Faltavam vinte e nove dias e algumas horas para ela morrer quando ele a conheceu.
Na primeira vez ele saltou do barco, fez uma reza branda, atravessou o muro e
domou o brilho da lua. Logo após, esquivou-se dos cães, subiu no
telhado onde passeavam os caranguejos e penetrou no quarto de Nhola. Rezou outra
vez. Amordaçou-a, colocou a faca no pescoço e recitando Neruda a
possuiu sob a luz tênue do luar.
Na semana seguinte os homens de negro vigiaram o sono de Nhola. Mas, na escuridão
da noite se mesclaram às trevas e ele, possuído da vontade, disfarçado
de sonho, veio como um vento tímido. Penetrou pelas frestas da janela,
fez agrados e, outra vez, a possuiu.
Na terceira semana ela dormiu com o santo de argila sobre o criado e ele não
maculou os escombros de sua velhice, nem tampouco se interessou pelos segredos
de sua intimidade. E ali, ao seu lado, a imagem, como um habitante de barro aguardando
o sopro de Deus, apenas resgatava os últimos resquícios de um corpo
que ia morrer. Naquela noite ela olhou bem para a teia de aranha na parede branca,
o santo ao seu lado, o vazio da cama e chorou pela sua ausência do pescador.
Por conseguinte, permanecendo deitada, com os grandes pés expostos em um
lado da coberta e do outro a cabeleira branca, Nhola dormiu, roncou e sonhou que
Miguel era um arcanjo que fora expulso do paraíso a pauladas pelo assanhamento
com as filhas de Eva. Cortaram-lhe as asas, deram-lhe um barco, uma rede, uma
bilha com água potável e o colocaram no Mar dos Sargaços.
Nhola ainda estava a juntar remendos de sonhos quando algo bateu três vezes
na janela.
"- É ele!" - pensou ela - com o coração disparado,
as mãos trêmulas e um calor subindo pelas pernas. Deste modo, tão
logo se refez, girou a tranca e abriu a janela que dava vista para o mar. Decepção.
Era apenas uma gaivota que anunciava a volta do pescador.
Ainda era noite quando Nhola resolveu descer até a praia e perguntar ao
moço que contava estrelas se ele vira o pescador chegar. O contador de
estrelas, com os dedos cheios de verrugas, respondeu:
"- Não entendo dos mistérios dos que chegam... Apenas vejo
o que está no céu e posso afirmar que o seu não é
um bom signo." - e dito isto apontou para o mar onde havia um barco voltando
e continuou contando estrelas.
Nhola deu três pulos de alegria.
O tempo passara desde a primeira vez. Restava somente um dia e queria vivê-lo
como se fosse o único momento de sua vida. O pescador retornava e ela chorava
de emoção. E na areia, com a água batendo na canela fina,
a coxa bamba em volta do osso e alguns pêlos dourados, ela abriu os braços
e aguardou. Miguel encostou a embarcação na pedra grande, nadou
até a praia, desnudou-se e correu em direção a Nhola que
sorria em seus poucos dentes. Ela imitou-o: deixou cair a roupa e o esperou ali,
sob a paisagem alaranjada dos primeiros raios do amanhecer que surgia.
Quando ele chegou, ela se ajoelhou a sua frente, inclinou a cabeça, abaixou
a mão, retirou algo da areia e... decepou-o. O sangue esguichou nos seus
cabelos brancos. Numa mão a adaga, na outra o troféu. O corpo estrebuchando
na areia...
Nhola morreu de tanto rir e disse:
"- Anjos não têm sexo."