A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

A Coisa

(Raymundo Silveira)

Toda vida senti uma atração irresistível por mulheres. Quaisquer tipos de mulheres. Muito antes de ouvir a palavra masturbação já tinha tido inúmeros esboços de relações sexuais com várias delas. Eram sempre mais velhas do que eu. Tratava-se de um impulso incontrolável. Desde os nove ou dez anos insinuava-me para todas. Dez me rejeitavam, mas pelo menos uma me acolhia. Claro que eu não sabia quase nada a respeito de sexo. Nem elas. Geralmente eram empregadas domésticas analfabetas ou tão inexperientes quanto eu. A única coisa que eu sabia e queria era introduzir o meu pênis duro em qualquer lugar, passar ali alguns minutos e ficava por isso mesmo. Minha primeira ejaculação aconteceu quando tinha entre treze e catorze anos. Foi uma surpresa e tanto. Uma estranha mistura de prazer, medo e remorso. Remorso porque desde que me entendo por gente, me ensinaram que estas coisas entre homem e mulher era tentação do demônio.

Quando completei catorze anos conheci a masturbação, mas esta nunca me satisfez plenamente. Estava viciado mesmo era em mulheres. Somente com elas conseguia sentir prazer. Mas começaram a escassear. Penso que o motivo principal era o medo que tinham de engravidarem. Naquele tempo nem os médicos sonhavam com pílulas. Minhas parceiras e eu jamais tínhamos ouvido falar em camisinha. Na década de 1950, sexo não existia a não ser no pensamento das pessoas ou no recesso das alcovas. Mesmo assim os casais quase não se comunicavam. Tudo era feito automaticamente como se ambos estivessem sendo cúmplices de um crime. Claro que só fui saber disto muito tempo depois.

É certo que existiam as prostituas, mas com catorze anos eu nunca tinha dinheiro sequer para comprar uma cocada ou um mísero picolé. Como não conseguia me controlar sem mulheres e o ato solitário que, ao contrário dos outros rapazes, não me satisfazia, só me restou uma opção: a zoofilia. Quase todas as tardes eu saía sozinho para um curral mais ou menos próximo da minha casa onde existiam muitos animais, principalmente jegues. Era um lugar isolado. Não havia casas nem ninguém por perto. Escolhi uma jumenta e copulávamos quase todos os dias. Quando acaso eu não a encontrava e insistia em me relacionar com outra qualquer, de repente ela aparecia relinchando, escoiceava a outra e se oferecia a mim.

Na maioria das vezes ela já ia me esperar na entrada do curral. Num certo dia eu notei que a barriga dela começou a crescer e descobri que estava prenhe. Mesmo assim transávamos quase todos os dias. De repente arranjei uma namorada - mulher - com quem transava também. Aos poucos fui deixando de frequentar o curral. Alguns meses depois surgiu um boato na cidade que provocou a curiosidade não apenas dos seus habitantes como de toda a imprensa. Uma jumenta havia parido uma coisa monstruosa. As autoridades locais subornaram os jornalistas e aquele assunto foi abafado em nome da tranquilidade dos habitantes e da reputação do lugarejo. Apenas um almocreve e um veterinário viram a "coisa". Mas também foram subornados e jamais deixaram vazar coisa alguma acerca do seu aspecto.

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br