Ele não sabia há quanto tempo estava trancado. O cubículo
era úmido, escuro e decorado com algumas páginas de revistas pornográficas.
Por sorte não tinha colegas de cela. Tinha dois catres, um sobre o outro,
a pia com uma velha torneira enferrujada e o vaso sanitário de onde às
vezes saiam ratazanas do tamanho de gatos pequenos. Para evitar ser mordido,
fechava a tampa e colocava uma pilha de velhos livros, os quais já tinha
lido duas vezes cada.
Havia os gritos desesperados daqueles que enlouqueciam. Como carcaças
humanas eram abandonados naquele poço de perversão e maldade,
ficavam sem contato com suas famílias, eram esquecidos por mulheres e
filhos. Alguns não aguentavam a pressão e enlouqueciam. Começavam
a gritar e só cessavam quando a garganta sangrava ou apanhavam dos carcereiros
até desmaiar.
Alguns eram estuprados... A revolta do ato percorria os cantos mais obscuros
da psique do violentado, transformando-o em uma criatura sem identidade, sem
saber seu lugar no mundo. Muitos viravam "mulheres" de colegas de
cela. Mas o pior estupro era o mental. A paranoia era palpável
pelos corredores do local, misturando-se com fantasmas daqueles que morreram
sem ninguém, dos inocentes decapitados ou esquartejados depois de bizarras
orgias. E, para ele, a pior coisa era a memória. O cubículo úmido
parecia ainda menor quando as lembranças o atacavam. Estava encarcerado
inocentemente, não se lembrava de ter cometido crime algum. Por mais
que tentasse achar algum motivo, perdia-se somente em lembranças. Não
era possível ter cometido algum crime e simplesmente o ter apagado da
memória. Ou era? Essa dúvida o levava ao desespero. Queria muito
saber o porquê de estar preso tanto tempo, sem nenhum contato com outros
seres humanos, recebendo água e restos de comida através de uma
portinhola na parede suja de sua cela. Por mais que gritasse, a dor na garganta
não fazia com que a perturbação mental se calasse.
Em um momento, tinha seis anos de idade e passeava de carro com o pai. Lembrava
do cheiro do banco de couro do carro, do cinto de segurança apertando
levemente seu tórax e do vento em seu rosto. O dia estava ensolarado,
o vento refrescando as pessoas na rua. Depois, lembranças da piscina
do clube, ele com boias nos braços para evitar afundar, o medo
que sentia de se afogar, a palpitação de seu coração.
Festas familiares, aniversários, o cheiro do plástico novo dos
brinquedos que ganhava.
A cela, quente, tremeu um pouco. Esse tremor sempre era acompanhado de um barulho
impossível de identificação, algo como um trem ou um grande
veículo passando por perto. Alguns gritos e zombarias foram ouvidos após
o incidente.
Dez anos de idade. Um dia nublado, frio de inverno. A garoa gelada batia em
sua face afogueada devido ao esforço físico do jogo de futebol,
que todas as quartas e sextas-feiras participava com seus amigos de escola.
Os gritos, os palavrões inocentes (pois na realidade ninguém ali
sabia o verdadeiro significado dos mesmos). Ficariam jogando até o começo
da noite, quando todos voltariam à suas casas para jantar com suas famílias
e depois ler revistas em quadrinhos até pegarem no sono.
Que horas seriam? Seria noite? O homem não conseguia distinguir... não
havia janelas ali, somente quatro paredes e uma enorme porta de ferro, com uma
pequena abertura no alto da mesma, bloqueada por cinco barras de ferro. O único
ar que respirava vinha dali, algo medonho e malcheiroso. Resolveu andar um pouco.
Quanto mediria aquela cela? Nunca fora bom em contas, por isso resolveu contar
os passos.
Quinze anos. Estava com os cabelos compridos, fumava cigarros escondido com
seus colegas (aqueles com que jogava futebol há cinco anos atrás).
Mais algum tempo no futuro e surgiriam os primeiros agarros escondidos com as
garotas da escola. As primeiras paixões e primeiras desilusões...
Como era fácil apaixonar-se e depois esquecer! Como os adolescentes são
volúveis... Contudo, acreditava que essa postura era propícia
à idade, às descobertas necessárias para a formação
do caráter. As dúvidas que surgiam, os medos que se apoderavam
dele, as alegrias, a transição da criança para o homem;
tudo isso foi necessário para sua alma evoluir. Por mais que algumas
coisas tenham deixado algumas cicatrizes em seu coração, foram
todas importantes e, por que não, bonitas. A transformação
do menino para o homem é sempre bonita.
Quatro passos. A cela era um perfeito quadrado, as paredes medindo quatro passos
cada. Olhou para cima: uma lâmpada amarelada e suja que falhava era a
única fonte de energia. Antes da lâmpada, havia uma grade de ferro
quadriculada, dando a impressão de uma gaiola. O teto por trás
da grade era escuro devido ao mofo. O homem olhou para o braço direito,
quase na altura do ombro. Estava machucado. Como, em nome de Deus, não
percebeu aquele ferimento? A pele em volta do local estava com uma tonalidade
arroxeada e do meio do ferimento algumas larvas brancas entravam e saíam,
festejando o banquete. Estava muito fraco para sentir repulsa. Percebeu o mal-cheiro
emanando do ferimento necrosado somente naquele momento. Decerto ele estava
tão malcheiroso quanto àquilo. Notou que alguns dentes na boca
faltavam.
Dirigindo seu primeiro carro aos vinte anos. O som alto e sua garota no banco
do passageiro. Ficaria com a menina mais uns seis meses e depois iria se apaixonar
pela melhor amiga. Infelizmente não conseguiria nada, apenas amizade.
Tentaria voltar para a ex-namorada, mas ela estaria feliz com outro rapaz. É
assim mesmo, a vida brinca com todos os humanos, inclusive com seus corações.
A juventude passaria rápida e logo estaria formado e trabalhando. Depois
disso conheceria a mulher de sua vida e teria dois filhos: um casal.
E um dia acordaria em um cubículo escuro, sem lembrar o crime que cometera.
Era essa a sua aflição: ter certeza de ter feito algo horrível,
mas não poder lembrar. Por que Deus não acabava com tudo? Ou estaria
ele já morto, recebendo um castigo póstumo no purgatório?
Batidas na porta da sua cela. Uma voz ameaçadora:
- Você é o próximo, sarnento!
Seu coração acelerou, suas mãos tornaram-se frias. O que
acontecia ali? Teve certeza de que não cometera crime algum. Era um bom
homem, sempre foi justo e honesto. Estava preso ali por engano. Mas onde estava?
Era mesmo um presídio?
Alguém mexia na fechadura da porta violentamente.
- Todos vão querer um pouco de você, miserável! Não
há escapatória! Seu corpo é nosso, sarnento!
O tremor novamente; aquele barulho de algo passando por cima da cela, um grande
trem ou um caminhão. Contudo, desta vez estava mais forte. A lâmpada
por trás da grade no teto oscilou. Pequenas partículas de cimento
caíram sobre o homem.
Alguém gritou de trás da porta de aço:
- Abra essa porta rápido! Não está ouvindo? Se ele escapar,
estamos perdidos!!
Escapar? O coração do homem tornou-se esperançoso. Ouviu
uma espécie de pânico naquela voz desconhecida. O tremor aumentava
cada vez mais, assim como os pedaços de cimento que caíam do teto.
Um som agudo, como um apito de locomotiva fez as paredes da cela tremerem. Pequenos
pedaços de alvenaria iam ao chão escuro de sujeira e bolor.
- Ele não pode fugir! Eu avisei que essa cela não poderia ser
usada! Se ele fugir...
Os sons do tremor e do apito tornaram-se quase insuportáveis.
Uma luz.
O homem mal percebeu que estava caído, com alguns pedaços de cimento
e tijolos sobre as pernas. O teto havia cedido, levando consigo a grade e a
lâmpada amarelada e deixando entrar uma luz forte, que machucava seus
mal-acostumados olhos. Algumas baratas e ratos caíram sobre seu rosto
suado, com a barba muito comprida e suja.
- Abra a porta! ABRA A PORTA, MALDIÇÃO!!! - alguém gritava.
Livrando-se dos restos do teto, o homem ficou em pé. Colocou a mão
direita em concha na testa para proteger seus olhos da claridade.
O sol!
O céu estava azul. Ele estendeu os braços para a abertura e com
toda a força que lhe restara conseguiu levantar seu corpo para fora.
A primeira coisa que seu olfato captou foi o cheiro de terra e grama cortada.
Forçou a perna direita para a abertura e rolou para fora da cela, ficando
sob o forte sol. Respirava com dificuldade, pois se esforçara muito para
sair daquele buraco escuro que fora sua casa por... ele não sabia quanto
tempo.
Sentou-se e observou o trem passando ao seu lado. O barulho alto o impedia de
ouvir os gritos que vinham do buraco no chão de onde saiu. Talvez eles
tivessem conseguido abrir a porta de aço, mas o homem resolveu não
descobrir. Esperou o último vagão passar e correu; pulou os trilhos
e correu em direção às árvores que estavam próximas,
logo à frente. A fraqueza sumira, assim como as dores da necrose em seu
braço. Enquanto corria, sentiu lágrimas escorrendo pelo rosto.
Então o homem correu mais. E mais. Mal percebia que gargalhava.
(Agosto/2008)