Conheci a Beth no ginasial. Eu nunca fui tímida, então logo na
primeira semana de aula, eu já estava inturmadíssima.A lourinha
branquela, cheia de sardas, sentadinha lá no final da sala sempre quieta.A
galera achou-a antipática, eu achei que ela parecia mais um pintinho assustado.Apelidei-a
de Beth pintinho naquela semana. O apelido pegou e ela demonstrou que gostou,
pois por causa dele, deu seu primeiro sorriso.
A gente quando está com onze anos, criando peitinho (disputa quem já
tem, que nem menino disputa barba), fica logo morrendo de vontade de menstruar.
É o máximo de maturidade, é passaporte para namorar e até
dar conselhos pra quem ainda não é mocinha.
Eu sangrei cedo, portanto me achava a grande mulher no meio das pirralhas que
não sabiam o que era estar "naqueles dias". Não existia
nem modess direito, que dirá OB, logo, nada de praia, nada de vestido branco,
nada de excessos, sequer lavar a cabeça, vai que o sangue sobe!!!!!!(as
mamães assim diziam) . A gente não tinha como discordar, não
existia informação, nenhum Dráuzio Varella no Fantástico
(o cara sabe tudo), "plim- plim!".
O fato é que fiquei muito amiga da "pintinho", por causa das
regras.
Um dia, ela foi chamada ao quadro pelo professor de história e negou-se
a levantar.Desconfiei o que era.Virou moça sem aviso.
O Derly, nosso mestre, insistiu e avisou-a que se não fosse, ele ia zerá-la
na matéria.
Sentada estava, sentada ficou. O silêncio que se seguiu foi alarmante.
Eu sempre abelhuda, perguntei ao teacher, sobre os déspotas esclarecidos,
afinal ele havia falado deles na aula anterior. Ele sacou minha mensagem, rapidinho.Eita
garoto esperto!
A partir daí, viramos amigas e o Derly virou amigão.Nunca foi tirano,
aliás era um pão, pão doce! Curti tesão nele de montão.
Eu sempre adorei história (com ele, mais ainda), pintinho detestava.
Ela sempre adorou desenho, eu odiava.Minhas gravuras só eram entendidas
com legenda!
Passamos a nos ajudar nas matérias, ela era inteligentíssima, estudiosa
e sabia quase tudo de tudo.Sempre me ensinando com carinho e eficiência.Também
passamos a trocar confidências, figurinhas, beijos, lágrimas e juras.
Amigas para sempre, pacto de sangue, menstrual que fosse.
Do ginasial emendamos a escola normal e só não emendamos faculdade,
pois ela era chegada a ciências exatas e eu sempre fui inexata!
O afastamento começou a acontecer ai.
Muitas vezes na faculdade, muitas vezes na vida em geral, quando me via em dificuldades,
pensava que se ela ali estivesse, me ensinaria. Tinha certeza, que ela teria a
resposta.
Casei e por aqui fiquei. Beth foi fazer mestrado na França e ficou por
lá.
Muitas cartas trocadas no inicio, depois esparsas, até sumir de vez. Perdemos
o contato.
Vida malvada! Por que brinca de juntar e afastar os que se amam?
Vi em 2005, no obituário o nome dela.
Pintinho, como você se foi sem me ensinar a dizer adeus?
Não estudamos juntas, saudade.
(21 de janeiro de 2005)