempo. E as gotas são espessas, pegajosas e
lentas como as do sangue.
Ainda assim, estou conseguindo passar. Se parasse no meio do trajeto, e ninguém
me socorresse, seria o fim. Essa viagem jamais teria retorno. Enfim, uma luz
no final do túnel. Mas a saída ainda não está tão
próxima quanto parece. Desço cada vez mais. Sempre impulsionado
pelas paredes do antigo albergue que, agora, funcionam como um motor. Enfim,
a saída. Ponho a cabeça pra fora. Que ambiente estranho! Quanta
luminosidade! Que frio! Não estou gostando nada disso e choro copiosamente.
Agora é tarde: Nasci.