A Garganta da Serpente
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O Reencontro

(Renato Dutra Gomes)

As duas eram grandes amigas. Amigas mesmo; desde a infância, amigas da adolescência, daquelas que deixavam uma ler o diário da outra (não sem antes eliminar o que talvez pudesse ser usado contra elas numa possível briga) amigas da primeira balada (escondida, seus pais não as deixavam sair, por isso uma disse que ia dormir na casa da outra, entretanto as duas se encontraram na casa de uma terceira) amigas de se verem todos os dias. Até mais ou menos os vinte anos de idade, quando o destino resolveu intrometer-se (e como esse tal destino gosta de intrometer-se!!!).

Ficaram muito tempo sem se ver, nem se falar, até que o arroz de festa chamado destino resolveu entrar em ação novamente. As duas se esbarraram num shopping em frente a uma vitrine de sapatos (sapatos em liquidação, é lógico). Uma estava empurrando a outra, para conseguir caçar o outro pé do sapato em promoção, quando de repente entreolharam-se, abaixaram a cabeça e voltaram à caça do sapato perdido. Mais ou menos um minuto depois, as duas levantaram a cabeça, exatamente ao mesmo tempo, como se tivessem ensaiado. Elas tinham se reconhecido.

-Eu não acredito, você por aqui!

-Não pode ser, há quanto tempo!

As duas se abraçaram. Foi um abraço apertado e demorado, como se as duas não se vissem há anos (espera ai, as duas realmente não se viam a anos!).As duas deram tantos beijos, uma no rosto da outra, um beijo para cada ano da separação (olha que foram muitos beijos). Até que as duas resolveram parar com a solenidade, porque todos no shopping já estavam olhando (inclusive o segurança da loja, imaginando ser algum novo tipo de golpe para se levar mercadorias sem pagar).

-Deixa eu te ver! Dá uma voltinha.

A outra virando-se disse:

-Deixa eu te ver também, há quanto tempo hein...

-Parece que foi ontem.

-Obrigado querida.

-Nós não nos vemos há anos. Conta ai, o que você fez da vida, nesse tempo: Filhos, marido?

-Você se lembra do Carlinhos, aquele da rua de cima?

-Sim eu me lembro, eu era apaixonada por ele. Mas espera ai, o que ele tem a ver com a história?

-Nós nos casamos e tivemos um filho.

-Eu não acredito - Disse a outra visivelmente abatida - Minha melhor amiga e o meu príncipe encantado - ainda pensou ela.

-Mas e você o que fez da vida? Perguntou a outra.

Não, eu não roubei o príncipe de ninguém! Pensou ela, porém disse:

-Eu também casei -disse ela ainda sob o efeito da traição sofrida.

-Casou. Mas com quem? Conta amiga.

-Você lembra do Toninho, aquele da rua de baixo.

-Sim, eu me lembro. Não acredito. Vocês...

-Sim nós nos casamos.

-Quem diria hein, você e o gordinho da rua de baixo. E ele como é que esta?

-Não sei, nós estamos separados há mais ou menos uns cinco anos. Desde que ele faliu os negócios da família dele.

-Não acredito, como ele conseguiu falir um negócio tão antigo e lucrativo. Mas pelo menos agora eu estou entendendo porque... - Ao falar essa meia frase ela ficou quieta percebendo que já tinha falado de mais.

- Você está insinuando que eu me casei por interesse? Disse a outra, visivelmente irritada.

-Não querida. Me desculpe se foi isso que você entendeu. Parece que foi ontem a última vez que nos vimos.

-Obrigada, mas infelizmente olhando para você parece que foi há uns quarenta anos (ela disse isso em um tom extremamente irônico).

-O que você quis dizer com isso?

-Nada, nada. Mas conta como foi a vida durante esse tempão?

-É impressão minha ou você mudou a entonação da voz quando disse "tempão"?

-O que é isso amiga? anos e anos sem se ver. Nós não vamos Ter nossa primeira briga justamente agora.

-É, você tem razão nós não precisamos brigar, ainda mais sem motivo, mas, Menina, deixa eu te dar o telefone de uma esteticista que me indicaram. Dizem que ela faz milagres.

-Obrigado querida, mas acho que eu não preciso.

-Olha que precisa sim. E esses pés de galinha, você acha que não são nada?

-Que pé de galinha? Cê tá ficando louca?

-Não minha amiga, eu só estava tentando te ajudar. Por falar em ajuda, seria bom que você também procurasse uma professora de língua Portuguesa, porque "cê tá" é difícil de entender.

-Já que você está sendo tão "amiga" - disse a outra, quase gritando- que eu também vou aproveitar para lhe dar umas dicas. Primeiro: Você devia mudar a tintura do seu cabelo, além de ela não combinar com a sua idade, ainda deixa aparecer alguns cabelos brancos.

-Não acredito, outra vez me chamando de velha. Isso já está virando obsessão sua. Ao invés de procurar defeitos nos outros você devia prestar atenção nessa sua barriga, que mais parece mostruário de borracharia de beira de estrada.

-O que você está me chamando de gorda? Isso eu não admito - Falando estas palavras ela partiu para cima da outra.

-Gorda sim, e interesseira também - disse isto e também partiu para cima da outra.

Só quase cinco minutos depois é que os seguranças conseguiram separar as duas.

Depois de separadas, as duas foram expulsas da loja (não sem antes serem revistadas, para que o segurança se certificasse de que elas não estavam roubando nada). E seguiram cada uma para o seu lado, entretanto agora inimigas para sempre.

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