A Garganta da Serpente
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Primeiro selinho

(Rosa Pena)

Foi na década de setenta. Eu com doze aninhos, o José Carlos com apenas dez. Ele era irmão de uma amiga minha. Sabia que era apaixonado por mim, e eu abusava da situação. Em mim, já começava a aparecer contornos, ele era apenas um menino franzino, de pés pequenos que dançavam no tênis, voz fina.

Naquele ano, teria a Copa do Mundo, no México, e em minha casa a TV era pequena, medíocre. A do Zé era o máximo... Grande, poderosa, top de linha na época. Ele era riquinho... Eu achava que era muito, mas muito rico mesmo, pois o pai dele tinha um Ford Galaxie e meu pai, um Aero Willys.

Comecei a dar bola para ele... Olhares e sorrisos ou, melhor, risos estridentes próprios desta idade. Descobri cedo o tal jogo da sedução... Descobri ou nascemos com ele? Bem, o fato é que me sentia a primeira dama naquela situação. Permitia que ele visse minhas pernas um pouco mais além do permitido na época. Sexto sentido feminino cantava em meus ouvidos que eu o enlouquecia e adorava isto. Aquele olhar de paixão dele era o máximo. Quem mandava nessa relação era eu.

Durante meses, alimentei com vigor o tesão do Zé. Dormia na casa de minha amiga quando papai deixava e às vezes acordava de madrugada com uma falsa sede, para passar pelo quarto do Zé e exibir-me de camisola.

Assisti à Copa do Mundo inteira lá. O Zé assistiu a mim, eu sabia disso. No dia da vitória final do Brasil, todos se beijaram e ele me deu um beijo na boca... um selinho. Meu primeiro beijo... O dele também. Depois disso, ficamos ambos sem graça, e os pretextos de ir a sua casa foram diminuindo.

E eu menstruei... Virei moça, achei que tinha virado mulher; e ele continuava mínimo, nem fios longínquos de barba tinha ainda.

Fui me afastando cada vez mais... Afinal, um mulherão de um metro e quarenta e dois, e trinta e nove quilos, como eu, merecia o mundo!!!

Estranhamente, morando na mesma cidade, fiquei sem vê-lo por mais de trinta anos. Muitas vezes imaginei a cara do Zé, se me visse naquele sumário biquíni verdinho na Praia de Ipanema. Ou no meu primeiro longo preto, na formatura! Ah!!! O Zé ia babar.

Há cerca de um mês, vi o Zé. Olhei fixo e fui andando, chorando. Veio a certeza: quem amou o Zé fui eu, e como... Pois eu o reconheci na hora e ele sequer percebeu que eu era a Rosa, sua primeira ficante.

Em tempo... O Zé está um coroa lindo. Ouvi uma voz grossa ao longe... Os tênis, apertados nos pés.

  • Publicado em: 05/10/2004
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