NARRATIVA I
Faz frio. Melhor assim. O sangue não ferve tanto. Ela me ligou no final
da manhã. E hoje é domingo. Eu não disse. Ela não
perguntou. Eu queria desligar. Eu não queria desligar. Ela eu não
sei. Eu pensei como era triste não poder ver o seu sorriso neste dia
de concha. Ela eu não sei. Eu passei a tarde a escutar discos antigos.
Ela eu invento um banho morninho e uma caneca de chocolate quente. Eu amanhã
digo sem desculpas. Ela amanhã diz saber. Mas eu não direi, darei
desculpas. E ela fingirá nada saber.
NARRATIVA II
Sebastião amou tanto nessa vida que ao se deparar com a jovem Gabriela
sabia que o que viria a sentir por ela transcenderia pele e secreções.
Gabriela nunca soube que fora tão amada. Depois daquele dia não
se viram mais. Era uma tarde fria de domingo.
NARRATIVA III
É assim que eu te amo. Disse Jorge. Estava diante do espelho. Treinava
havia duas semanas, desde aquele domingo enregelado e fatídico em que
o coração pulou da boca e se estilhaçou como granada no
vestido branco de Joana. Joana mandou o vestido branco para a lavanderia, mas
ele jamais voltou à mesma cor. E Jorge passará mais três
semanas diante do espelho, antes de ir ao encontro de Joana, que a esta altura
estará de namorado novo e não escutará de Jorge as palavras
adestradas.
NARRATIVA IV
Foi Tainá quem falou. Suas palavras vieram desfalecer o pobre coração
de Silvano. Ela tinha outro. Era segunda-feira e o inverno não tardaria
a chegar.
NARRATIVA V
Lívia me procurou para tirar satisfações. Que história
é essa de gostar de mim, hein? O que você quer? Por que você
escondeu isso de mim? Seu covarde! Vai ver não gostava nada, só
inventou que gostava. Pois saiba que eu é que gostava de você,
seu tolo, idiota, burro! Eu gostei de você desde o dia que eu vi você
pela primeira vez, lembra? Hein? Lembra? Responde! Estava um calor danado, ainda
era verão, sei lá. Eu vi você sentado naquele banquinho
ali e fui puxar papo. Sentei do seu lado. Sentei de frente pra você, cruzei
as pernas, falei pelos cotovelos. Eu gostava de você. Eu gostava, de verdade.
Dei todos os sinais e você nada. Por que não me disse que também
gostava de mim? Por quê? Agora eu te amo e você continua calado.
(Rio, 27 de maio de 2007)