A Garganta da Serpente
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O matador da lenda reviveu: o avatar do estripador

(Ronygley Carvalho Fonseca)

Acredito que não precisarei falar muita coisa sobre este assunto, pois estou certo que muitas pessoas conhecem ou já ouviram falar da história do célebre serial killer Jack, o estripador. Mas, se por ventura, vós que me ledes, não o conhecerdes, falarei um pouco desta história para vós.

Na segunda metade do ano de 1888, o miserável bairro de Whitechapel, em Londres, foi aterrorizado por um assassino que recebeu o pseudônimo de Jack, o estripador. Sua verdadeira identidade nunca foi descoberta e este pseudônimo foi dado através de uma carta de um indivíduo que se dizia ser o assassino.

Jack, o estripador, tinha como característica notória sempre conseguir escapar impune, e suas vítimas eram mulheres que trabalhavam como meretrizes.

Os crimes eram cometidos em lugares públicos e semidesertos, as vítimas tinham suas gargantas cortadas, na sequência o cadáver sofria mutilações no abdômen e em outras partes do corpo e os órgãos internos eram removidos.

Especula-se que o assassino tinha conhecimentos médicos ou cirúrgicos, ou que fosse um açougueiro, devido à natureza dos ferimentos.

Não se sabe ao certo o número de vítimas de Jack, o estripador, no entanto, a lista mais aceita é a chamada "as cinco principais" que são:

Mary Ann Nichols nasceu no dia 26.08.1845 em foi morta em 31.08.1888, uma sexta-feira.

Annie Chapman nasceu em Setembro de 1841 e foi morta em 08.12.1888, um Sábado.

Elizabeth stride nasceu na Suécia no dia 27.11.1843 e foi morta em 30.09.1888, um Domingo.

Catherine Eddowes nasceu no dia 14.04.1842 e foi morta em 30.09.1888, também num Domingo.

Mary Jane Kelly, supostamente nascida na Irlanda em 1863 e foi morta em 09.11.1888, uma Sexta-feira.

Os mistérios desses crimes nunca foram desvendados e, dos muitos suspeitos perseguidos e interrogados pela polícia britânica, três deles destacaram-se:

O judeu polaco Aaxon Kosminski, o advogado Montague John Druit e o médico russo homicida Michael Ostrog. O fato é que nenhum dos suspeitos foi comprovadamente culpado e a identidade de Jack, o estripador, nunca foi descoberta. Pois como já falei, este assassino tinha como principal característica escapar impune. Estas informações, por eu citadas, o leitor encontrará em qualquer meio de comunicação, eu as mencionei porque fizeram parte da minha viagem a Londres.

Isso mesmo, eu cometi esta ousadia, tudo com o propósito de tornar-me famoso, descobrindo a identidade secreta do estripador. Especulações e mitos sobre este assunto não faltaram, entretanto, o mistério nunca foi esclarecido, mas eu estava disposto a desvendá-lo.

Parentes e amigos pediram, imploraram, suplicaram para eu não me envolver nesse assunto, alegando não haver necessidade alguma de mexer com esta história sinistra, mas desde minha infância, eu tenho a teimosia como uma virtude.

Ignorei as súplicas de meus parentes e amigos, e viajei para Londres, prometendo voltar só quando desvendasse o mistério e descobrisse a identidade secreta de Jack, o estripador.

Chegando a Londres hospedei-me num hotel próximo ao bairro de Whitechapel. Um lugar sombrio e assustador, onde parecia que o terror reinava, mesmo passado mais de um século dos crimes.

Peguei o material de pesquisa para saber por onde começar. Li a lista das vítimas, a dos suspeitos e dos lugares onde supostamente o estripador teria agido. Um caso que chamou minha atenção, e que foi ignorado pela polícia na época, foi a pichação da Rua Gouston, que dizia: "The juwes are not the men that will be blamend for nothing", (Os judeus não são os homens que levarão a culpa sem motivo). Mas inexplicavelmente o chefe de polícia Charles Warren ordenou que apagassem.

Talvez esta tenha sido a única pista deixada pelo estripador.Chegaram a acreditar que o assassino fosse um judeu perseguido na época.

Bom, meu propósito era desvendar os mistérios e ficar famosos, mas sabia que não seria uma tarefa fácil. Já havia passado muito tempo, todos daquela época morreram e eu não encontraria uma única testemunha.

Mas eu contava com um ótimo trunfo porque pratico psicagogia (1), então planejei a seguinte estratégia: ir aos locais onde supostamente o estripador teria agido e lá fazer o ritual de evocação das almas dos mortos para ver se os espíritos das vítimas, ou até mesmo do assassino, fariam algum contato comigo. Assim, eu descobriria a identidade secreta do estripador e desvendaria o mistério entrando para história como: "O homem que desmascarou Jack, o estripador". E assim o fiz.

Por diversas noites, andei pelas proximidades de Whitechapel, entre becos, esquinas e ruas sem saídas. Um lugar extremamente obscuro. Tentei evocar algum espírito, mas nenhum se manifestou.

Eu tinha costume de praticar psicagogia e o que me impressionou foi que das outras vezes tudo ocorrera bem comigo. Mas desta vez foi diferente, senti um profundo mal estar, tontura e a visão turva.

Não sei explicar ao certo, mas sentia como se meu espírito fosse ameaçado por outro espírito maligno, como se ele quisesse apossar-se do meu corpo. Houve ocasiões que eu cheguei a desmaiar.

Nesse momento, fiquei pensando se a natureza desses fatos tinha alguma ligação com o meu envolvimento nessa história macabra. Por um momento, cheguei a lamentar por não ceder às súplicas dos meus amigos.

Mas agora que já estava ali, eu iria até o fim. Uma madrugada, por volta das três horas, eu me encontrava na Rua Buck's Row, onde supostamente Mary Ann Nichols foi assassinada. Segundo as investigações, Jack agia da seguinte forma:

- Ele aproximava-se calmamente da vítima, conduzia-a até a escuridão e, em seguida, dilacerava sua garganta, mutilava o corpo e removia os órgãos internos. Foi o que aconteceu com a Mary Ann Nichols.

Concentrei-me no ritual de psicagogia, mas novamente nenhum espírito se manifestou. De repente imagens turvas começaram a aparecer em minha mente, formando a imagem de um homem vestido de preto e usando uma capa.

Ele estava atacando uma mulher com uma faca, mas a imagem não tinha uma exatidão nítida, então não consegui ver de quem eram os rostos.

Na sequência senti uma forte dor de cabeça e creio ter desmaiado por alguns minutos. Quando recuperei os sentidos, estava meio aturdido, levantei cambaleando e meio zonzo.

Dirigi-me ao hotel, mas enquanto caminhava pela rua escura tive a atenção despertada por um pequeno objeto metálico que jazia perto dos latões de lixo na calçada. Aproximei-me e percebi que era uma pequena faca, apanhei-a e, ao tocá-la para ver se o gume estava amolado feri levemente o dedo, pois a faca estava extremamente amolada.

Coloquei-a no bolso e voltei para casa pensando: "Mas que coincidência, encontrar uma faca justamente no local onde o estripador fez uma de suas vítimas".

Não dei importância ao fato, estava cansado, tomei um banho e fui dormir para continuar as investigações na noite seguinte. Aquela faca tinha um fio magnífico, um belo brilho. Quem poderia perder esta faca num local sinistro daqueles?

Deixei a faca de lado, pois tinha muito a investigar, afinal, eu não queria dar viagem perdida. Mas confesso que mexer com esse assunto me incomodava muito, parecia que quanto mais me envolvia nas pesquisas, mais vulnerável às forças malignas e sobrenaturais eu ia ficando. Sentia que às vezes fugia-me o discernimento e eu me via à beira de cometer um desatino.

Aquela faca que eu achei na noite passada, mas que brilho fascinante! A única maneira de descobrir como o estripador pensava e agia era incorporando-se nele, qual seria a sensação de estripar uma meretriz?

Mas espere! (num momento de reflexão), "eu estou aqui para desvendar os mistérios e descobrir a identidade do assassino, não para começar uma nova matança e uma onda de terror". Embora sóbrio, no mais perfeito do meu juízo, esta ideia diabólica martirizava-me dentro do meu subconsciente.

Apesar de tudo isso, continuei com as investigações procurando por mais pistas. Novamente fui aos locais dos supostos assassinatos e tentei mais uma vez evocar os espíritos, mas não obtive sucesso.

As imagens que eu via não eram nítidas, eram sempre obscuras e eu não conseguia vê-las com clareza. Devido aos esforços, eu sempre acabava desmaiando e nunca me lembrava direito do que acontecera.

Já estava quase desistindo de tudo e pensando em voltar para casa. Foi quando numa manhã, ao acordar, tive a atenção despertada por uma pequena multidão a alguns metros de distância do hotel.

Fui até o local e vi que havia alguns policiais também. Aproximei-me e vi o corpo de uma mulher com a garganta completamente dilacerada. "Impossível!" - pensei comigo mesmo.

Passado mais de um século do massacre do estripador, será que Whitechapel teria agora um novo estripador para aterrorizar suas ruas? O assassino não só cortou a garganta da vítima, mas também arrancou seu coração e, este era um crime típico do estripador.

Algumas testemunhas, que por ali estavam sendo interrogadas pela polícia afirmaram que, assim como em 1888, um homem aproximou-se daquela mulher, supostamente uma meretriz, levou-a para um lugar escuro, semideserto e a matou.

E, como era de se supor, igual ao caso do estripador, ele sumiu sem deixar rastro. "Muito interessante!", - pensei eu.

Voltei para o hotel acreditando na hipótese de um novo estripador estar agindo em Whitechapel. Coincidentemente, uma coisa me intrigou: a mulher foi morta nas proximidades de Whitechapel, isso na noite passada, justamente no horário em que eu me encontrava no local. Como foi possível que eu não tivesse visto nada de suspeito?

Achei isso muito estranho, mas tinha agora outro mistério para resolver. Porém, eu estava muito inquieto, perturbado, sentia uma pequena mudança alterada no meu temperamento, sabia que algo de estranho estava acontecendo comigo, mas não sabia explicar ao certo o que era.

Cheguei a fazer alusões paralelas aos fatos que ocorreram, pois como já falei, achei muito estranho não ter visto nada pela hora do crime, nenhum elemento suspeito, e recobrar os sentidos de um suposto desmaio.

Com a chegada da noite do dia deste crime, eu me preparava para sair e prosseguir com as investigações, mas antes de sair passei um bom tempo contemplando aquela faca. O gume e a ponta eram magníficos, era uma arma fantástica e com certeza provocaria um estrago irreparável em alguém que fosse ferido por ela.

Guardei-a e fui para a rua, o policiamento estava reforçado, pois a suspeita de um novo estripador alarmara não só as autoridades, mas também toda a população. Entrei numa rua sem saída, escura e com pouco movimento, então, novamente realizei o ritual de psicagogia e, como da outras vezes, o resultado não teve êxito, senti uma forte tontura e creio ter desmaiado por alguns instantes.

Quando acordei e já estava levantando, percebi uma pequena faca ao lado do meu corpo, sim, era a faca que eu deixara guardada no hotel, mas o que ela fazia aqui? - eu pensei.

A faca estava com a ponta ensanguentada, então, não poderia ser a mesma. Será que este sangue é meu? "Fiquei pensando!".

Impossível, isso não pode ser. Apanhei a faca e voltei para o hotel. Chegando lá, fui até a cômoda do quarto, abri a gaveta e vi que a faca não estava lá. "Estranho!", - assim pensei.

A faca, que eu aqui guardei, sumiu; entretanto, a que eu encontrei era idêntica a ela, salvo a mancha de sangue. Fui tomar banho e verifiquei meu corpo inteiro, mas não vi nenhum ferimento, pelo menos isso, - eu fiquei aliviado. Mas a faca que eu encontrei suja de sangue só poderia ser a mesma, pois como eu estava tendo estes esquecimentos, eu poderia muito bem ter colocado a faca no bolso do casaco pensando te-la guardado na gaveta da cômoda, sim, isso era perfeitamente possível, mas, e o sangue? De quem poderia ser?

Nessa madrugada, pouco consegui dormir só pensando nesse fato. Ao amanhecer já corria um boato de que outra mulher, também uma suposta meretriz, tinha sido morta na noite passada há alguns metros dali, acho que próximo à rua onde eu estivera.

Outra vez fiquei em suspense, como isso era possível? - eu estava lá próximo e não vi nada de suspeito. Fui ao local onde encontraram o cadáver. A mulher teve a garganta cortada e, segundo a polícia, o assassino arrancou e levou o fígado dela.

Outro crime típico do estripador, ou seja, um crime na sequência do outro.

Mais uma vez, testemunhas disseram que viram a mulher saindo com um homem calmamente e, ela apareceu morta. Enquanto eu olhava a vítima tive a impressão de já conhecê-la, embora nunca em minha vida tenha visto aquela mulher.

Voltei ao hotel apreensivo e assustado com tudo aquilo que aconteceu, pois havia passado mais de um século do caso do estripador e, agora, com a minha chegada ao local os crimes voltaram a acontecer.

A faca que eu encontrei naquela noite, o fato dela ter aparecido suja de sangue, os estranhos pensamentos e desejos que me envolviam, enfim, tudo isso me aterrorizou.

Ao chegar ao meu apartamento, apanhei a faca ainda suja de sangue. Tentei fazer o ritual ali mesmo para tentar descobrir o que estava acontecendo e, o que contemplei nas minhas visões me apavorou!

A imagem do homem esfaqueando as mulheres, agora tinha tomado um contorno mais nítido e, não pude acreditar no que vi: o rosto do novo e suposto estripador era o meu, sim, era como se eu estivesse à frente de um espelho.

Respirei fundo e soltei o ar levemente, por um instante, pensei que estava enlouquecendo, pois aquilo era um completo absurdo. Fui ao freezer apanhar uma garrafa de cerveja para beber e relaxar, mas, ao abri-lo, por um segundo minha alma saiu do corpo e voltou, fiquei tácito e imóvel pelo terror! Lá dentro, encontravam-se um coração e um fígado humanos, que atribuí na hora serem os órgãos das vítimas encontradas nas últimas noites.

Fechei os olhos e, completamente perturbado, num relance um flashback passou pelo meu cérebro. Lembrei de tudo o que aconteceu nas noites que eu supostamente teria desmaiado: em primeiro lugar, eu sempre andara em posse daquela faca, desde a noite que eu a encontrei.

Lembrei-me com perfeição de conduzir as meretrizes para as ruas escuras e semidesertas, na sequência, eu as ataquei, tapando suas bocas para elas não gritarem, cortando suas gargantas e mutilando seus corpos. Depois removendo seus órgãos internos.

Mas como isso era possível, meu Deus?! Eu pensei. Como não consegui me lembrar desses acontecimentos antes?

A explicação mais lógica que eu encontrei foi a seguinte: "em sã consciência, eu jamis cometeria uma barbaridade dessas".

Com certeza, o espírito de Jack, o estripador, ainda penava naquele bairro mal assombrado de Whitechapel e, eu por ser psicagogo, tornara-me presa fácil de ser possuído pelo espírito de Jack, ou seja, de tanto eu remexer e me envolver com este assunto, acabei dominado. "Só poderia ser esta a única explicação!"

E, de uma única coisa eu estava certo: era que eu não poderia ficar ali mais nenhum minuto, pois se me descobrissem, com certeza, eu estaria com graves problemas com as autoridades britânicas.

Bom, mas é claro que eu não fiquei lá para ter certeza se era mesmo o espírito do estripador que me influenciava, ou se realmente eu era um esquizofrênico, - eu não queria confirmar.

Nesse mesmo dia, procurei resolver este problema usando a única característica que eu admirava no estripador, "escapar impune".

Apanhei os órgãos, piquei-os em pequenos pedaços, coloquei-os numa sacola e fui até a lavanderia do hotel. Por sorte, não havia nenhum empregado ali no momento, peguei uma pequena bacia de alumínio e joguei os miúdos dentro. Apanhando uma garrafa de álcool e despejando todo o conteúdo na bacia, ateei fogo nos miúdos até virarem cinzas.

Em seguida, peguei as cinzas e as lancei no tanque com a torneira aberta que, se precipitaram encanamento abaixo. Com toda a precaução possível, limpei todo o recinto sem deixar nada que pudesse levantar algo de suspeito e voltei ao quarto para arrumar as minhas malas.

E, quanto á fama, deixei-a de lado e voltei para casa imediatamente, jurando nunca mais colocar os pés naquele lugar mal-assombrado.

Ao chegar em casa, parentes e amigos receberam-me calorosamente e fizeram aquele interrogatório. Mas eu disse que eles estavam com a razão, que eu nunca deveria ter ido mexer com esta história e que estava arrependido.

Com certeza, os fatos que ocorreram em Whitechapel, e que eu descrevi para o leitor, eles nem ficaram sabendo.

Mas eu estou muito contente por estar de volta, longe daquele lugar maldito e livre daquela maldição. Só um detalhe que eu ia me esquecendo de falar: apesar de tudo o que aconteceu, eu não me livrei da faca porque eu achei-a muito bonita e ela esta guardada num lugar bem seguro que eu não vou revelar.

Bom, eu passei muito tempo fora e os meus níveis de testosterona estão altíssimos. Se o leitor me dá licença eu tomar um banho para ir á boate à noite. Hâ! Hâ! Hâ!... Essa foi boa, eu, Jack, o estripador parece até piada!

"Olá bonitão" (meretriz falando...), procurando diversão para esta noite, que tal um bom programa?

- Mas é claro que sim, linda senhorita. Olhe, meu carro está logo ali na esquina, quer fazer a gentileza de irmos até lá?

"Claro que sim, - vamos lá", (meretriz).

Acompanhe-me, por favor.

Ei, um momento, para que esta faca?! (meretriz).

Ei, o que vai fazer?! (meretriz).

Me larga... não... para?! (meretriz).

Socorro... ah... ah...âh!... (meretriz).

Bom, dessa aqui, eu levarei o útero e o rim!

Requiescat in pace.

(Janeiro de 2007)

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