Angelina reuniu os filhos e pediu que fingissem para o papai que não
lembravam do aniversário dele. Moleza, pois já estão acostumadíssimos
com isso. Essa é talvez a décima festa surpresa que fará
para o maridão. Ele merece mais e mais.
Ah! Como ela é feliz. Mulher casada há trinta anos com um homem
só, mulher de um homem só em tempos em que se troca de macho mais
do que de calcinhas. Já fez bodas de tudo, já fez festa de tudo.
Adora o momento dos brindes fotográficos. Seu álbum está
lotado de recordações.
Ah! Como ela é sortuda. Casou no momento certo, teve seus filhos na
ordem correta, meninos devem ser os mais velhos. Ambos adultos e encaminhados.
Formou-os de forma sensata, um engenheiro e outra professora. Fez sexo benzido
pelos óleos nupciais, nunca chupou drops dulcora fora de hora. Sempre
soube que Livinho (Sílvio) seu marido era chegado a ler Zéfiro
na mocidade e na atualidade viagra no sexy hot. Coisa de homem que ela como
mulher de bons costumes aprendeu a fechar os olhos. Nunca se preocupou com a
certeza de que foi a bunda da vizinha que ajudou na estabilidade de sua relação.
Importante mesmo foi a Frigidaire que ganhou com dois anos de casada e a Brastemp
que hoje ostenta na cozinha de sua vida perfeita, fruto das promoções
do papai, não o seu progenitor, mas o papai da casa. Jamais precisou
trabalhar, apenas cuidar bem cuidadinho do lar. As crianças deram trabalho,
mas ser mãe é padecer no paraíso, sempre foi, Doutor Delamare
que o diga. Abriu mão de ser arquiteta, não ia dar certo deixar
os filhos com outros, isso nunca fez bem à criança alguma. Ninguém
cuida como a mãe, o Sílvio tem razão, aliás sempre
teve em tudo. Ele sempre foi pé no chão. Ainda bem que não
casou com aquele menino da vila que paquerou de longe na adolescência,
que a fazia ver estrelas até de manhã quando pensava nele. Ele
era pé na lua e sonhos não rendem um AP tão bem montado,
nem pagam planos de saúde. Hoje seria mais uma divorciada largada na
night. Esse ano a festa surpresa vai ser tripla. Sessenta anos do Livinho, Sílvia
sua filha está grávida de um varão e Ângelo, seu
menino, vai finalmente se casar com uma moça de princípios, de
bem, de família. Moça boa, professora da creche do bairro. Largou
aquela uma, até o nome era de pecadora, Yasmin, isso não é
nome de moça feita para casar e ainda por cima teima em fazer teatro,
beijar em cena qualquer três de paus afirmando que é arte. Arte
do demo! Ele custou a entender que sempre haverá uma vizinha com uma
boa bunda para seus momentos de dispersão. Casamento é coisa séria,
não é samba, não é bundalelê. A culpa toda
é da TV! Maldita perversão que instiga a este casa & separa,
separa & casa. Tem que agradecer ao divino tanta benção na
vida. No jogo de desencontros deu olé no Satanás. Aleluia, aleluia,
aleluia!
Vai ser um festão. Agora mãos à obra. Fazer o bolo de
Cremogeno , o preferido da filha desde os tempos do mingau, a mouse de maracujá,
a escolhida do filho, o famoso chuvisco, doce de todas as festas, pois o Livinho
adora. Sem chuvisco a reunião vira temporal. Não vai fazer pudim
de claras com as sobras do chuvisco que só leva as gemas, afinal só
ela que gosta. Trabalho à toa, apesar de não admitir desperdícios
no orçamento. Depois faz suspiros das claras abandonadas, seu genro venera.
Vai esperar apenas essa dorzinha de cabeça enjoada, que sente todos os
dias de manhã, passar. Sem diagnóstico essa danada dor que já
vai pra trinta anos.
Também não se pode ter tudo na vida né?