Flores! Quem quer as flores?
Todas as noites ali, principalmente às invernosas, quando são
mais belas às flores, todas as noites à porta do teatro.
A alegria passava. Cavalheiros brilhantes de alvos peitilhos, pontuados de pedras
rútilas, senhoras sérias, coradas de sangue feliz e rico, as beldades
desordeiras, de uma em uma picando o passo com os finíssimos borzeguins
feéricos, deixando na areia do átrio vestígios mínimos
como os pés das corças, outras em atropelo, tossindo risos de
bacante, permutando palavras confusas de estranhos idiomas, confusas e quentes
como um hálito de alcova, como o rápido fulgor das cabeleiras
louras que se agitavam na passagem, felizes e louras como a madureza dos trigos
e a opulência das messes.
Quando a chuva caía, eram ainda alegres.
- Flores! Quem quer as flores?
Como são belas as flores quando chove!...
E elas passavam, as mulheres louras, confortadas nas mantilhas espessas, veludosas,
que lembravam as friorentas ovelhas despidas.
- Quem quer as flores?
Todas rápidas a fugir do inverno que lhe não compravam um ramalhete.
Entretanto, a pequenina mostrava, no tabuleiro de folha de dois fundos, que
lindas cousas! As violetas, perpetuamente murchas como o sorriso dos pobres,
mas que vão tão bem à mão das luvas claras, com
o segredo artístico dos contrastes... Quando não: tinha, para
os menos contemplativos, as rubras rosas como gargalhadas presas, vivas, rorejadas
da chuva, luzindo ao gás como de um orvalho de topázios, bebendo
a frescura d'água, no tabuleiro verde de flandres, vivas, à noite,
como se guardassem nas pétalas todo o esplendor de um dia.
Ninguém comprava. Apenas o tentador, o mau! aquele elegante dissimulado,
que olhava, falando, para outra banda, e torcia o bigode... Comprava tudo, mas
que lhe fosse vender à casa... De que maneira ter às mãos
tantas flores, se as comprasse ali?
Quem sabe, tem a miséria um encanto próprio? Talvez fosse a menina
sedutora, de algum sabor amargo, novo, que os saciados prezam, variedade descendente
que convida.
Ah! O tentador, o mau! Voltava sempre, como um pêndulo que tonteja!
Era bela a mercadora. Quinze anos. Miúda como de doze, feita porém
como as mulheres em ponto.
Ao nariz, às faces, três sinais sanguíneos. Bela desse
capricho, às vezes, de formosura que parece uma ironia da necessidade,
redonda como as camélias dobradas, que às vezes tinha; diríamos
nutrida, se não fosse a fome.
Tinha os dedos roídos de agulha. À tarde, uma senhora dava-lhe
flores para vender.
- Quem quer as flores?
Até que uma noite ele veio; ela foi.
Ninguém comprava; tinha mãe doente, um incêndio de febre
à testa, delírios, desmaios. Ninguém comprava!
Quando voltou à casa, tinha morrido a enferma.
E ela não teve uma flor para enfeitar a morta, que o tentador comprara
todas.
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