Eu estava me banhando na salmoura com flores de maracujá quando um vento
imundo jogou barro na vidraça. Cansado e por mais limpeza a fazer me
queixei às paredes:
"- Meu corpo não aguenta mais! Carece de um esforço
menor.Preciso de uma empregada."
No outro dia, como se o vento cagueteiro lhe tivesse contado os meus segredos,
ela chegou. Pediu-me o emprego e ficou assentada na soleira aguardando minha
resposta.
A bunda grande, carnes firmes sobre as pernas roliças, bons dentes, canela
fina e pés grandes foram indícios para acreditar que a moça
fosse de boa serventia para o emprego. Combinado o salário, contratei
a empregada.
Nos primeiros dias, como um furacão, ela tirou tudo do lugar, varreu,
lavou e secou. E não disse nada. Apenas, de vez em quando, deixava escapar
um sorriso e um gemido tão triste que me fazia lembrar as cantigas de
ninar defunto no deserto.
Deste modo os dias passavam e comecei a perceber que ela não dormia e
nem tampouco interrompia a faina para descansar. Mas o que achava mais estranho
era o seu jeito de levantar a cama comigo ainda dormindo, colocá-la nos
ombros e, com a outra mão, varrer a poeira depositada no chão.
Dispensou a máquina e lavou toda roupa da casa. A do vizinho também.
Depois, só para se divertir, a de toda a vila. Acendeu as velas da casa,
as da igreja e, depois, as dos mortos no cemitério. Passou pelas ruas
e becos acendendo e apagando, limpando,varrendo para,mais tarde, encerar a sala,
varrer o quintal, as ruas, e, em seguida, lustrar as catacumbas. Como se não
bastasse, espantava os morcegos do sótão,da rua e da lua, pintava
à cal as paredes, cultivava os girassóis, desfazia a magia das
rosas e condenava a vida das urtigas.
Em poucos dias a vizinhança começou a perceber as alterações
nos arredores e começou a segui-la. Por onde passava, alguém lhe
fazia chacota e riam de se poder contar os dentes, mas ela continuava eufórica
com o trabalho.
Foi tanta euforia que a gorda Diná se sentiu incomodada e, não
se contendo em suas banhas,disse:
"- Isto é coisa de maluco!" - com o que Walfrido, o gigolô
da Narlene, concordou fazendo sinal com o dedo polegar e emendando:
"- Maluco do demônio! Onde já se viu trabalhar deste jeito?
Só pode ser no inferno... Tô fora!" - e sorriu sendo aplaudido
por alguns bêbados que acabaram de acordar.
A gorda Diná, querendo retomar a palavra, estendia a mão, mas
foi vaiada várias vezes, e, mesmo assim, continuou emitindo gritos histéricos
de "- Louca! Louca!". O que fez a empregada começar a chorar
engolindo golfadas de ar.
Entretanto, como passava por ali naquele momento, pude interceder em defesa
da minha funcionária. Xinguei a gentalha, fiz gestos e nos retiramos
sob aplausos dos bêbados.
Chegando em casa conversei sobre seu procedimento, seu excesso de trabalho,
suas coisas. Só deste jeito, pela primeira vez, ouvi sua meiga voz, tão
suave quanto o Bolero de Ravel. Neste dia, então, percebi o quanto era
bela.
Tempos depois eu a encontrei rindo no seu quarto e lhe perguntei o motivo de
tanto riso, ao que ela respondeu:
"- Lembra-se...rá,rá,rá,... da gorda Diná?...rá,rá,rá...
Passei o maior susto nela...rá,rá,rá... Já imaginou?...rá,rá,rá...Quando
ela acordar?...rá,rá,rá....E ver que cortei sua cabeça
...rá,rá,rá... e guardei no armário...rá,rá,rá,rá,rá,rá..."