Há duas semanas vinha planejando cometer suicídio. Esta decisão
já era fato consumado, a única dúvida era quanto ao método
a ser utilizado. Pensou em enforcamento, tiro, veneno e gás. Nenhum lhe
pareceu suficientemente seguro e rápido quanto ser atropelado pelo trem.
Desde que se decidira, uma onda de paz o envolveu, em comparação
ao inferno por que vinha passando há mais de dois anos. Não sentia
nenhum motivo para viver. Tivera poucos ideais; alguns foram alcançados,
outros, não. Estes últimos o deixavam tão frustrado como
se fora uma criança de cujas mãos alguém tivesse arrebatado
o único sorvete. Quanto aos outros, uma vez conquistados, experimentava
algo parecido com aquela sensação deprimente que se segue a um
coito comercializado com os últimos dinheiros de um salário que
se acabou de receber.
Sabia que o comboio passava naquele local todos os dias às dez horas
em ponto. Apanhou um longo cobertor de lã e quatro metros de cordas de
náilon e se dirigiu para a curva da estrada de ferro situada a mais de
cinco quilômetros da estação, onde não havia casas
por perto e era mínima a possibilidade de vir a passar alguém.
Sentou no chão entre os dois trilhos, jungiu os pés e os atou
fortemente com a corda de náilon, aplicando várias voltas e laçadas,
arrematando a última com um nó cego. Envolveu-se todo no cobertor,
rolando várias vezes sobre o próprio corpo e se deixou ficar atravessado
sobre os trilhos, exatamente depois da curva, para não haver a menor
possibilidade de dar tempo ao maquinista de parar a locomotiva. E esperou.
Enquanto isto repassou para si mesmo o "filme" da sua vida. Lembrou-se,
especialmente, quando despertara numa manhã de segunda-feira num estado
conflituoso jamais experimentado antes. Havia sensação de morte
iminente; ausência de motivação para os afazeres habituais;
uma expectativa estranha de que algo terrível estaria para suceder; um
frenesi indescritível, sem nenhuma causa aparente. Além disto,
sentia fortes palpitações, falta de ar e as extremidades geladas.
Vestiu-se sob mera indução de um reflexo condicionado e saiu de
casa sem nenhum destino específico. Perambulou por todos os bairros da
cidade numa busca desesperada por alguma ajuda. Não houve nenhum hospital,
ambulatório, serviço de pronto-socorro para onde não houvesse
apelado. A melhor atenção recebida fora sorrisos condescendentes
a simular solidariedade; uma tapinha amiga nas costas; uma injeção
de drogas hipnóticas e uma recomendação: "vá
para casa e descanse; isto não é nada". Desde então
nunca mais teve uma única esperança. Aquela angústia se
transformara numa tristeza do tamanho do oceano.
O trem apitava três vezes ao se aproximar daquela curva. Ao escutar o
primeiro, experimentou um súbito calafrio e pensou: "e se o fim
não fosse tão rápido quanto imaginava? E se a dor fosse
maior do que a sua tristeza? E se ainda houvesse alguma esperança para
o seu sofrimento? E como seria o tormento do filho único que ele amava
tanto e fora a única razão da sua hesitação quando
pensou pela primeira vez em se matar? O maquinista fez soar o apito pela segunda
vez, a uma distância aproximada de um quilômetro e meio. Sua decisão
agora não era tão inabalável. E se depois desta vida houvesse
mesmo outra e ele tivesse de responder por aquele ato perante um Ser Superior?
Este último pensamento fora decisivo. Sobreveio subitamente uma vontade
louca de viver. Não queria mais morrer. Tinha medo de tudo: da própria
dor, da dor do filho, do imponderável. Neste exato instante o trem apitou
pela terceira vez. Tentou se mover, mas não conseguia; rolava para um
lado e para o outro a fim de se desvencilhar das voltas do cobertor, mas este
cada vez mais se emaranhava sobre o seu corpo e lhe tolhia os movimentos. Entrou
em pânico e em desespero; pôs-se a gritar e a se agitar violentamente,
mas aquela camisa de força cada vez mais lhe apertava o corpo,
como se fosse um torniquete ou um garrote vil. O resfolegar da locomotiva a
vapor já podia ser ouvido a poucos metros. "Meu Deus, me salvai!
Meu padrinho São Francisco, me protegei! Quando toda a composição
terminou de passar, quem viajava no último vagão pôde visualizar
aquela poça de sangue, carne, ossos e nervos ainda a se mexer.