A Garganta da Serpente
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Em nome da mãe, do filho, do Espírito Santo, Amém

(Roberto Márcio Pimenta)

Eles poderiam ouvir o barulho dos passos se arrastando e a tosse noturna do vigário, caso ele chegasse. Se naquele momento os flagrassem , diriam que ali estavam três crianças a procura de Deus o que , provavelmente, abrandaria a ira do padre. Sabiam que ali, na catedral , estariam protegidos contra os perigos do mundo.

A violência, como um cão raivoso, contaminava a todos . Os seus entes se foram: Por tiro, mão ou faca. Ali, somente o silêncio dos insones. Silêncio dos túmulos, das esquinas e dos mistérios da noite .

Dieguim, circunspecto na sua magnitude, interrompe o silêncio, dirigindo-se a Deus:

- A mãe não chegou ainda. Tenho medo. Vimos aqui pedir a Você, Homem da Cruz, que faça ela voltar logo. Meus dois irmãos, Neca e Junim, já sabem rezar - aprenderam com o avô. Também a Neca já tem sete anos e o Junim seis. Já ouviu um menino de quatro anos rezando? É por isto que não sei . ..Também não acho certo quando a Neca diz " em nome do Pai"... O pai foi passear no carro da polícia e não voltou mais. Tá vendo? Acho que ele só quer saber de passear lá trás, todo folgadão, naquele carro. Também não entendi por que colocaram pulseira nele...Ele sempre dizia que homem não usa pulseira... Por isso eu digo : - "em nome da Mãe, do Filho e do Espírito Canto.."

- Será que prenderam a mãe? Mas ela é santa. Nunca ouvi falar que prendessem santa... Além do mais, acho que a mãe é a própria Santíssima Trindade - Mãe, Filho e Espírito Canto. O Junin diz que não. Eu digo: - é e é. Eu sempre Lhe pergunto e Você nunca diz que não é. Então é. A mãe também nunca fala que não. Só ri. Viu? Não disse que é?... A mãe cozinha , lava e passa... mas canta .. É ou não é o Espírito Canto? A Neca sempre me defende e diz que sei rezar melhor do que ela porque Você, Moço da Cruz, atende mais a mim. Ela e o Junim juram que O viram sorrir quando eu orava e perguntei quem era o "amém". Há até isto: a gente deve dizer o "amém". Não sei para quê? Bobagem...Não conheço este moço... Não é?

- Heim... Não respondeu é porque é.

Enquanto a criança fala a Cristo, o tempo diminui e as luzes das velas vão se apagando..

Há uma expectativa de que a qualquer hora alguma coisa possa acontecer. Permanecem estáticos em frente ao altar. O silêncio é interrompido por passos. É o padre!

No seu rosto uma ruga franze sobre as sobrancelhas, deixando dois sulcos paralelos na testa e repuxando levemente sobre os olhos enrugando-os mais ainda. Sua boca semi aberta, denota, assim, espanto e admiração. Há um brilho especial nos seus olhos, como estivessem marejados ou talvez fosse a luz ocular da própria admiração. Pensamentos caóticos são filtrados pelas crianças , os espectadores da visão terrífica do cura , que parece os querer devorar . Balbucia alguma coisa e um som horripilante sai da sua boca, alguma coisa qualquer como:

- Pequenas criaturas de Deus! Cenas trágicas ocorreram . A polícia acaba de invadir as ruas do centro e armas entram em ação. Tiros. Corpos caem. Sangue, tiros, mortes. Transeuntes , ali, neste momento, estão feridos. A mãe de vocês ... acredito que seja ela... não tenho certeza...

- Morreu? Perguntou a Neca .

- Ainda não sei....

Uma lágrima desce dos seus olhos . Do Junim também.

Eu, Dieguim, sei que daqui a pouco o Moço da Cruz vai levantar o dedo fazendo um OK. Não acredita? Vai sim... Você vai ver...

A porta da igreja se abre.

Mãe. Mãe? Mãe!

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